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Novidades acontecem.
O primeiro dia da nova semana de começava, amanheceu com o céu limpo. Logo os primeiros raios de sol riscaram o céu, deixando em sua passagem o traçado gravado nas muitas partículas de água que ainda havia em suspensão na atmosfera. Todo povo estava levantando do leito, após um dia de descanso e uma noite de sono reparador. Em toda parte, chaminés rústicas emitiam pequenas nuvens de fumaça do fogo que aquecia os alimentos da refeição matinal nas casas. Sock e os filhos maiores preparavam-se para enfrentar mais um dia de trabalho. No período de descanso, havia adentrado ao porto um navio dos grandes. Era talvez o maior barco já visto por essas paragens. Trazia uma variedade de mercadorias trazidas de portos distantes. Além de descarregar parte de sua carga, iria levar um bom lote das mercadorias estocadas nos depósitos. Teriam trabalho em quantidade significativa.
Logo também os discípulos das lições de escrita e leitura, começaram a percorrer as vielas, demandando a sala onde as reuniões ocorriam. Minck estava radiante com a nova posição que ocuparia na escola. Por outro lado, estava apreensivo com a responsabilidade. Qual seria a reação das pessoas? Não pensariam que ele, na qualidade de filho do hospedeiro temporário do mestre, estava tirando vantagem da situação? Por fim lembrou das palavras de Arki. Ele estava destinado a ser o líder de um grande grupo de pessoas, especialmente preparadas, para uma tarefa em outro planeta. Era, pois, mister enfrentar, desde já, os desafios que lhe eram propostos. Entre as qualidades requeridas para o lugar que iria ocupar, estava sem dúvida, a humildade e mansidão, sem deixar de ser firme e decidido. Se o planeta a ser repovoado havia sido devastado por divergências entre os governantes, ele deveria dar início a uma forma de organização baseada na harmonia, na fraternidade. Precisaria ser capaz de gerir os grupos em seus relacionamentos, de modo a encaminhar tudo da melhor forma possível.
Ao chegarem à sala, logo os discípulos estavam fazendo perguntas diversas. Dúvidas, surgidas no decorrer do dia de descanso, tiveram que ser esclarecidas. Havia mais pessoas interessadas em aprender e lhes foi dito que haveria uma possibilidade, desde que o Senhor Sporg cedesse a outra sala existente ao lado. Não demorou e surgiu a pergunta:
– Havia aparecido novo mestre?
– Haverá assistentes, saídos do meio de vocês e que alcançarem melhor desempenho. Eu supervisionarei o andamento das lições.
Olhares indagadores foram dirigidos para todos os lados, tentando identificar quem seriam os assistentes. Além de Minck, havia uma menina que tinha facilidade de aprender. Também tinha avançado bastante na aprendizagem por sua própria conta. Mesmo tendo identificado logo os tais assistentes, ninguém disse nada. Estavam conscientes de suas próprias dificuldades e não se sentiam diminuídos por isso. Um dia também alcançariam a proficiência, ou teriam domínio suficiente da arte da escrita, para desempenhar funções de destaque na sociedade. Isso já era suficientemente alentador. Por muito tempo as pessoas de menor poder aquisitivo, haviam ansiado por uma oportunidade como essa. Agora ela lhes era oferecida de modo inesperado. Não podiam deixar passar a ocasião. O mestre poderia decidir, de um dia para outro, continuar suas peregrinações e ficariam novamente na esperança.
Depois de sanar as dúvidas, houve continuidade das lições. Mais novos símbolos foram aprendidos, depois de relembrar os vistos na primeira semana. De posse de mais de trinta deles, era possível formar uma boa variedade de palavras, de modo a estabelecer pequenos diálogos, de frases curtas. Foi o momento de gloria para os aprendizes. Há pouco mais de uma semana não passavam de absolutos ignorantes na arte e agora eram capazes de escrever algumas palavras, formar pequenas frases. Foi nesse clima que deixaram a sala, para retornar aos seus lares. Levavam para fazer em casa uma tarefa pensada para fixar melhor o que haviam aprendido até aquele momento.
No meio da manhã o Senhor Sporg aparecera na sala e Zósteles indagara sobre a disponibilidade de outra sala. Prontamente o bom homem concordou. Quis saber quem se encarregaria das lições nas novas turmas e foi informado da presença de dois discípulos excepcionais naquela turma da manhã. Seriam colocados como assistentes, ficando para o mestre a supervisão do trabalho. Seria preciso chamar novamente o marceneiro para providenciar mesas, bancos, fazer pequenos reparos nas paredes, janelas e portas. O homem ficou contente com mais essa incumbência. Em poucos dias tivera mais trabalho para executar do que em vários meses anteriores. A continuar dessa maneira, a situação de sua própria casa acabaria também melhorando. Sempre era necessário adquirir o material para executar qualquer melhoramento ou reparo numa moradia.
Naquela tarde mesmo, começaram os trabalhos na sala ao lado. Enquanto Minck se encarregava de acompanhar os exercícios dos colegas da turma vespertina, Zósteles dava as orientações ao mestre marceneiro. Tinha em mente algumas alterações nos móveis, visando um maior conforto aos discípulos durante as lições. Mais tarde isso seria introduzido também na primeira sala. Quando a tarde ia ao meio, ouviu-se bater palmas diante da porta da sala. Minck, a mando de Zósteles, foi ver do que se tratava. Ao abrir a porta, deu com a presença de um homem, vestido em trajes estranhos, totalmente desconhecido nessa redondeza. Sem perda de tempo foi perguntando:
– Aqui está funcionando a escola de Mestre Zósteles, o filósofo?
