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Fantástico mundo novo! – Volume II – Capítulo IV – População cresce depressa.

  1. População cresce depressa.

 

Ao longo dos primeiros anos do governo eleito em Kibong, ocorreu um fluxo migratório crescente para a cidade. Veio gente de variados lugares, gerando a necessidade de investimentos significativos para acolher toda população. Por sorte, em meio a esse fluxo, chegou também um numeroso grupo de homens de negócios, trazendo em seus pertences, significativas somas de moedas de ouro, prata. Joias, ouro e pedras preciosas tornaram-se coisa comum, em meio às muitas transações comerciais que passaram a ocorrer. Além de se instalarem com estabelecimentos comerciais diversos, estes senhores investiram em imóveis, construção de prédios diversos. Isso gerou escassez de mão de obra para o trabalho nas construções. Como consequência, correu a notícia de haver carência de braços para trabalhar e promessa de boa remuneração.

Não tardou a formar-se um numeroso grupo de homens, depois seguidos por seus familiares, que vieram em busca dessas vagas de trabalho. Havia artífices de toda sorte, além de meros trabalhadores braçais, para os quais qualquer tarefa era benvinda, contanto que lhes rendesse as moedas, ao final de cada semana, para levar comida aos filhos, geralmente pequenos. Não foram poucos os problemas que isso gerou para os administradores, ainda inexperientes. Foi preciso recorrer à toda sua criatividade, além de buscar orientações onde estivessem disponíveis, para dar solução a cada dificuldade que aparecia. Sempre que havia decisões mais complexas, o povo era convocado para opinar, o que começou a ficar mais difícil, devido ao aumento significativo da população. Por sorte, junto com tanta gente, chegara a crescente riqueza que ia sendo partilhada com toda comunidade.

Ao término do terceiro ano de administração, não restava mais um terreno dentro do perímetro inicial da aldeia, onde não houvesse sido edificado um edifício. Os engenheiros, mestres de alvenaria, carpintaria e demais especialistas passaram a rivalizar entre si com detalhes de acabamento cada vez mais elaborados e elegantes. Os primitivos moradores, olhavam para a suntuosidade das edificações que viam surgir ao lado de suas casas e sentiam-se, de certo modo, humilhados. Suas casas eram simples e sem nenhum detalhe de acabamento mais elaborado. Até bem pouco tempo estavam mais preocupados com o conforto e segurança no interior de suas moradias. Passou a reinar um certo clima de preocupação a esse respeito. Os responsáveis pelo aspecto urbano da cidade, haviam se adiantado aos fatos. Um amplo espaço estava dividido em lotes, com as ruas largas, em fase de pavimentação, além de dispor de outras benfeitorias implantadas. Canalizações de água além de esgoto. Este foi canalizado para um ponto bastante distante. Ali era submetido a um rudimentar processo de tratamento.

O agrônomo vindo do Egito, dirigiu o processo de obtenção de detritos orgânicos, que depois eram aplicados na agricultura, devolvendo ao solo os nutrientes excretados pelos organismos. A água era então canalizada, quase limpa, para a baía do porto. Foi uma providência importante, uma vez que impedia a contaminação das águas, onde, além de servirem de ancoradouro aos navios, muitos pescadores buscavam o alimento para seus filhos. Houve quem considerasse o procedimento como inadequado para produzir alimentos. Alek conclamou o povo para lhes demonstrar que a meteria usada para adubar o solo era inócua. Não apresentava cheiro nem aspecto desagradável depois de processada. No decorrer dos anos haveria necessidade de aprimorar o processo, mas no momento era mais do que suficiente para salvaguardar a higiene e saúde da população.

