+9999-9999999 [email protected]

Mineiro sovina! – Capítulo X

 

Atentado contra cliente.
A indiferença com que fora tratado por Onofre diante de uma porção de testemunhas, à porta da agência de Banco do Brasil, deixou Jerônimo deveras injuriado. Esperara uma reação violenta, palavras ásperas, que lhe ensejassem eventualmente motive para chamar em seu socorro os capangas espalhados nas redondezas. Um Onofre, aparentemente inofensivo, frustrara seu propósito. Voltou para casa remoendo a humilhação, planejando vingança. Não queria engolir esse angú com farinha. Quando estava próximo de casa, um dos capangas sugeriu que fizessem uma tocaia ao vizinho. Nem que fosse apenas para dar-lhe um susto, deixar as marcas de balas em seu couro.
Jerônimo não respondeu de imediato. Não convinha envolver os seus empregados numa ação dessa natureza. Mesmo os mais novos contratados haviam sido vistos com ele. Se fossem pegos, acabariam denunciando o mandante e não tinha necesidade alguma de responder a outro processo. Um só já era suficiente. Mas a ideia de dar um susto no coronelote lhe agradou. Lembrou de uma dupla de “justiceiros” residente na vila próxima. Pouco depois de haver chegado no meio da tarde, chamou dois outros empregados e ordenou que o acompanhassem. Os que havia levado para a cidade estavam ausentes, cuidando de outros afazeres. Embarcou em sua caminhonete, tendo os cois ao seu lado, foi até a residência da dupla.
Encontrou os dois numa birosca da esquina, tomando uma cachacinha. Ordenou aos que o acompanhavam permanecerem na caminhonete, até receberem alguma ordem. Sentou-se numa mesa do canto, pediu uma garrafa de caninha da boa, pondo-se a bebericar um “martelinho”. Num momento fez um sinal discrete a um dos dois que for a procurar e sem demor eles se aproximaram. Convidou-os a sentar e ofereceu um trago. O dono do estabelecimento trouxe os copos e os encheu. Depois deixou-os sozinhos, pois tinham assunto sério a tratar.
Sem muitos rodeios falou o que desejava que fizessem. Forneceu os detalhes da vítima, seus hábitos, lugares onde costumava ir. Costumeiramene andava desacompanhado o que deveria tornar o trabalho mais fácil de ser executado. Diante do exposto, o trabalho foi considerado fácil e o preço acertado. Jerônimo fez o pagamento de metade adiantado. A outra metade pagaria com o serviço concluido. A finalidade era apenas dar um susto no coronel. Poderiam lhe dar um tiro, mas não letal. De preferência que lhe quebrasse uma perna, talvez o joelho. Uma boa surra também, mas havia o risco de eles serem reconhecidos e assim complicassem o caso. Melhor mesmo um tiro, aparentemente casual, preferencialmente sem se deixare ver.
Se quisessem disparar bastantes vezes para dar a impressão de um grande tiroteio, poderiam ficar à vontade. Habitualmente o coronel saia todas as sextas feiras para levar a mulher e a filha no comércio da cidade fazer as compras necessárias. Sugeriu que fizessem o serviço nessa ocasião.
– Pode ficar sossegado chefe. Vamos dar um susto no seu “amigo” de que ele não vai esquecer tão cedo.
– Espero o resultado.
Levantou, pagou a cachaça, deixando os dois com o que sobrara. A garrafa ia pela metade, permitindo prever que em pouco tempo não sobraria nada. Foi até a porta e chamou os dois empregados. Poderiam tomar um trago, antes de voltar para casa. Deixá-los ali, sem terem direito a um trago sequer, os faria ficarem frustrados. Precisaria de todos os homens ao seu lado, sem insatisfação alguma. Depois de tomarem uma segunda dose, a noite começara a cair, eles embarcaram no veículo empreendendo a viagem de retorno. Apesar da curiosidade, os dois não indagaram o que o patrão viera fazer. Quanto menos soubessem, melhor seria, em caso de alguma coisa em andamento sair errada. Levavam a sério o ditado “o que o ouvido não ouve, a boca não fala”.
