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Mineiro sovina! – Capítulo V

 

     O primeiro cliente
Na manhã seguinte, estava lá o Dr. José. Ansioso por receber o primeiro cliente importante. O Cel. Onofre veio acompanhado da filha. Quando deitou os olhos na donzela, teve que fazer um grande esforço para manter a calma. Ficou violentamente impressionado com a beleza da jovem. Tinha a pele branca, mas de um branco sedoso. Cabelos negros e longos, quase chegando a cintura, emolduravam o rosto de traços delicados, no qual brilhava um par de olhos verdes como nunca vira. Levava no dedo um anel de formatura do curso de magistério que concluira no ano precedente. Se iria exercer a profissão era outra questão, mas causava boa impressão na época ser professor formada.
Tão logo Roberta anunciou a presença do coronel, José foi pessoalmente até a porta para convidar o cliente a entrar no gabinete.
          Tenha a bondade coronel. Vamos entrando. A senhorita quer acompanhar seu pai? – indagou à filha.
          Vou sim. Papai as vezes tem dificuldades de se expressar e preciso ajudar nos momentos de dificuldades.
          Por favor, sentem-se.
A porta foi fechada e todos se sentaram. Dr. José em sua poltrona giratória atrás da ampla escrivaninha, o coronel e a filha em confortáveis poltronas colocadas lateralmente em frente.
          Em primeiro lugar, coronel, quero desejar boas vindas à nossa empresa de advocacia. Em que podemos servi-lo, coronel?
          Buenos dias, doutor. Estou tendo umas pinimbas com um vizinho.
          Por causa de que o senhor se desentendeu com o vizinho?
          Por mode um zóio d’água, que tem nas minha terra, quase na divisa com as dele.
          E o que aconteceu.
          Em dantes, nos tempo do pai dele, nois fizemo a demarcação e ficou tudo certo. Agora, duns tempo pra cá, ele cismou de que aquela água faz parte as terra dele e mudou a cerca de lugar. Para isso ele cortou mais de cinquenta pé di café meu.
          Mas ao menos tentou negociar com o senhor o uso da água?
          Aquilo negocia! É mais arrogante e teimoso qui mula empacada.
          A demarcação que vocês fizeram no tempo do pai dele está guardada, registrada, tudo como manda a lei?
          Fia! Pega aí na sua pasta o paper e mostra pro doutor.
A moça pegou o document e entregou a Dr. José. O document realmente mostrava claramente a localização da vertente e o lugar da divisa. Era claro que pertencia ao coronel Onofre a água. Isso não impediria um entendimento de uso do recurso hídrico pelo vizinho, mas demandaria concordância de ambas as partes o detalhamento desse uso.
          Pelo que mostra esse documento, a vertente se encontra na sua propriedade. O vizinho não pode fazer a mudança de cerca sem mais nem menos.
          Uai! I eu ia reclamar sem razão! Tivesse vindo cunversá igual gente, nóis ia si intende com certeza. Mas cortá assim cinquenta pé de café produzindo, carregadinho que é coisa linda. Vai ficá sim troco é nunca.
          O senhor tem plena razão, coronel. Nós vamos encaminhar o processo de reintegração de posse da área que ele invadiu de sua propriedade, além de outro pedindo indenização do prejuizo causado.
          Mais num dá pra fazê tudo ni um processo só? Com dois o custo é maio.
          Eu entendo coronel sua preocupação com os custos. Mas faremos uma composição para que o custo não seja nada além do razoável. Por outro lado, se o vizinho for condenado, também terá que arcar com as custas do processo e o senhor não terá despesa alguma.
          Pode cobra em dobro dele e passa metade para mim, só para ensiná esse coisa ruim.
          Existem limites estabelecidos para cobrar honorários e isso não pode ser feito. Mas sua indenização será justa pode ter certeza.
          Qui é qui temo qui faze pra mode entrar com os tais de processos?
          Vamos começar por uma procuração que o senhor vai assinar para que o escritório, representado por mim ou outro advogado possa questionar judicialmente seu vizinho. Também precisamos fazer umas cópias dos documentos. Se o senhor tiver tudo aí, eu peço à secretária para providenciar as cópias e também do modelo da procuração.
Os documentos foram apresentados e um minuto depois eram entregues à Roberta para providenciar as cópias que deveriam ficar anexas ao processo. Dr. José redigiu rapidamente uma declaração que seria datilografada e depois assinada por coronel Onofre, relatando o ocorrido em sua propriedade, motivando a petição judicial contra o vizinho. Enquanto escrevia conversava com o coronel.
Quando Roberta voltou com as cópias, recebeu o rascunho da declaração para ser datilografada. Saiu e foi providenciar o que estava sendo solicitado por seu chefe. José conferiu as cópias, apôs em cada uma delas um carimbo e uma rúbrica atestando a autenticidade das mesmas. Depois devolveu os originais à jovem sentada ali, em silêncio absolute até o presente momento. Ao receber os documentos os seus dedos esbarraram de leve na mão de José. Imediatamente sua tez se tingiu de rubro, tamanha era sua timidez.