Quando surgiram as primeiras propostas de compra das casas mais antigas, os proprietários correram a pedir orientação. Logo foram tranquilizados, pois, com os preços que receberiam por sua casa e terreno, poderiam comprar um bom lote, além de construir uma casa mais confortável. Poderiam dar-se ao luxo de executar algum embelezamento, bem como colocar uma mobília mais elegante. Sock e sua família estavam entre os primeiros a serem assediados por um rico comerciante. Ele havia edificado seu estabelecimento comercial ao lado e tencionava construir ali a sua residência. Dessa forma não precisaria se deslocar muito para chegar ao local de seus negócios. No primeiro momento Muhn ficou reticente. Ali viera morar tão logo havia se tornado mulher de Sock. Criara os filhos, o primeiro neto vinha visita-la ali. Como seria ir viver em outro lugar? Poderia acostumar-se à mudança? Teriam dinheiro suficiente para comprar o terreno, pagar pela construção e ainda mobiliar?

Sock pediu um tempo para pensar e recorreu à orientação de amigos sobre o assunto. Com a proposta que recebera do comerciante, verificou que teria à disposição um lote maior, com espaço para um jardim, um pequeno pomar e horta. Poderia construir uma bela casa, mobiliá-la e ainda guardar uma boa quantidade de moedas para usar em momentos de dificuldade. Restava resolver a questão da moradia enquanto a nova casa fosse edificada. O comprador lhe deu o prazo de um ano, além de pagar de imediato todo o valor da transação. Se nesse prazo a nova casa não ficasse pronta, ainda poderia contar com um auxílio para pagar o aluguel de uma moradia provisória por algum tempo. Os filhos, mesmo os casados, foram reunidos e ouviram a proposta que o pai recebera. Diante das possibilidades, todos concordaram que era melhor vender, pois, ficar ali, espremido no meio de estabelecimentos comerciais, os faria sentir-se deslocados.

Fechado o negócio, as providências para escolha do lote e determinação do projeto de construção foram tomadas. O ritmo frenético com que se construía em toda parte, deixava prever que não poderiam titubear. Um ano passa depressa e o comprador iria querer o terreno para desenvolver seus projetos. A esse negócio, seguiram-se muitos outros e, em questão de poucos meses, o grande loteamento se transformou literalmente em um canteiro de obras. Por toda parte havia operários trabalhando, veículos transportando pedras, madeiras e demais materiais de construção. Com o passar dos meses, portões e gradis de metal começaram a aparecer, vindos da pequena indústria metalúrgica. Os jardins começaram a ganhar forma, fontes e plantas ornamentais passaram a fazer parte da paisagem. Aos poucos as plantas, algumas trazidas de pontos distantes, lançaram raízes no solo novo. O agrônomo era solicitado com frequência a dar orientações sobre a melhor forma de cultivar determinadas espécies.

Assim, além de adubação elas passaram a ter tratamento especial, com regas regulares, transformando a região em um vasto jardim florido e perfumado. Nas noites de outono ou primavera, o ar se enchia de aromas diversos, conforme as variedades que costumavam apresentar sua inflorescência na época. A medida que as novas residências ficavam prontas, os seus proprietários se mudavam para lá, não deixando de sentir um discreto orgulho pela nova situação. Para os trabalhadores mais humildes, também havia quem providenciara lotes, de dimensões um pouco menores, porém suficientes para viverem de modo digno. Era comum ver os operários das construções mais avançadas, depois de concluir a jornada de trabalho, correrem depressa para seus próprios lotes, um pouco mais adiante, onde se punham a trabalhar enquanto a luz do dia permitia.

Esse procedimento, permitiu que, mesmo quem fosse assalariado, conseguisse com o tempo e dedicação, edificar sua moradia. Começavam por edificar o espaço suficiente para abrigar a família, livrando-se assim do aluguel ou de situações de favor. Continuavam trabalhando, economizando e comprando material para completar a obra. Era comum nesse tempo aumentar um cômodo ou dois na casa, cada vez que o crescimento da família assim o exigia. Trocavam frequentemente horas de serviço entre si, tornando possível reunir mais braços para as etapas mais difíceis da construção.