Estavam na terça feira e, a partir dessa data, Jerônimo ficou torcendo para chegar sexta-feira. Disfarçou como pode sua ansiedade para não permitir a ninguém desconfiar de suas inenções. O mesmo capanga que sugerira, tornou a perguntar e els lhe falou:
– E vosmece pensa que vou arrumar encrenca, logo agora que está chegando o dia da audiência, sobre a questão da divisa? Deixa passar que depois damo um susto no velho.
– Pode contar c’a gente, para o que for preciso.
– É bom saber, Chico.
Nessa expectativa os dias passaram. Os “justiceiros” contratados vistoriaram a fazenda de Onofre, chegaram até próximo da casa, escondidos no meio do cafezal, observaram atentamente, imaginando um modo de fazer o serviço encomendado. Ali nas proximidades da casa seria perigoso, pois teriam que percorrer boa distância até a estrada. Observaram que o coronel saia para percorrer sua propriedade, mas sempre acompanhado de pelo menos três dos empregados. Isso não estava de acordo com a informação do contratante. Teriam que buscar um meio de chegar perto, durante a ida a cidade na sexta-feira.
Pontualmente às 8h30min do dia marcado, o veículo de Onofre saiu pela alameda de acesso, precedido por um jipe com três empregados e mais outro fechava o cortejo. Tudo estava ficando mais complicado do que o previsto. Pelo visto alguém alertara a pretensa vítima, fazendo-a tomar precauções com que não contavam. Mesmo assim seguiram de longe em uma caminhonete, suficientemente possante para permitir uma evasão rápida em caso de necessidade. Carregavam carabinas caliber 38, podendo assim atirar de maior distância. O pequeno comboio parou diante de um supermercado. Dois dos empregados acompanharam a família ao interior e os outros ficaram esperando ao lado dos jipes. Seus olhos estavam sempre atentos aos arredores e à porta do estabelecimento.
Os dois ficaram frustrados. Não seria ali que poderiam realizar o serviço. Precisariam encontrar um lugar mais propício. Uma tentativa de cumprir o contrato ali, no estacionamento do supermercado, poriam em risco outras pessoas e não tencionavam atingir mais ninguém. Apenas o coronel era seu alvo. Se ao menos o contratante tivesse falado que poderiam atingir qualquer membro da família, seria mais fácil. Mas fora taxativo nesse particular.
Após uma hora no interior do mercado, a família saiu, um funcionário levou as compras até a caminhonete do coronel. Este deu uma pequena gorjeta ao rapaz e embarcou. Dali foram até o centro, parando diante de uma loja de roupas. Provavelmente tinham intenção de adquirir alguma roupa para as damas. Novamente tudo se repetiu. Houve apenas um momento em que teriam podido atingir o alvo, mas estavam em movimento e perderam a oportunidade.
Perto da hora do almoço o grupo iniciou o caminho de volta. Eles decidiram se adiantar até uma curva que tinha ao lado um penhasco bem elevado. Dali tentariam usar suas carabinas para cumprir o combinado. Chegaram, esconderam a caminhonete em local suficientemente distante e seguiram até o local. Tinham que ser rápidos pois logo o grupo estaria passando por ali. Chegaram, escolheram um bom lugar para se ocultar, que oferecesse boa visibilidade da estrada. Dariam alguns tiros, tendo a preocupação de atingir o coronel e mais ninguém. Isso feito, retornariam depressa ao local do veículo e empreenderiam fuga. Havia uma estrada secundária que permitia chegar à vila dando uma boa volta. Isso os tiraria da cena do ataque.
Não tardou e os veículos apontaram ao longe. Pouco antes da curva escolhida, uma pequena reta permitia escolher o momento certo de atirar. Depois de atingir o alvo, os demais tiros poderiam atingir as rodas, o radiador e mesmo o chão. Não importava onde pegassem, queriam fazer bastante barulho. Quando tiveram o alvo na mira, atiraram e repetiram a operação diversas vezes. Assim como havia começado o tiroteio cessou e os dois sairam rapidamente do local.