– Sim, Senhor. O Senhor o conhece?
– Me falaram na entrada da aldeia, onde pedi informações.
Falava com alguma dificuldade a língua, deixando claro tratar-se de um estrangeiro. O que não era possível saber, era de onde vinha. Logo Minck lembrou novamente das palavras de Arki. Deveria ficar atento a novidades que poderiam ocorrer no decorrer do tempo. Ficou curioso por saber qual seria a ocupação do homem. Nesse momento o mestre chegou até a porta, para ver quem estava ali, indagando de sua pessoa. Pediu:
– Minck, tome conta das lições por um momento. Vou conversar com nosso visitante.
– Mestre Zósteles, – falou o estranho. – Eu sou de longe. Venho do Japão, onde pertenci à classe dos Samurais. Não pude mais aceitar algumas regras que foram criadas para serem obedecidas cegamente pelos membros da classe. Havia duas opções. Ou eu cometia suicídio ou seria banido do país para nunca mais voltar.
– Suicídio, para obedecer à uma regra?
– Quem determina isso é o Suserano, ao qual o Samurai é submisso como vassalo. Por um motivo qualquer, o Suserano pode decidir que o vassalo deve cometer suicídio e ele é obrigado a obedecer. Decidi que isso não era correto e parti, sem olhar para trás. Deixei minha família, pai, mãe, irmãos e irmãs. Estava sabendo que meu Suserano tramava uma forma de me obrigar ao suicídio e julguei que isso era injusto.
– Pelo que eu deduzo, você é um guerreiro treinado. Não sei se isso vai ser útil aqui na aldeia, mas talvez possamos usar seus conhecimentos de combate, de forma não letal. Teremos que conversar com mais vagar sobre isso. No momento estou em meio a uma lição de escrita e leitura. Também cheguei há poucos dias, depois de uma longa peregrinação.
– Então somos ambos estrangeiros. Estranha coincidência. Senti uma espécie de força me conduzindo para esse lugar. Apesar da pequena importância da aldeia, sinto uma estranha sensação de paz e bem-estar.
– Há desígnios superiores conspirando por nossa presença nesse lugar. Por isso creio que será muito útil sua capacidade de luta, desde que seja sem uso de armas propriamente.
– No treinamento que recebemos desde criança, aprendemos o combate com as mãos limpas. Há como dominar qualquer adversário, usando apenas a habilidade com as mãos e pés.
– Tem onde ficar?
– Não encontrei nenhuma estalagem. Indaguei na vinda para cá e não encontrei nada. Vou encontrar um lugar em alguma gruta, ou mesmo ao relento para passar a noite. Venho fazendo isso há longo tempo, desde que deixei meu país.
– Creio ser conveniente que um dos meus discípulos o acompanhe até ao vendedor de tecidos. Se estiver vestido de forma mais adequada, não dará tanto na vista. Esses trajes em mau estado, com as armas que leva, não fazem a melhor impressão nas pessoas.
– Mas não disponho de dinheiro algum. Como posso comprar alguma coisa?
– Eu já disponho de algum recurso e tenho crédito com o dono da casa de roupas. O discípulo que lhe atendeu ao chegar, poderá acompanha-lo. Espere apenas um momento.
Chamou Minck e lhe disse o que desejava que fosse feito. Prontamente o menino se dispôs a servir de guia ao estranho. Disse adeus ao mestre e falou:
– Podemos ir Senhor. Como devo chama-lo? Deve ter um nome, penso eu.
– Eu sou Iagushi Tomishi, ao seu dispor.
– Vamos Senhor Iagushi Tomishi. Por aqui. Eu sou Minck, filho de Sock. Meu pai é chefe dos trabalhadores do porto.
– Será um prazer, amigo Minck. Vou ficar eternamente grato a vocês pela acolhida calorosa.
Enquanto caminhavam, Minck começou a pensar nas palavras que ouvira o mestre falar, embora não tivesse ouvido tudo. Era um estranho par. Minck com seu traje típico da região, tendo ao lado um guerreiro, com uma longa espada colocada em sua bainha, presa por uma correia às suas costas. Na cintura levava, presa a um cinto, uma adaga com o cabo finamente trabalhado, também colocada em uma bainha combinando. Pensou nas palavras do anjo Arki. Não entendia como esse estranho se enquadraria no grupo. Não havia sido mencionado o uso de armas pelo grupo que se pretendia preparar. Haveria certamente uma alternativa. As pessoas que encontravam pela rua e outras que observavam das portas de suas casas, ficavam pasmadas com a estranha companhia do menino.
Há poucos dias era visto quase sempre em companhia do mestre, o filósofo. Agora seguia ao lado de um guerreiro, o que ficava evidente das armas que o mesmo carregava presas ao corpo. Uma sucessão de estranhos acontecimentos estava em curso na aldeia. A curiosidade atiçou a imaginação de muita gente. Começaram a tecer os mais estranhos comentários. Agora parecia que o filho do chefe dos trabalhadores do porto, além de ser discípulo destacado, também estaria envolvido com lutas. Estaria em curso a preparação de um futuro comandante de forças armadas, encarregadas de grandes feitos. As mentes mais engenhosas logo criaram um exército, tendo no comando um jovem general, conquistando cidades vizinhas no começo e por último as mais distantes, transformando a pequena aldeia, na capital de um grande império. Outros diziam que isso era apenas uma forma de ostentação e não resultaria em nada. Logo tudo voltaria à antiga situação.