No meio de tanta diversidade de pessoas, vindas dos lugares mais distantes, ou até bem próximos, era também comum surgirem divergências de comportamento. Os costumes, as crenças religiosas eram variadas, levando a algumas situações conflituosas. Os antigos moradores consideravam que seus hábitos e convicções religiosas deveriam predominar na cidade. Por outro lado, os migrantes traziam suas próprias convicções. Julgavam-se no direito de viver sua vida, sem interferência de ninguém, o que nem sempre era fácil. Foi preciso estabelecer algumas normas públicas de procedimento. Os legisladores, decidiram chamar a população para ouvir-lhes as opiniões. Todos tinham direito a falar, porém, eram obrigados respeitar a opinião dos outros. Desse modo conseguiu-se coletar informações suficientes para elaborar algumas normas gerais que permitiriam um ajuste gradual das diferenças. Tanto os moradores originais, quanto os novos, tinham necessidade de aceitar a diversidade.

Tal atitude foi elogiada por todos que tinham maior discernimento. A cidade necessitava, no momento atual, de todos os moradores. Não poderia dar-se ao luxo de dispensar ninguém. Restava então aceitar as diferenças, respeitar as convicções alheias. Um lugar onde isso se tornava por vezes um problema, eram as escolas. Cada criança trazia do próprio lar os ensinamentos dos pais, gerando frequentes conflitos entre os pequenos. Aos mestres cabia a tarefa de apaziguar os ânimos, aparar as arestas e, gradativamente, chegar a um ponto de convivência. Cada menino ou menina, acabava por assimilar alguma coisa das crenças e costumes dos colegas. Daí resultou uma geração de pessoas mais abertas, com visão mais larga, personalidade mais flexível no tocante aos aspectos religiosos e sociais.

A agricultura da região tornou-se bem mais produtiva, com a presença do agrônomo egípcio. Suas orientações preciosas quanto à contenção da erosão, uso de adubos orgânicos provenientes de qualquer fonte, além das cinzas dos fornos e fogões, multiplicou o volume de alimentos produzidos. Tais orientações foram, aos poucos, se estendendo às áreas circundantes, levando ao ponto de Alek ficar em dificuldades para atender à demanda de solicitações para prestar orientações. Enviou uma mensagem a um tio, que supunha ainda vivesse no Egito. Nela solicitava a vinda de mais alguns conterrâneos para prestar serviço cada vez mais volumoso. Um mercador se encarregou de levar a mensagem até as proximidades e depois a encaminhou por mãos conhecidas ao destino. Seu caminho era diferente, mas encontrou quem se encarregasse da tarefa final.

Depois de aproximadamente um ano, num determinado dia chegaram à Kibong quatro egípcios, bastante cansados, porém, em bom estado físico. Não demoraram a encontrar-se com Alek e este os recebeu com alegria. Eram filhos de amigos do tio e haviam vindo em busca de lugar para trabalharem. No Egito havia excesso de concorrência, o que os obrigara a aceitarem tarefas inferiores às suas habilidades. A grande influência de Alek ajudou-os a se integrarem rapidamente no meio da população rural. O governo oferecia ajuda a todos, além de garantir uma espécie de subvenção a cada um deles. Até o momento de formarem sua própria clientela, teriam garantida a subsistência. Por sugestão de Alek, formaram uma espécie de sociedade. Dividiriam o trabalho e os ganhos. Isso facilitava a questão de alguém ficar sobrecarregado num determinado dia ou período. Poderiam ocupar facilmente a posição uns dos outros, sem solução de continuidade do trabalho. Sem contar que teriam como compartilhar experiências, expor dúvidas, tornando sua atuação mais eficiente.