Na estrada, o coronel havia sido atingido na coxa direita, pois vinha sentado ao volante. O projétil atravessou o parabrisas estilhaçando-o e ferindo o coronel. Os demais projéteis atingiram os pneus, o radiador, o capô e um vidro traseiro. Mesmo ferido Onofre conseguiu parar o veículo. Vinha reduzindo a velocidade devido à proximidade da curva, o que facilitou a parade, evitando uma possível colisão ou a saída da estrada. Os empregados saltaram e se protegeram atrás dos veículos, pondo-se a revidar, mas os atacantes já haviam ido embora. Verificaram o estado dos veículos, constatando que apenas um dos jipes tivera o radiador perfurado, vazando o líquido refrigerador.
Um dos empregados assumiu o volante do carro do coronel e este foi levado rapidamente ao hospital na cidade, depois de davem meia volta. Enquanto ocorria o atendimento do ferido, o chefe dos empregados foi até a delegacia de polícia. Não tardou e uma equipe de agentes se fez presente, tomando os depoimentos prévios. Depois o grupo todo foi até a delegacia formalizar a queixa. O delegado determinou que uma equipe de policiais seguisse até o local do ataque, onde o jipe danificado ficara aos cuidados de dois dos empregados. Dois empregados iam com eles, enquanto os outros dois levaram a familia para um hotel. O veículo precisava ter o parabrisas substituido, o que demoraria algum tempo. O ferido descansaria até o momento em que pudesse retornar para casa.  
Não existia em princípio nenhuma pista, apenas o fato de os tiros terem partido do alto do penhasco. Os policiais subiram por um trilho existente e encontraram as cápsulas dos tiros, jogadas no local. Os agressores não haviam tomado a precaução de coletar esses vestígios, que serviriam de provas em eventuais perícias de armas encontradas. Encontraram os sinais por onde o(s) agressor(es) havia(m) fugido e seguiram até o lugar em que o carro ficara. Uma marca de pneus patinando no chão seco mostrava a pressa com que haviam saído dali. Um deles portava uma camera fotográfica e tirou umas fotos dos rastos deixados na beira da estrada. O tipo de pneu serviria para incriminar quem praticara o atentado.
Depois de coletar todas as informações, suspeitas e indícios os policiais retornaram para a delegacia. Os empregados usaram o segundo jipe para rebocar o outro até a cidade. Precisavam trocar o radiador, pois o outro ficaram bastante avariado. Quando o sol estava perto do horizonte, o grupo ainda receoso, iniciou o retorno para casa. Por precaução um carro da polícia os precedeu até ao patio da fazenda. Chegaram sem novidade e a equipe de policiais retornou à cidade. Tinham em mãos um caso típico de uma ação de vingança ou execução. Os dados para elucidar o crime eram vagos. O indicio mais forte, era a desconfiança em relação ao vizinho. Mas isso não permitia nenhuma conclusão. Antes de retornar, o mais antigo dos agentes sugeriu que passassem pela fazenda do vizinho. Certamente ele não estaria esperando uma visita a essa hora.
Foram até lá e ao chegarem encontraram uma caminhonete parada diante da casa principal da propriedade. O policial das fotografias passou perto do veículo estacionado e teve a curiosidade de focalizar sua lantern nos pneus. Sua surpresa foi grande ao ver a forma dos pneus. Conferia com a marca vista na estrada. Chamou o chefe e lhe mostrou sua observação. Olharam detidamente e depois chegaram perto da casa. Nesse momento dois homens saiam e se encaminhavam para a caminhonete. O policial teve um lamapejo e falou:
– Voces dois podem me responder uma pergunta?
– Sim senhor! – falou o mais alto.
– Onde vocês estavam hoje por volta do meio dia?
– Nós estávamos em casa, na Vila Santa Rita. Por quê?
– Por acaso não estavam na estrada, naquela curva perto de Sete Lagoas, onde tem um penhasco?
– Nem sei onde fica essa curva, doutor.
– A gente nunca vai a Sete Lagoas. Trabalhamos na vila mesmo.
– Me mostre os documentos pessoais e do carro.
– Mas que é isso agora?
– Se não tem o que temer, por que não pode mostrar?
– Isso é abuso. Nós não fizemos nada.
– Apenas uma verificação de rotina, amigo.