Nisso Minck e seu acompanhante chegaram à casa do comerciante de tecidos. O mesmo levou um susto, diante da estranha figura. Não eram somente as armas que levava de modo ostensivo, mas o estado de seus trajes. As longas caminhadas, atravessando territórios hostis, enfrentando os mais graves perigos. Sofrendo privações diversas, que lhe haviam marcado o corpo, deixando à mostra as juntas e alguns ossos sob a pele. Mesmo assim, dispunha de vigor invejável. Dificilmente haveria em grande região das redondezas alguém capaz de enfrentar o guerreiro em um combate direto. Minck disse ao seu conhecido, senhor Stock:
– O Senhor Iagushi Tomishi é um valente Samurai, vindo até nós do império do Japão. Caminhou muito, enfrentou diversos perigos. Seus trajes estão em mau estado. O mestre Zósteles pediu que o senhor lhe venda um traje mais apropriado, para que ele possa se apresentar à população.
– Eu estou vendo que ele deve ter passado por muitas situações difíceis. Mas eu não tenho esse tipo de traje. Posso lhe fornecer apenas o que usamos aqui na região.
– Não tem problema, Senhor Stock. Eu vou me acostumar a usar os trajes da região. Assim chamo menos a atenção.
– Essas suas armas aparecem de longe. Não vai conseguir passar despercebido de maneira alguma.
– Depois eu vou pensar nisso. Estou acostumado a carregar as armas desde muito jovem. Mas terei que me acostumar a deixa-las guardadas.
Sem demora o novo amigo de Minck estava vestido com um manto e demais peças de vestuário. Sentiu-se estranho naqueles trajes, mas faria um esforço para se habituar. Não iria querer ser apontado como um estranho por todos os moradores da aldeia. Quanto antes se integrasse à comunidade, melhor seria. Depois de escolher mais um outro conjunto de peças para usar quando essa ficasse suja e precisasse ser lavada, Iagushi perguntou:
– Quanto custa tudo isso?
O senhor Stock falou e ele fez um esforço para gravar o montante, bem como registrou em sua mente treinada, seu compromisso de saldar o débito, na primeira ocasião que tivesse. Depois de se vestir e enrolar seu traje antigo, totalmente deteriorado, voltaram para a escola. Lá chegando encontraram Zósteles na tarefa de fechar a sala. Os discípulos iam a caminho de suas casas. Ao ver os dois, no primeiro momento não reconheceu Iagushi. Foram suas armas que lhe deram a informação necessária para identificar a figura. Estava agora em melhor estado de apresentação.
– Ficou mais apresentável agora, amigo Iagushi. Vai levar algum tempo até se acostumar aos novos trajes.
– Isso está na natureza das coisas. Somos obrigados, a todo momento, a fazer adaptações. É só mais uma ao longo da vida.
– É ótimo que encare isso dessa forma positiva. Não irá sofrer tanto como poderia ser esperado.
– Onde poderei passar a noite? Existe algum lugar que eu não tenha visto e que ofereça hospedagem?
– Vamos até onde me hospedo. Depois falaremos sobre o lugar para morar. Eu também estou procurando um lugar para morar. Por enquanto sou hóspede na casa do Minck, que já conhece.
– Um menino desenvolto. Muito despachado para sua idade.
– Ele é de uma inteligência excepcional. Ainda terá oportunidade de conhece-lo melhor.
Seguiram os três em alegre palestra, causando curiosidade por onde passavam. Ao chegarem a casa, Sock e os filhos já haviam retornado do trabalho. Foram olhados com curiosidade e um pouco de receio. Mas, estando em animada palestra, tudo foi tomado de modo mais natural. Minck se encarregou de apresentar o novo membro de seu rol de amigos. Logo foi ouvido:
– Sendo amigo de meu filho e de mestre Zósteles, também é nosso amigo. Seja bem-vindo, Senhor Iagushi Tomishi. Então o vem do reino do Japão. Outro dia passou no porto um navio que seguia para lá em suas viagens pelos mares sem fim.
– Eu estou há meses caminhando. Em muitos lugares fui mal recebido e tive que partir sem demora, sob pena de ser aprisionado se insistisse em ficar. Dessa forma acabei vindo parar aqui.
– Está parecendo que nossa pequena aldeia irá passar por várias transformações. A poucos dias chegou mestre Zósteles, o porto foi atacado por piratas que conseguimos derrotar, navios grandes passaram a aportar. Isso está gerando várias mudanças.
– Estou à disposição para ajudar no que estiver em minhas forças.
– Amigo Sock. Eu estou pensando em encontrar uma casinha para morar. Creio que poderemos nos unir, eu e Iagushi. Ele diz dominar a arte de lutas com as mãos limpas. Penso que isso seria importante para a população da aldeia. Não parece ser parte da vocação do lugar a violência. Por isso, lutar com o uso das mãos e pés, poderá servir para a defesa em caso de necessidades.
– Nós sempre nos defendemos como sabíamos. É claro que, se tivermos alguém para nos ensinar a lutar com as mãos, sem usar armas, teremos um trunfo importante a nosso favor. Creio que sei onde poderá conseguir uma moradia. O chefe do porto é dono de uma casinha onde morava um seu parente, mas ele partiu faz alguns meses.
– Vamos ver isso amanhã, amigo Sock. Poderemos acomodar o Senhor Iagushi por uma noite?