A presença de cinco especialistas, levou um dos legisladores a sugerir a criação de uma escola para ensinar as técnicas aos filhos dos lavradores. No futuro não haveria mais necessidade de trazer gente de longe para exercer as atividades. Teriam filhos da região habilitados para desempenhar a tarefa. Com certeza tal procedimento disseminaria os conhecimentos que eles detinham entre um número maior de pessoas. Em lugar algum o aumento da produtividade agrícola era desejável, uma vez que, em muitas áreas, o solo estava degradado, tornando inviável o cultivo sem emprego de técnicas mais refinadas. Os agricultores, muitas vezes por indolência ou falta de incentivo, não se empenhavam em desenvolver esses conhecimentos por sua própria conta. Não raro abandonavam a terra em que viviam, indo em busca de áreas mais férteis.

Nos primeiros meses os novos agrônomos viveram na casa que Alek conseguira edificar. O passar do tempo, levou-os a adquirirem seus próprios lotes e edificarem suas moradias. Enquanto isso sua atuação na agricultura passou a fazer efeito. Além de serem agora em maior número, os quatro haviam trazido algumas novidades desenvolvidas nos últimos anos na pátria distante.  Inexistia razão para não partilhar com quem os acolhia e remunerava de modo generoso. Resultou daí que os frutos, em grande parte, tornaram-se mais bem desenvolvidos, uniformes e saborosos. Vários comerciantes, tendo experimentado os frutos na cidade, fizeram questão de levar pequenas quantidades para suas terras. Não tardou e ocorreu um afluxo de enviados de outros lugares para aprender ali as técnicas inovadoras. Vinham recomendados e mesmo com dinheiro para pagar pelos ensinamentos. Agricultores experientes sabiam valorizar inovações importantes.

Assim, em Kibong passou a existir uma importante escola de ensino de técnicas agrícolas. Houve quem visse com olhos ciumentos a vinda dos estrangeiros para aprender as novas técnicas. Foi preciso que Zósteles e outros que estavam ali dando sua contribuição fizessem lembrar aos kibonguenses nativos, que o conhecimento viera até eles gratuitamente. Os estrangeiros que vinham estavam dispostos a pagar pelos ensinamentos. Injusto seria negar-lhes esse direito. Aos poucos um sentimento de justo orgulho se instalou no coração de todos. Estavam em posição avantajada, alcançando um nível de progresso não imaginado poucos anos antes.

Quem nesse meio tempo estava cada dia mais compenetrado de sua tarefa no futuro era Mink. Foi preciso que Arki lhe apontasse o erro cometido ao se ensimesmar, retraindo-se na convivência com os demais. Foi num encontro no alto do penhasco, depois de haverem se mudado para a nova casa. Mink estava feliz com seu quarto, destinado exclusivamente para ele. Mesmo assim seus pensamentos estavam longe, na maior parte do tempo. Procurava desvendar os mistérios da misericórdia, do amor do Pai Universal, criador último de todas as coisas. Dessa forma acabava por ficar longe dos amigos e parentes, durante longos períodos de tempo. Isso estava causando apreensão em sua mãe, que transmitiu seus temores ao pai Sock.

Arki, tendo percebido a situação, tratou de alertar o jovem. Era muito cedo para tal atitude. Logo após saudar o anjo, Mink ouviu dele as palavras:

– Meu caro amigo! Não é conveniente se afastar da família e amigos. Eles estão preocupados com sua aparente tristeza. Ela incompreensível para eles. Nem todo esforço do mundo será suficiente para desvendar à sua mente, no estágio em que se encontra, os mistérios do Primeiro Centro e Último. Nem as criaturas celestes, bem mais antigas e adiantadas em sua evolução, conhecem todos os mistérios do Pai.

– É que não consigo deixar de pensar. É algo maior do que eu.

– Experimente “conversar” com ele, por meio da sua “fagulha”. Ela é seu contato direto com o pai. Porém em lugar de querer compreender o Pai Universal, esforce-se em entender sua vida, seu caminho de evolução até chegar ao Pai. Quando o alcançar, terá entendido a maior parte dos seus mistérios, sem fazer esforço adicional, além de cumprir as diversas etapas de sua evolução.