Os outros agentes ficaram estratégicamente posicionados. Jerônimo chegara à varanda e observava a cena. Quando viu os homens apresentarem os documentos, gelou. Se os policiais ligassem os dois ao atentado, estaria perdido. Pensou em algo a fazer e optou por retroceder para o interior da casa. Aparentemente não havia sido visto. Ficaria espiando pela fresta da janela para ver o que aconteceria. Os documentos foram observados, anotados os nomes e número dos mesmos. Foi quando chegou o momento de examinar os documentos do veículo que ficou evidente que se tratava dos agressores. O documento constava em nome de um conhecido infrator, frequentemente envolvido em atos de desordem e violência.
– Por quê estão com esse carro? Trabalham para o dono?
– Nós pegamos emprestado.
– Muito conveniente isso. Esse nome é bem conhecido nosso. Estamos invetigando um crime e esse carro tem o mesmo tipo de pneu das marcas encontradas perto do lugar. Para piorar estão no patio de uma pessoa suspeita.  
– Não temo nada a ver com essa encrenca. Viemos tratar de um serviço com o dono da fazenda.
– E que serviço é esse? Não seria fazer uma tocaia ao Coronel Onofre?
Ao ouvir isso um deles olhou significativamente para o outro. Vendo o olhar, o agente deu voz de prisão aos dois e ordenou aos auxiliares que os algemassem. Foram colocados no banco traseiro do veículo sob a guarda dos dois policiais. O agente que comandava foi até a varanda, chamando:
– Ó de casa!
Jerônimo chegou à porta e perguntou:
– O que se passa? O senhor é de onde?
Mostrando a sua credencial, falou:
– Sou o detective Arthur da Silva e estou procurando suspeitos de um atentado contra o coronel Onofre, seu vizinho. Esses dois homens que sairam agora mesmo de sua casa estão sendo levados à delegacia para interrogatório. O senhor tem alguma coisa a ver com o caso?
– Mas de onde lhe vem essa idéia, policial?
– Eu apenas estou perguntando. O carro que os dois estão usando é de um bandido conhecido, tem pneus iguais às marcas deixadas na estrada perto do lugar do atentado e demonstraram sinais de medo quando os questionei agora pouco.
– Eles vieram aqui em busca de trabalho e eu não estou precisando.
– Fique de sobre-aviso, senhor Jerônimo. O senhor é suspeito de ser o mandante do atentado. Dependendo do resultado das investigações, vamos lhe chamar e é bom não se ausentar nas próximas semanas.
– Essa agora! Tenho minhas pinimbas com o vizinho, mas não sou bandido. Tenho nada com isso.
– Vamos averiguar. Se não tiver nada a ver mesmo, nada tem a temer. Boa noite, senhor Jerônimo.
Desceu da varanda e foi até o carro, ordenando a partida. Um dos policiais dirigiu a caminhonete que estava em mãos dos detidos. Foram direto para a delegacia, sem se demorarem. Levavam a suspeita de que o fazendeiro faria alguma coisa para resgatar os dois. O comandante do grupo estava convicto da culpabilidade dos dois. Todavia chegaram à delegacia sem problemas. Mal sabiam que pouco atrás havia chegado o carro de Jerônimo, que se dirigiu direto à casa do advogado. Expôs rapidamente o caso, omitindo a questão de seu envolviemnto. Pediu que fosse impetrado um habeas corpus o mais rápido possível. Ficou sabendo que dificilmente esse mandado seria conseguido antes do almoço de sábado. O juiz de plantão para atender essas emergências era o mesmo encarregado da ação de Onofre contra Jerônimo. Era capaz de associar uma coisa e outra e a situação se complicaria.
– Eu falei ao senhor! Não tome nenhuma attitude precipitada! Mas parece que quer saber mais do que eu.
– Não tenho nada a ver com isso. São meus conhecidos e vim para ajudar. Eles são inocentes.
– Tem certeza disso?
– Não posso jurar, mas eles estavam lá em casa pedindo trabalho e nisso os policiais chegaram. Cismaram com eles e os trouxeram para a delegacia.
– Se não tem o que temer, mais tardar amanhã meio dia estão na rua. Se tiverem a ver com o atentado, o caldo entorna seu Jerônimo.
– Providencia logo esse mandado. Eu pago o que precisarr. Peça para o delegado estabelecer a fiança!
– Vou tentar, mas não garanto nada. Acho bom o senhor ficar aqui, bem quieto e esperar minha volta. Nem pense em aparecer na delegacia, pois isso irá implicá-lo no caso.