– Daremos um jeito nisso. Temos algumas esteiras e mantas que poderão servir. Isso se o amigo não se importar.
– Passei meses dormindo em grutas, sob as árvores e mesmo sob a luz das estrelas. Portanto não vou me importar de dormir sobre uma esteira, ao abrigo do tempo.
– Vou lhe apresentar minha esposa e o resto da família.
Chamou Muhn, os filhos e filhas, apresentando-os um a um. As jovens olharam com curiosidade para o estranho. Song sentiu imediatamente um estranho calor no corpo. Disfarçou como pode, para não dar na vista. Nunca sentira nada igual diante de um exemplar do sexo masculino. Era incrível como ele era bonito, apesar da magreza do corpo, certamente devida às peripécias enfrentadas no caminho. Os vizinhos acharam estranha a presença de mais um homem na casa, ainda mais com aquelas armas levadas de modo bem visível. Não estavam habituados a essas coisas.
Alguns cochichos tiveram lugar nas redondezas. Todos estavam curiosos por indagar o significado dessa novidade. Mas não tiveram ânimo para perguntar nada. Esperariam pelo desenrolar dos acontecimentos. Afinal a casa de Sock estava sendo o centro de vários acontecimentos diferentes nas últimas semanas. A noite caiu e com a escuridão, a curiosidade das pessoas ficou adiada para o dia seguinte. Com mais um habitante na casa, o volume de alimentos para a refeição, precisou ser aumentado. Iagushi estava faminto e se controlou para não exagerar na quantidade de alimentos ingeridos. Mesmo assim, não deixou de ser generoso com as porções que serviu de tudo que lhe foi oferecido. Muhn preparou um local no canto da sala de refeições, onde colocou uma esteira bastante grande, colocou uma almofada para apoiar a cabeça, bem como também uma manta que agasalharia contra o frio que começava a se fazer sentir.
Os irmãos maiores de Minck estavam entusiasmados com a possibilidade de também participar de treinamentos em técnicas de defesa pessoal. Nunca se sabia quando seria necessário defender-se de um ataque de surpresa. O fato de, em geral, não portarem armas, tornava tal fato mais relevante. Iagushi falou que o treinamento seria árduo e demorado. Em geral os grandes guerreiros iniciavam os treinamentos ainda crianças, o que os tornava mais flexíveis e ágeis, permitindo um desempenho mais satisfatório. Mesmo assim, com muita dedicação, quem já tinha mais idade, podia alcançar um bom nível nas artes da defesa, com as mãos limpas. Sock prometeu conversar com o chefe do porto sobre o assunto. Talvez houvesse interesse em realizar treinamentos com os trabalhadores que tivessem disposição para isso. Frequentemente corriam o risco de ataques e dispor de um grupo de lutadores treinados, poderia ser fundamental.
O recém-chegado, ficou grato por tamanho empenho de parte de pessoas da aldeia. Em lugar algum tinha recebido acolhimento semelhante. Todos o olhavam com desconfiança, quando não desprezo. Pelos trajes e armas que portava, o identificavam em grande parte, nas regiões mais próximas da pátria. Sua condição de samurai suscitava temores de tratar-se de um espião, buscando informações sobre alguma fraqueza nas defesas locais. Dessa forma acabava enxotado, ou ameaçado de prisão e mesmo morte. Isso o havia levado para sempre mais longe. Ao penetrar no perímetro da aldeia, temera ser novamente rechaçado. No entanto fora recebido amistosamente e acabava de jantar na casa de uma família tradicional.
Até mesmo estava em vias de encaminhar uma forma de ganhar seu sustento, usando sua habilidade em lutas corporais, sem uso de armas. No íntimo agradecia aos deuses pela exigência dos mestres que haviam lhe incutido, com muita insistência, o aprendizado dessas artes. Agora iria ver a utilidade de tudo isso. Ao deitar-se no lugar que lhe fora destinado, sentiu o conforto de dormir, pela primeira vez, depois de muitas noites, num lugar seco e seguro. Ao amanhecer, ainda estava levemente sonolento. Era efeito da refeição farta e de uma noite de sono tranquilo. Aos poucos emergiu do mundo dos sonhos e levantou-se, vendo que a família já estava se preparando para a primeira refeição. Apressou-se a ir até o recipiente com água, lavou-se esfregando vigorosamente a pele do rosto, mãos e braços. Enxugou-se com um pano que lhe foi oferecido.
Pouco depois participava da refeição matinal da família. Logo depois, sentindo-se pronto a enfrentar com disposição o dia que tinha pela frente, saiu para a luz do dia que acabara de surgir. Cada um se preparou para o trabalho. Sock convidou Iagushi a acompanha-lo até o porto. Tinha como quase certo que ali haveria espaço e pessoas para desenvolver sessões de treinamento em defesa pessoal. Era apenas questão de apresentar o assunto de maneira adequada ao chefe do porto. Seria dele a decisão final, a determinação de onde e quando poderiam dispor de um espaço para os treinos.
Um alegre grupo seguir até o porto, dessa vez aumentado com mais um integrante. Por sugestão de Sock, Iagushi havia deixado suas armas guardadas. Nada tinha a temer. Ninguém na aldeia portava armas no caminho do trabalho, salvo uma ou outra faca destinada a ser usada no próprio trabalho. Ao chegarem na administração do porto, sendo que os filhos foram para a área de trabalho, Sock levou Iagushi à presença de seu chefe. Ao ver o estranho, o Senhor Agik, chefe geral do porto, pensou tratar-se de um novo trabalhador e falou:
– No momento não temos vagas. Pensei que o Senhor soubesse disso, Sock.