– E eu conseguiria visualizar as minhas etapas de evolução?

– Não digo que possa visualizar. Tente se colocar nas mãos do Pai. Imagine-se aconchegado no seu colo, do jeito que você fazia no colo do seu pai Sock ou sua mãe Muhn, quando mais criança. Ele certamente irá afagar sua cabeça, com todo seu carinho de pai.

– Acho que entendi essa parte. Ontem, quando fui dormir, fiquei pensando no Criador e imaginei estar chegando no Paraíso. De repente, senti como se alguém estivesse afagando meus cabelos suavemente. A sensação foi tão boa que não resisti e adormeci com essa sensação. Ao levantar hoje pela manhã, parecia leve e descansado.

– Exatamente, meu caro. Você precisa deixar que a mão de Deus Pai o guie. Seus anjos de guarda irão se encarregar de fazer enxergar os passos que deve dar. Basta se voltar para seu interior, pedir que eles mostrem o caminho. Você irá conseguir caminhar sem problemas.

– Uma coisa interessante. Depois de nosso primeiro encontro até hoje se passaram pouco mais de quatro anos. Nesse tempo nossa aldeia se transformou em uma cidade próspera. Parece que aquele foi o dia em que começaram sucessivas mudanças para melhor. Parece que se passou um tempo enorme. Me diga se existe alguma relação entre os nossos encontros e essas mudanças que aconteceram na aldeia.

– Sempre existe alguma relação entre tudo que acontece. Mas você não deve se preocupar demais com isso. O tempo todo, cidades, povoados e aldeias atingem níveis diversos de prosperidade. Do mesmo modo outras perdem o ímpeto, decaem e parece que voltam para muitos anos antes. Isso faz parte do jogo da vida humana. Há passos para frente, passos para trás. Tudo depende de como as pessoas encaram o novo nível alcançado. Muitas vezes a prosperidade leva o povo a viver de maneira inadequada. O resultado é a queda e consequente volta ao estado anterior, até mesmo inferior ao último estágio alcançado.

– E como podemos evitar que isso aconteça?

– Primeiramente é preciso ter um coração bondoso, praticar a misericórdia. Geralmente os que acabam decaindo, são aqueles que se tornam orgulhosos, arrogantes e prepotentes. A falta de amor, a ausência de compaixão no coração, são causas de muito sofrimento no tempo vindouro. Outro erro cometido por muitos é tentar impor aos outros suas opiniões e ideias, em lugar de convencer. É preciso primeiro preparar a mente das pessoas para poderem aceitar as nossas ideias, teorias e opiniões.

– Vamos ver se entendi. Se eu tiver uma coisa a propor, como por exemplo uma mudança de uma lei ou norma, preciso primeiro fazer as pessoas aceitarem o que eu penso. Só depois posso pedir para que aceitem a mudança. É isso?

– Você está começando a compreender. Precisa seguir em frente, mantendo a mente atenta e desperta. ~

– Posso fazer uma pergunta?

– Faça.

– Como pode ser que existam três pessoas em um único Deus? Como isso é possível?

– É o maior mistério do Pai Universal, do Criador de tudo e todos. Como eu falei antes. Tente aceitar as coisas. Faça menos perguntas. Dedique mais tempo à caminhar para frente, em lugar de procurar entender a Trindade de Deus.

– É uma coisa que tem me atormentado ultimamente. Passo longo tempo pensando nisso.

– Quando essa ideia voltar à sua cabeça, imagine que está reclinado no colo do próprio Pai Universal. Deixe que ele lhe faça sentir a Trindade, antes de tentar entende-la.

– Vou tentar! Juro que vou tentar.

– Não jure. Apenas se esforce para tornar isso realidade. Quando conseguir aceitar que não poderá jamais compreender tudo, será mais feliz. Sobrará mais tempo para pensar em coisas úteis a fazer. Novas ideias irão surgir em sua mente e poderá coloca-las em prática, para o bem de sua comunidade.