– Não perca tempo doutor. Eles precisam sair daquela delegacia o quanto antes.
O advogado percebeu que o cliente estava envolvido até o pescoço na questão. Do contrário não estaria tão nervosa. Como isso iria lhe render bons honorários, foi fazer o que precisava. Antes ligou para o juiz para saber se poderia ser atendido antes do amanhecer e ficou sabendo que o meritíssimo estava em uma festga e voltaria mais tarde. Não era bom palpate incomodar tarde da noite. O homem ficava uma arara quando isso acontecia. O jeito era ir até a delegacia tentar convencer o delegado a soltar a dupla. O quanto antes pudesse fazer isso, aumentaria a chance de não fazerem eles cantar até o que não sabiam. Conhecia bem a habilidade dos invertigadores vindos recentemente. Eram capazes de fazer um defunto falar, quanto mais dois vivinhos da silva.
Deixou Jerônimo sentado em seu gabinete doméstico, diante de um litro de whisky e café numa térmica. Ele que servisse o que quisesse, pois a conta seria salgada depois. Sem hesitar dirigiu-se resolutamente à delegacia para avistar os detidos. Ao chegar ali, verificou que a repartição estava movimentada. Isso era visível pela presença do carro do delegado em pessoa. Teria que tomar cuidado com as palavras para não arrumar encrencas para seu lado. Frequentemente precisava da boa vontade das autoridades e uma palavra errada, dita no momento indevido, podia causar um grande estragon nesse relacionamento.
Chegou ao balcão da recepção e perguntou ao agente que ali estava de plantão:
– O Delegado Demétrio está aí?
– Está sim, doutor. Qual é o problema que o traz aqui?
– Fui avisado que dois clientes meus estão detidos e vim assistir aos depoimentos deles.
– Aguarde um momento por favor.
Levantou o telefone, discou um número e logo falou com alguém, certamente em outra sala.
– Doutor Delegado!
– Fala, Douglas.
– Está aqui o doutor Estevão. Ele quer falar com os detidos!
– Mande ele aguardar. Estamos terminando com eles dentro de cinco minutos.
– Certo, chefe. Vou avisar.
Desligou o aparelho e voltou-se para o doutor Estevão, dizendo:
– O Delegado já vail he receber. Espere um minute. Quer um café?
– Obrigado. Não quero tomar café a essa hora. Me dá dor de cabeça.
– Sente-se um pouco.
Estevão fez menção de ir para a área interna da delegacia, sendo impedido pelo policial.
– O senhor não pode entrar antes de receber autorização para isso. Faça o favor de sentar-se.
– Mas eu tenho pressa de falar com os meus clientes.
– Quem foi mesmo que lhe contratou, doutor Estevão?
– Eles mesmos.
– Se eles foram detidos na fazenda do seu Jerônimo e vieram diretamente para cá. Como eles puderam lhe avisar?
– Acontece que eu sou advogado do fazendeiro e ele me avisou por telefone. Vim atender a eles, pois tenho outras causas em que autuo a favor deles.
– Entendo, doutor.
Sentou-se e fez de conta que lia uma revista aberta sobre a mesa, mas os olhos vigiavam o advogado. Era melhor que ele se mantivesse quieto ali, salvo se quisesse arrumar encrenca. Enquanto isso, o delegado separara os dois detidos, colocando ambos sob os cuidados de interrogadores diferentes. Em dado momento um outro agente entrou numa sala dizendo:
– Pode confessar, amigo. Seu parceiro já deu todo o serviço.
– O quê? Aquele desgraçado abriu a boca.
Sem dizer mais nada o agente saiu e foi dizer ao delegado:
– A artimanha acaba de funcionar. O pássaro cantou legal. Foi dizer que o parceiro havia dado o serviço, ele ficou revoltado e perguntou se o outro tinha aberto o bico.
– Quer dizer que encontramos os dois mais depressa do que poderíamos imaginar. E pelo visto aquele fazendeiro está envolvido nisso.
– É o que iremos ver. Agora os colegas podem apertar bem e logo saberemos toda a verdade.
Em poucos minutos os dois interrogadores vieram, quase ao mesmo tempo, com largo sorriso no rosto. Tinham em mãos a confissão complete dos dois, apenas cada um dizia que for a apenas servir de motorista. O colega fora fazer a tocaia.