– Não se trata de um candidato a trabalhador no porto. Esse é o Senhor Iagushi Tomishi. Ele é um ex-samurai do império do Japão. Partiu de sua terra por discordar de algumas coisas que lhe pareceram injustas nas regras das relações dos Suseranos com seus vassalos, os samurais. Ele pode treinar homens para a defesa pessoal, sem uso de armas. Pensei que poderia interessar ao porto dispor de um grupo com essa habilidade.
– Como posso ter certeza de que ele realmente entende disso?
– Podemos chamar uns homens e ele faz uma demonstração. Isso seria suficiente, Senhor Agik?
– Creio que sim. Mande chamar uns três homens lá do setor de carga. Escolha os mais fortes, – ordenou ao auxiliar que estava ali à sua disposição.
– Vai ser preciso de um espaço mais amplo para não causar problemas com os utensílios, nem ferir ninguém. Não é essa a finalidade.
– Podemos descer ao pátio ou dentro da área do depósito. Vamos até lá.
Saíram e encontraram o auxiliar acompanhado de três homens, um pouco temerosos. Não sabiam a quem iriam enfrentar. Não era nada agradável levar uns tombos ou uns golpes de um lutador experimentado. Agik falou:
– Vamos lá para dentro. Os demais poderão assistir e dar sua opinião. Assim já vamos decidir se vamos ter essa forma de defesa aqui no porto.
Foram até o local escolhido. Os demais trabalhadores pararam com sua atividade e formaram um grande círculo. Ninguém queria perder o espetáculo. Havia quem apostasse que o estranho levaria a pior, outros diziam o contrário. Algumas apostas foram feitas e os valores apostados, colocados nas mãos de um colega de confiança. Agik falou:
– Temos aqui o senhor…Iagushi Tomishi. Ele se propõe ensinar, a quem quiser, a arte de se defender com as mãos desarmadas. Ele fará uma demonstração. Aqui temos três colegas de vocês, entre os mais fortes do grupo. Se ele vencer e conseguir enfrentar aos três um a um e depois ao mesmo tempo, vou criar um lugar para os treinamentos. Haverá uma seleção dos que irão participar, pelo menos no primeiro momento.
Iagushi se preparou por um longo momento, concentrando-se, antes de iniciar a demonstração. O primeiro avançou, tentou agarrar o samurai, mas este se esquivou e lhe aplicou um leve golpe de mão. O resultado foi que ele se estatelou no chão, como se tivesse sido atingido por um potente soco na nuca. Depois de alguns instantes, levantou-se e quis investir novamente. Nova esquiva e outro golpe, dessa vez na altura dos rins, que o fez cair de joelhos e se dobrar sobre sim. Depois desabou pesadamente, ficando se contorcendo no chão.
Um coro de assobios ecoou no ambiente. Foi a vez do segundo, mas antes o que estava caído, foi ajudado a levantar-se. Verificaram que não estava ferido. Apenas o golpe fizera-o sentir uma dor momentânea e paralisante. Não pudera se manter em pé e estava até o momento tentando entender o que acontecera. Sequer conseguira relar a mão no estranho. O segundo não teve sorte muito melhor. Alertado pelo destino do primeiro, não investiu imediatamente. Ficou girando ao redor, apenas fazendo ameaças de investir contra o estranho. Numa dessas ameaças, a mão de Iagushi, veloz como um raio segurou a mão do oponente, puxou-o para si e lhe aplicou um golpe com o joelho. O homem girou no ar e caiu sentado atordoado. Alguns segundos depois, levantou-se e fez nova tentativa. Tinha certeza de que agora conseguiria seu objetivo. Queria derrubar o oponente. Ficou alguns segundos girando e saltitando de um lado para o outro.
Ao menos esperar, Iagushi saltou para junto dele e o imobilizou com uma fulminante chave de braços. Usando o joelho esquerdo completou o processo, deixando o homem sem possibilidade de reação. Depois de alguns segundos imobilizado, o golpe foi desfeito e o homem saiu cambaleando. Os circundantes estavam simplesmente boquiabertos. O estranho tinha uma velocidade inacreditável. Era impossível acompanhar o movimento de suas mãos e pernas. Os que haviam apostado na sua derrota, começaram a sentir que haviam perdido sua aposta. Tinham apostado na certeza de ganhar algum dinheiro sem esforço. Estavam vendo o seu dinheiro ir parar na mão do colega com quem haviam apostado.
Foi o momento de o terceiro homem, o mais forte dos três e conhecido por sua habilidade com as mãos. Sua agilidade era notável. No entanto, diante das demonstrações precedentes, todos começavam a duvidar de que ele tivesse alguma chance de vencer. Na primeira tentativa, ele conseguiu segurar uma das mãos de Iagushi e tentou aplicar um golpe com a perna. Com um hábil salto para o lado, conseguiu escapar da perna do homem e lhe torceu o braço, fazendo-o cair de bruços. Ainda mantendo o braço torcido, colocou o joelho direito sobre as costas do oponente e o manteve assim imobilizado. No momento em que viu ser impossível escapar do golpe, o homem bateu no chão com a mão livre e foi solto.
Uma estrondosa salva de palmas ecoou pelo recinto. Agik se aproximou e estendeu a mão ao estranho. Disse:
– Minhas congratulações. O senhor realmente sabe o que fazer com um adversário. Poderá ensinar coisas valiosas aos meus homens. Vamos ver se os homens aprovam sua habilidade.