– Estive ocupado nos últimos dias na mudança para a nova casa da família. Tenho agora um quarto só para mim. Na frente da casa tem um belo jardim. Nos fundos estamos fazendo uma horta, além de algumas árvores frutíferas, que logo estarão produzindo.

– O Criador quer que todos seus filhos vivam bem. Com certeza ele está se comprazendo com a nova casa que você e sua família possuem. Ele não quer a dor e o sofrimento de ninguém.

– Acho que havia esquecido um pouco de outras coisas. Já é hora de me concentrar em minhas tarefas. Tenho que deixar de ser egoísta.

– Ninguém exige que você esqueça de si. Para poder amar ao próximo, você precisa começar por amar a si mesmo.

– Tem hora que a gente fica confuso. Não devemos ser egoístas, mas devemos nos amar, para poder amar o próximo. Isso dá um nó na cabeça de muita gente.

– Realmente não é fácil. É bem por isso que a evolução dos seres humanos é tão lenta até atingirem o estágio final na qual poderão passar da vida mortal, para os últimos estágios da evolução para alcançar o Paraíso. Começa então a Idade da Luz e Vida do planeta.

– Ufa! Agora piorou! Mais uma novidade?

– Para encerrar nossa conversa de hoje. Mas não se preocupe. Ainda falta muito tempo para esse seu planeta e depois o que irão repovoar chegar a esse ponto. Agora eu vou partir. Volto daqui a algumas semanas. Vou querer conhecer a sua casa numa das próximas vezes.

– Por mim está bem. Precisamos pensar como isso irá acontecer.

– Pode deixar que disso me encarrego. Vou me disfarçar de um jovem que veio estudar agronomia. Acho que isso é bem aceitável.

– Tenho certeza de que sim.

Arki retrocedeu um passo. Ouviu-se um leve zumbido, um raio azul cruzou o céu e desapareceu na estrela. Ela esboçou um sorriso e ficou fixa em sua posição. Mink desceu lentamente do penhasco. Caminhou rapidamente pelas ruas, chegando logo em casa. Entrou em seu quarto, deitou-se e ficou pensando nas várias lições ouvidas de seu amigo anjo no local dos encontros. Experimentou imaginar-se reclinado no colo do Pai Celestial. Deixou a mente flutuar pelo espaço infinito, ao encontro do Criador. A pergunta que o perseguia logo fulgurou na cabeça, insistindo em ocupar o primeiro plano. Fez um esforço grande para afasta-la do pensamento e logo sentiu uma paz intensa invadir seu íntimo. Sentiu o amor, a misericórdia do Ser Supremo fluir por todas as fibras de seu corpo, invadir sua alma, até sentir-se parte do universo em seu todo. Nem percebeu o momento em que adormeceu.

Tendo dormido de modo sereno, acordou cedo, indo ao encontro da mãe, das irmãs e do pai. Eles já estavam em pé, preparando-se para o dia do descanso semanal. Não havia nenhuma programação especial e iriam almoçar em família, depois passear nas áreas de lazer implantadas na cidade. Depois do desjejum, Mink decidiu caminhar pela praia, na parte que dava para o mar aberto. Ali era mais deserto e poderia meditar um pouco sobre as palavras de Arki, ditas na noite anterior. Avisou a família de seu intento e saiu. No caminho até as proximidades do penhasco, encontrou com várias pessoas conhecidas, discípulos das aulas de leitura e escrita, vizinhos e amigos. Não se demorou muito, dizendo que tinha um compromisso dali a pouco.