– Notável isso. Depois que a casa cai eles tentam incriminar um ao outro. Não se faz mais bandido como antigamente.
– É Doutor. Na hora do pega para capar, salve-se quem  puder.
– Vamos tomar o depoimento deles para não voltarem atrás. Tem um advogado aí na porta para falar com eles. Deve ter alguém no comando. Aposto meu soldo que isso é obra do fazendeiro onde eles foram encontrados.
– Eles não disseram ainda, mas dá para deduzir sem problema.
– Aperta um pouco e tira o resto do suco. Enquanto isso eu vou conversar com o advogado. Dou uma trovada nele até vocês terminarem o serviço.
Chamaram um escrivão e foram tomar os depoimentos. O delegado saiu até a portaria e fingiu surpresa com a presença do advogado.
– Boa noite, doutor Estevão! Tudo bem? E que lhe posso ser útil?
– Eu vim conversar com dois clientes meus que estão detidos. Preciso encaminhar um habeas corpus logo cedo e tenho que saber detalhes para elaborar o documento.
– Só um momento. Estamos remanejando uns pássaros aí dentro e logo lhe coloco diante dos seus clientes. Enquanto isso, venha até minha sala e conversamos um pouco.
Não tendo alternative, doutor Estevão entrou e sentou na poltrona diante da escrivaninha que o delegado lhe apontou. O assento parecia ter espinhos e não conseguia parar quieto. Ouviu o delegado dizer:
– O que o deixa tão inquieto doutor?
– Estou com uma dor incômoda na coluna e isso me faz procurar uma posição melhor.
– Sei como é isso.
– Preciso procurar um médico na semana que vem. Isso está me deixando maluco. Pior que tenho uma montanha de processos para atender e não sobra tempo para cuidar da saúde.
– Mas se não se cuidar, vai chegar uma hora em que não terá mais condições de levantar. Tem que se tratar. 
Nisso o agente veio até a porta e faz sinal ao delegado. Os depoimentos estavam tomados e devidamente assinados pelos dois detidos. Agora haviam sido colocados na mesma sala e tinham se lançado olhares furiosos mutuamente. Sinal de que se sentiam traídos pelo companheiro.
O advogado foi levado à presença dos dois e passaram a conversar sigilosamente. Ao ouvir a troca de acusações entre eles viu que chegara tarde. Nada mais poderia fazer. Tanto os dois como o fazendeiro estavam mais enrolados que novelo de linha. Determinou aos dois que não falassem mais nada sem a sua presença. O estragon feito já era grande o suficiente. Não precisariam dizer mais uma palavra para complicar. Falou-lhes que teriam que aguardar para ver se conseguiria encontrar uma maneira de eles responderem ao processo em liberdade. Não sabiam ainda que o coronel Onofre nada sofrera além de uma perfuração dos músculos da perna e já estava em casa. Se ele tivesse ido a óbito, o problema ficaria muito maior. O envolvimento de Jerônimo com o atentado, complicava tudo. O processo do litígio da divisa estava para ser julgado e provavelmente o delegado informaria ao juiz sobre o caso, quando desse entrada no habeas corpus. A chance de êxito era minima.
Voltou para casa e comunicou ao cliente tudo o que havia ocorrido. Determinou que ele voltasse para casa e não andasse por aí, sem ser chamado. Qualquer coisa seria motivo para sua prisão. Se o procurassem em casa, deveria ficar oculto, deixando o automóvel em algum lugar for a de vista. Enquanto isso tentaria manobrar, mexer os pauzinhos, para conseguir livrá-lo da cadeia antes do julgamento. Mandaria notícias assim que pudesse.
Jerônimo obedeceu e voltou para casa. Ia se recriminando pela sua imbecilidade em se deixar levar pelos sentimentos de vingança. Se tivesse mantido a cabeça fria, estaria agora perto de infligir uma derrota ao vizinho, como o doutor Estevão lhe garantira.
Agora não restava alternativa. Teria que aceitar que estava em dificuldades e não agravar mais a situação.

 

Comments (2)

Leave a Reply to Décio Adams Cancelar resposta

Scroll to Top