Perguntou em seguida ao grupo de trabalhadores:
– O que vocês acham das habilidades do Senhor Iagushi?
Os três homens derrotados foram os porta vozes dos colegas, especialmente o último, ainda zonzo do golpe recebido, falou:
– Ele é rápido como o próprio raio e garanto que saberá nos ensinar muita coisa. Não sei se seremos capazes de aprender metade do que ele sabe em assunto de luta com as mãos.
– Nunca vi nada igual nessa minha vida, Senhor Agik. Ele é um grande lutador, – disse o segundo.
– Concordo com meus amigos, – falou o terceiro.
Na sequência um alarido ensurdecedor se fez ouvir. Todos queriam falar ao mesmo tempo. Sock levantou a voz e disse:
– Vamos fazer silêncio, homens. O Senhor Agik quer saber quem se candidata a ser treinado pelo Senhor Iagushi. Vamos, levantem a mão e iremos selecionar os mais jovens. Eles têm maior facilidade em aprender essas coisas.
Um silêncio se estabeleceu, porém, um grande número de mãos se levantou. Os vinte mais jovens foram selecionados. No momento que eles alcançassem um nível de bom desempenho, haveria possibilidade de ampliar o número de participantes. Agik combinou com Iagushi o valor que lhe seria pago por semana para três sessões de treinamento com o grupo. Houve alguns que propuseram criar outro grupo, mas Agik foi inflexível. Uma turma era suficiente. Seria o começo e com o tempo poderia ampliar o treinamento. Combinaram os dias dos treinos e depois o lutador foi levado a conhecer as dependências onde fariam os treinos. Também conheceu as demais instalações do porto.
Enquanto isso os trabalhadores carregavam fardos e mais fardos para bordo do grande navio, trazendo de lá, na volta, outros de mercadorias que ficariam no porto para venda aos mercadores que as levariam para o interior e países vizinhos. Durante a manhã toda os comentários entre eles eram sempre dirigidos aos combates presenciados naquela manhã. Nunca tinham presenciado algo semelhante. Era simplesmente inacreditável. O homem tinha uma agilidade impossível de acompanhar. Se conseguissem adquirir metade dessa agilidade, ficariam satisfeitos. Os escolhidos para o treinamento, confabulavam entre si o que os estaria esperando. Esperavam passar alguns maus bocados durante os treinamentos, antes de alcançarem uma habilidade capaz de neutralizar em parte o mestre. Era assim que começavam a chama-lo. O Mestre Iagushi. O samurai vindo do Japão.
Sua presença na aldeia se espalhou mais depressa que a do próprio filósofo. Os mesmos jovens que estavam na escola, aprendendo a ler e escrever, também quiseram participar dos treinos com o novo mestre. Havia agora dois mestres na aldeia. Começavam a sentir-se de certo modo importantes diante de tal fato. Na continuação surgiu um espaço destinado aos treinamentos de meninos e meninas. Eram os melhores candidatos a se tornar lutadores excepcionais no futuro. Os adultos eram admitidos, mas o próprio Iagushi preferia os mais jovens. Poderiam alcançar maior grau de eficiência em seu treinamento. Dessa forma o menino Minck se tornou também aluno do mestre Iagushi. Seus irmãos, sem exceção, se tornaram também membros de algum grupo de treinamento.
Em poucas semanas havia tantas turmas de alunos de luta com as mãos, de modo que o mestre estava praticamente o dia inteiro em aulas. Junto com Zósteles, haviam alugado uma casinha onde moravam. Uma viúva foi contratada para fazer o serviço da casa, cozinhar, lavar as roupas. Em pouco tempo os dois se tornaram, por assim dizer, o centro das atenções da população. Os mercadores que vinham comerciar na aldeia e no porto, se encarregaram de levar ao interior, para as cidades vizinhas das novidades que ocorriam na aldeia, antes de pouca importância. Na sequência a aldeia começou a ter sua importância aumentada, o porto ficou cada vez mais moderno, com afluxo de navios de praticamente todo mundo conhecido por aqueles lados. Havia sempre um ou dois navios ancorados do lado de fora da baia, aguardando o momento de ingressar no porto e ali descarregar toda sorte de mercadorias. Dali levavam especiarias e frutas, peles e minerais, pedras preciosas para os portos mais distantes.
A aldeia começou a ter cada vez mais edificações de algum luxo. Os comerciantes conquistaram maior independência. Mandavam caravanas para lugares mais distantes em busca de mercadorias raras e que, de outra forma, não chegariam até eles.
Voltando à semana em que os treinos de luta com as mãos começaram, vamos encontrar Minck e Zósteles chegar ao último dia, antes do descanso. Era a noite marcada por Arki para levar os dois a viajar pelo espaço em um tele transportador. Usando de uma desculpa qualquer, saíram os dois depois do jantar e foram para o pé do penhasco. Com alguma dificuldade o mestre escalou a íngreme trilha que levava ao topo. Ali chegando, em instantes a estrela começou a emitir suas piscadelas. Executou um ligeiro bailado, seguido de um raio de luz azul, dessa vez mais intenso e potente. Alguns segundos depois Arki falou ao seu lado:
– Aqui estou, amigos. Seja bem-vindo mestre Zósteles.
– Espero ser digno da honra que me é concedida, amigo celestial.
– Com certeza não teria sido convidado para esse passeio se não fosse digno de tal evento. Vamos logo. Não temos tempo a perder. Podem dar um passo para frente, sem medo.