Dessa forma chegou ao local procurado quando o sol estava um pouco abaixo da metade do quarto de círculo de sua órbita diária. Pôs-se a caminhar pela praia, vendo as ondas quebrarem na praia, molhando os pés na água, observando as conchas e pequenos animaizinhos que viviam ali na areia. O pensamento vagou para o além, para o Paraíso, em busca de Deus Pai. Sem demora a insistente pergunta sobre a Trindade se apresentou e ele a tentou rechaçar. Continuou a caminhar, buscando a paz interior. Queria adquirir a serenidade almejada e necessária para evoluir ao máximo. Buscava preparar-se para a missão que lhe fora destinada pelo ser celestial que estava no governo do sistema. Queria estar em condições de desempenhar bem sua tarefa quando chegasse a hora.

Enquanto caminhava não percebeu um menino a alguma distância. Estava ocupado em levar, por meio de uma concha, água do oceano para uma cova feita a alguns passos na areia. Ao chegar perto, reparou de repente no garotinho, compenetrado em encher sua concha, caminhar até a cova e ali despejar a água que levava. Repetia essa operação de modo ininterrupto. Mink retardou o passo ao vê-lo, aproximando-se vagarosamente. Ao chegar mais perto, parou e ficou olhando atentamente. A atividade parecia um tanto inusitada, uma vez que a areia logo absorvia a água ali despejada. Observou mais um pouco e resolveu perguntar ao menino:

– Você está querendo encher o buraquinho de água?

– Eu quero colocar toda a água do mar no buraquinho que fiz, – respondeu o menino.

– Mas você não está percebendo que isso é impossível? O mar é muito, mas muito maior que esse buraquinho. A água não vai caber toda ela dentro do buraquinho.

– Você duvida de mim? Eu vou conseguir, pode ter certeza.

– Eu vou até ali nas pedras e depois volto. Quando chegar aqui novamente, vamos ver se houve algum progresso em seu trabalho.

Continuou caminhando, a pergunta lhe martelando a cabeça e assim chegou aos rochedos existentes numa curva da costa, depois da qual se estendia um trecho de costa mais abrupta. Observou algum tempo o embate sem fim entre a água e as rochas, uma luta que parecia inglória, pois nada parecida mudar, dia após dia, mês após mês. Encontrou uma concha especialmente grande. Com ela a tarefa do menino talvez ficasse abreviada, por isso levou-a para dar a ele. Chegando perto do local, viu o menino ocupado com seu afã de transferir a água do oceano para o buraquinho. O interessante que esse parecia não alterar sua forma, nem tamanho, apesar de sucessivas conchas de água que iam sendo despejadas ali. Quando se aproximou, novamente perguntou:

– E então, menino! Como vai o serviço?

– Vai bem, senhor! Eu não tenho pressa. Disponho de toda eternidade para isso.

Mink ficou pensativo por instantes diante das palavras ouvidas. Será que aquela criança falara em “eternidade”? Esta palavra lhe escapara por acaso, talvez a tivesse ouvido na família, de alguma visita ou parente. Ou havia ali alguma mensagem diferente? Sua mente fluiu para a pergunta que lhe vinha atormentando a vida. Como que vindo de um ponto distante, porém nítida e cristalina, uma voz pareceu soar em seu cérebro:

– É mais fácil esse menino, tendo a eternidade diante de si, conseguir colocar a água do oceano na pequena cova, do que você, com sua mente imperfeita, desvendar os mistérios da Trindade do Paraíso. Você também tem a eternidade pela frente nessa tarefa, portanto não queira forçar a situação.

Enquanto isso o menino, pegando a concha maior que ele trouxera e jogara ao chão, continuava a tarefa, aparentemente insana, de colocar água do oceano na covinha. Depois de sentir a voz em sua mente, Mink ficou alguns instantes imobilizado. Sua mente compreendia finalmente que estava tentando realizar algo além de suas forças. Iria compreender o mistério, mas gastaria nessa tarefa uma parte da eternidade que se abria a sua frente. Para que ter pressa? Sabia que passaria por sucessivos estágios de evolução, antes de alcançar o Pai Universal, na Ilha do Paraíso celeste. Era melhor gastar suas energias com algo mais útil e produtivo. Tinha agora uma base para se apoiar e assim debelar os pensamentos inadequados que o afligiam. Não mais gastaria tempo em buscar respostas inexistentes, no seu atual estágio evolutivo.