Combinaram a forma de cálculo das custas e a época dos pagamentos. Na opinião de José, seria importante poder ver in loco as causas do descontentamento do cliente. Assim poderia formular melhor as petições ao juiz. Sugeriu uma visita à propriedade no dia mais adequado. Levaria uma camera fotográfica para tirar uns instantâneos para colocar anexos ao processo. Uma fotografia era mais eloquente que um desenho, um mapa.
            – Le aguardo lá na fazenda para o almoço de domingo, douto. Mió vim um poco mais cedo, mode nóis oia o lugar antes de cumê. Num fica longe. Se quisé, mando o motorista le apanhá lá pelas oito e meia.
            – Não será necessário. Vou no automóvel do meu pai. Ele quase nunca usa mesmo. Vai ser bom andar com ele, caso contrário vai acabar ficando enferrujado por falta de usar. Pode me esperar que apareço por lá. Já tenho anotado o endereço e conheço bem a região. Fica perto dos lagos.
            – Isso memo. Ficamo cumbinado doutô. Vou pedir pra patroa caprichar na bóia. Ela tem mão boa nos tempero.
            – Vou providenciar a preparação dos processos. Domingo faço as fotografias. Semana que vem revelo, anexo e encaminho. Em um mês ou dois vamos ter a primeira audiência.
            – Ma I demora tanto ansim? Mia nossa Sinhora! Qui coisa mais demorada essa nossa justiça.
            – Infelizmente coronel. Os juízes são poucos e estão sobrecarregados. Por isso a demora. Depois tem uns trâmites que não podem deixar de ser cumpridos; prazos legais e tal.
            – A lei protegendo os safado! Mas qui é qui si vai faze? Prazê em li cunhece, douto.
            – O prazer foi meu, coronel. Até logo senhorita!
            – Até, doutor. Vamos lhe aguardar domingo.
            – Sem dúvida. Não vou faltar.  
            Após a saída dos dois, Roberta comentou:
            – Tem um coração que balançou, aliás está balançando até agora.
            – Por que você diz isso?
            – Não pensa que sou cego. Vi muito bem como ficou quando a moça lhe estendeu a mão. Você quase desmaiou. Acho que ela também percebeu. Mas não disse nada, ela é realmente muito bonita. Demonstra que você tem bom gosto.
– Você andou vendo coisas. Não aconteceu nada demais. O pai dela é um cliente importante.
– Muito conveniente fazer uma visita à fazenda. Ocasião propícia para rever a moça, quem sabe, pedir ao pai para namorar com ela?
– Que imaginação fértil você tem, Roberta. Vai devagar. Quem cuida de minha vida sou eu. Não posso me expor a perder um cliente importante com leviandades.
            – Desculpe a indiscrição. Não é da minha conta cuidar dos seus sentimentos. Devo me ater a realizar o meu trabalho.
– Então vamos a ele. Temos vários processos para terminar. Vou dar entrada neles amanhã cedo no distribuidor.
– Verifiquei sua agenda e devo lembrar que não pode esquecer da audiência amanhã a tarde na vara de família.
            – É mesmo! Preciso ultimar alguns detalhes do processo. Vamos começar por ele agora mesmo. Depois terminaremos a montagem dos outros cinco processos em que estamos trabalhando desde a semana passada.
            Ocupados com o trabalho, não viram o tempo passar e logo estavam voltando para casa. O Dr. José, ainda ficou um pouco mais, estudando a legislação específica aplicada no processo de guarda dos filhos de um casal que havia se desquitado. Não haviam ainda chegado a um acordo aceitável no que tange à guarda dos filhos. Era a sua primeira audiência e queria estar em condições de apresentar uma boa defesa dos argumentos de seu cliente. Este reclamava do não cumprimento dos dias de visita aos filhos que haviam sido estabelecidos por ocasião da homologação do desquite.
            O resto da semana passou rápido, entre audiências, entrevistas com clientes, intermediação de acordos entre partes litigantes, redação de pareceres, estudo de casos semelhantes aos que tinha em mãos no momento. Era necessário estar sempre atualizado com a jurisprudência, as novas leis e decretos que eram promulgadas diariamente. Não tinha quase nenhum tempo para sequer conversar com o pai, a mãe e sua irmã. Teria que organizar suas atividades para fazer frente ao volume de tarefas que surgiam a cada dia.
            Conversou com o pai sobre a utilização do automóvel no domingo, para visitar o cliente fazendeiro. Em nenhum momento, deixou transparecer a paixão à primeira vista pela filha do coronel. Só iria falar a respeito disso com a família, se fosse bem sucedido com o que tinha em mente, no decurso da visita que faria à fazenda. Fizeram uma revisão no veículo, mandaram lavar e polir. Coisas aliás de que ele andava precisando.

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