Os dois deram um passo para frente e instantaneamente se viram no interior de uma espécie de cabine, envolta em uma penumbra azulada. A figura de Arki se achava bem no centro e tinha ao seu lado duas poltronas, de uma luminosidade mais fraca. Foram convidados a sentar-se, um de cada lado do anjo. Depois de sentarem-se, uma espécie de alça os circundou, prendendo a ambos firmemente contra o encosto da poltrona. Quando estavam prontos, Arki falou:
– Vamos partir. Para começar iremos ao planeta mais próximo, seguindo em sentido anti-horário. Nele veremos uma humanidade em fase um pouco mais atrasada que a de vocês. Acabaram de alcançar a condição de integração ao círculo espiritual do Espírito Materno. Lá vamos nós.
Um suave zumbido se ouviu e um turbilhão de luz pareceu invadir o interior do transportador. As estrelas no firmamento se transformaram em riscos de luz sucessivos. Quando pensavam que iriam demorar ainda, perceberam a redução da velocidade. As estrelas passaram a ser visíveis em posições mais ou menos fixas no firmamento. Arki falou:
– Olhem em frente. Verão um planeta, que daqui apresenta a cor azul, semelhante à luz do transportador. As pessoas vivem parcialmente em cabanas feitas de palha e galhos. Uma parte vive em cavernas, aproveitando o que a natureza lhes oferece gratuitamente, nas regiões onde esse fenômeno é comum.
Em poucos instantes, estavam na posição onde se encontrava o horizonte, no momento em que o dia amanhecia na região que recebia a incidência do Sol local. Havia florestas imensas, algumas clareiras, onde era possível observar figuras se movendo. Pelo visto os humanos ali em evolução, dominavam o uso do fogo, uma vez que eram visíveis muitos focos de fumaça na região das cabanas. Um pouco depois encontraram um maciço rochoso, onde era possível ver uma grande quantidade de cavernas. Em praticamente todas elas havia movimento de pessoas entrando ou saindo. A claridade do sol e a velocidade considerável com que viajavam, tornava o transportador invisível aos olhos dos humanos lá embaixo. Arki manobrou o transportador fazendo-o pousar suavemente num ponto que permitia observar mais de perto a vida das pessoas.
Usavam vestimentas feitas de peles para proteger-se do frio e mesmo de outras intempéries. Foi possível ver homens voltando da caça, carregando presas abatidas. Eram recebidos com alegria pelos demais membros do clã ao qual pertenciam. Mais adiante, viam-se alguns seres em atividade de cultivo de algumas plantas. Tinham no momento desenvolvido uma agricultura rudimentar, que os tornava menos nômades, por diminuir a necessidade de migração em busca de fontes de alimentação. Era emocionante ver como haviam sido os antepassados, muito, muito tempo atrás na terra. Ali teriam pela frente um longo período de evolução, até atingir o nível que se alcançara na Terra. A navegação parecia ser coisa ainda desconhecida, pelo menos em escala mais ampla. A única coisa que foi possível observar, em novo posto de observação, foi pequenas embarcações, feitas de uma espécie de juncos, na verdade eram jangadas usadas para buscar peixes nos rios e lagos. Os oceanos estavam isentos da presença humana.
– Preparem-se para a próxima etapa. Vamos para o lado escuro do planeta e vou mostrar a vocês onde fica a Terra de onde vieram.
Em poucos instantes estavam deslocando-se a pouca velocidade e Arki lhes indicou onde estava a Terra. Era um ponto tão pequeno no espaço, que podiam ver por meio de uma espécie de lente, colocada à sua frente. Sem seu auxílio, o planeta seria invisível.
– Podem ver que o planeta de vocês está perdido no espaço, como um grão de areia na praia. Agora vamos a outro planeta onde o estágio de desenvolvimento está bem mais avançado. Os homens constroem máquinas sofisticadas. Tem até máquinas que voam, porém, a velocidade que conseguem desenvolver ainda é muito pequena. Estão prestes a fazer as primeiras viagens ao espaço próximo.
Novamente o transportador se deslocou vertiginosamente pelo espaço. Os astros se transformavam em meros riscos fugazes e sumiam na distância. Depois de um tempo ligeiramente maior, chegaram ao lado iluminado do planeta ao qual Arki se referira. Havia chaminés lançando grossos rolos de fumaça na atmosfera, veículos percorriam estradas que pareciam listras negras estendidas sobre a superfície. Longos veículos andando sobre trilhos foram vistos, deixando os dois viajantes extasiados. Já nos oceanos, o movimento de imensos navios era intenso. Grandes aglomerações humanas eram as cidades, onde edifícios, parecendo uma infinidade de casas empilhadas umas sobre as outras, pareciam querer alcançar o céu. Nessas aglomerações uma grande quantidade de veículos se deslocava em todas as direções e sentidos, além de uma multidão de pessoas caminhando por todo lado. Aqui todos andavam vestidos em trajes estranhos aos olhos dos dois viajantes. Queriam poder guardar as imagens de tudo que estavam assistindo.
Enormes complexos hidrelétricos usavam a energia da água represada, para gerar eletricidade, coisa ainda desconhecida no mundo de Mink e seu mestre Zósteles. Também viram o que parecia serem imensos pássaros que voavam sem bater as asas. Tinham esse apêndice, mas elas eram fixas. Era impossível entender como se deslocavam. Arki se absteve de dar explicações. Deixava aos dois interpretar tudo a seu modo. Seria impossível explicar como tudo funcionava, pois ainda faltavam milênios para a Terra atingir o estágio equivalente ao daquele planeta. Sobrevoaram uma central nuclear, imensas plantações de diversos tipos de agricultura. Também encontraram desertos, áreas semi-áridas, como também florestas, onde era possível observar a ação de homens devastando as florestas de modo agressivo. Pareciam empenhados em destruir o máximo possível e isso deixou os dois pensativos. Qual seria a razão dessa ação dos seres humanos? Não tiveram tempo de perguntar a Arki, pois já atingiam nova vista. Grandes áreas, com vegetação baixa, onde imensos rebanhos de animais pastavam. Isso tinha alguma semelhança com o que era possível ver na Terra, apenas nesse planeta a extensão dessas áreas era muito maior.
Vendo os dois, aparentemente impactados demais para falar, questionar ou fazer qualquer comentário, Arki iniciou o deslocamento, dessa vez para um planeta onde a vida estava apenas surgindo. Iriam transcorrer muitos e muitos anos até que ali houvesse o início de vida semelhante à humana na Terra. Toda superfície era coberta de continentes com florestas e a maior parte eram oceanos, como acontecia em todos os planetas. A variação das áreas emersas era pequena em termos percentuais. O que deixava os viajantes mais maravilhados era o fato de os planetas serem esferas praticamente perfeitas. Como é que a água ficava contida nos oceanos, em qualquer posição que se olhasse? Era complicado entender esse fenômeno. A ideia que faziam era de uma superfície aproximadamente plana, apenas apresentando pontos mais elevados, intercalados com planícies.
Depois de ver o planeta, ainda em formação, viram de passagem um ainda semi-incandescente. Vulcões em atividade intensa por todos os lados, sendo apenas pequenas áreas cobertas de alguma vegetação, de baixa altura. Animais ali não existiam ainda. Iriam aparecer em uma etapa futura. Era chegado o momento de verem o planeta ao qual estavam destinados no futuro, dentro de uns vinte a trinta anos aproximadamente. Dependia da velocidade com que se criassem as condições na aldeia para efetuar o transporte. Um novo movimento, dessa vez mais veloz ainda, levou-os a um planeta, onde eram visíveis imensas áreas com ruinas. A vegetação tomava parcialmente algumas áreas que haviam sido habitadas, mas o uso das armas de grande potência havia destruído tudo e principalmente a vida humana. Não restara um único ser humano para contar a história. Era possível ver ainda os grandes aeroportos, alguns portos na margem dos oceanos eram identificáveis. A ação do tempo transformara consideravelmente os contornos dos continentes, mas podia ser visto que o planeta fora habitado.
Percorreram demoradamente os principais centros de aglomeração dos homens, onde também a destruição fora a mais intensa. Era, apesar de transcorrido mais de um milênio, ainda uma paisagem desoladora. Minck sentiu um leve tremor. Era ali que viriam viver ele, seus irmãos, além de um grande número de pessoas, destinadas a repovoar esse lugar, onde tanto ódio e falta de amor haviam posto fim à existência de seres humanos. Arki ia dizendo a cada momento o que havia acontecido nos diversos lugares que sobrevoavam. Passaram sobre o lado escuro, onde, apesar de tudo era possível ver o suficiente para saber que era continuação do lado iluminado. Isso era possível graças a um satélite, semelhante à lua, que iluminava por sua vez aquela área. Por sorte a natureza era vigorosa o suficiente para recompor grande parte da devastação que o homem havia deixado após sua passagem. Em mais alguns anos, uma área maior estaria recuperada com certeza.
Isso enchia o coração do menino de alegria. Seriam os futuros ancestrais de uma espécie humana a viver naquele planeta, perdido no espaço infinito. Depois de terem visto uma grande parte da realidade atual do planeta, Arki falou:
– Espero que não estejam decepcionados com o que viram. Agora é hora de voltarmos e deixar vocês em casa. Eu tenho outras missões a executar. Voltarei em alguns dias e darei novas orientações.
Fizeram mais uma volta sobre a superfície do planeta, a baixa altitude e numa velocidade não muito elevada. Na sequência o transportador encetou um movimento a velocidade inimaginável. Os dois praticamente ficaram inconscientes durante a viagem de retorno. Acordaram no momento em que pararam novamente no topo do penhasco. Arki falou:
– Aqui estamos nós, de volta em casa. Agora nos despedimos e prometo voltar em uma semana para falar com você, Minck.
– Esqueci de contar, Arki. Durante essa semana apareceu um Samurai, vindo do Japão. Ele está treinando os meninos, meninas e também os adultos, a lutar com as mãos, sem o uso de armas. Acho que isso era coisa prevista nos planos para a aldeia, em preparação para o transporte.
– Muito bem. Você interpretou perfeitamente. Eu sei os detalhes de tudo. Fique tranquilo e continue aprendendo o máximo que puder. Outras novidades irão acontecer em algum tempo.
Os dois, soltos pelo assento, deram novamente um passo para frente, vendo-se parados no alto do penhasco. Arki lhes acenou e partiu. Um risco de luz cruzou o espaço, desaparecendo na estrelinha. Seguiu-se uma piscadela e tudo ficou quieto.
Se entreolharam, mesmo na escuridão e sorriram. Começaram a difícil descida. Uma vez lá embaixo, caminharam em silêncio até em casa. Zósteles morava agora em companhia de Iagushi numa casa a poucos passos da casa de Sock. Entraram em suas residências, prometendo se encontrar no dia seguinte, durante o descanso semanal.
Décio Adams
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