– Bom trabalho, menino! Você vai conseguir seu intento.

– Eu sei que vou conseguir. Quem duvidou foi você. Vá em paz, amigo.

– Fique em paz você também.

Retomou a caminhada, agora mais apressado. Queria chegar em casa, conversar com os familiares, demonstrar-lhes que a fase de distanciamento havia ficado para trás. Carregava no coração um grande alívio. Os pés pareciam flutuar sobre a areia, onde a água cristalina do oceano vinha lhe molhar. Seus passos o levaram para junto dos familiares. No caminho saudava alegremente a todos que via, cumprimentando com um sorriso no rosto até mesmo os estranhos com que deparava.

Ao chegar ao lar, encontrou todos, inclusive os irmãos mais velhos, já casados, reunidos para a refeição do meio dia. O sorriso que ostentava no rosto, deixou a todos levemente surpresos. Diante da aparente casmurrice dos últimos tempos, era uma situação nova. Parecia transformado, porém, ninguém ousou perguntar o que houvera. O caçula era um pouco estranho há muito tempo. Alternava momentos de grande euforia e contentamento, com outros de melancolia e aparente tristeza. Nesse dia levantara um pouco diferente. Mesmo assim saíra cedo, dizendo que ia caminhar na praia. Precisava meditar. Voltara radiante, o que deixava transparecer um estado de ânimo bem diferente do que apresentara pela manhã.

Lavou-se e colocou nos pés uma sandália confortável, própria para usar em casa. Sentou-se entre os demais e se integrou na conversa. Logo falavam das novidades que corriam diariamente pela comunidade. Novos migrantes haviam chegado na véspera, dispostos a se integrarem na vida local. Estes eram provenientes dos lugares altos tibetanos. Vestiam roupas mais apropriadas ao clima frio de onde vinham. Ali seriam obrigados logo a adotar hábitos de vestir mais condizentes com o clima mais quente, apesar de oferecer momentos de baixas temperaturas. Nada se comparava aos montes gelados nas regiões do Himalaia. Havia curiosidade sobre o tipo de ocupação que eles iriam procurar. Os habitantes daquelas terras eram tidos como pessoas dadas ao misticismo, meditação e mortificação do corpo.

Mink escutou atentamente o que se dizia. Fez uma ou duas perguntas mais detalhadas, mas não souberam lhe responder. Ainda não era do conhecimento geral o tipo de gente que viera ter ali. Tampouco os motivos que os trouxeram eram conhecidos. O tempo se encarregaria de elucidar cada dúvida. Era uma palavra aqui, outra ali, muitas vezes bastante distorcidas pelo entendimento de quem ouvia. Aos poucos ficariam todos sabendo de tudo. Histórias surgiriam. Algumas bastante longe da realidade, outras nem tanto. Era assim que sempre acontecia. Na época da migração mais intensa, não houvera tempo para esse tipo de “investigação”, pois o número de pessoas que chegavam diariamente era alto. Isso resultava na impossibilidade de indagações mais pormenorizadas de todos. Somente alguns meses depois muitas informações se tornavam conhecidas de grande parte da população. Salvo alguns mais interessados em saber da vida alheia, que corriam atrás de cada fiapo de conversa.

Kibong hoje apresentava ares de uma cidade de porte médio para a época. Não era mais possível saber da vida de todos, a não ser que se quisesse ficar o dia inteiro de conversa em conversa. A imensa maioria não dispunha desse tempo. Era preciso trabalhar e assim garantir o sustento dos seus. As mães e moças mais jovens dedicavam-se ao trabalho no lar, sendo raros os casos de alguma que trabalhasse em outro lugar.

Em meio à conversação animada, chegou Muhn anunciando que a refeição estava pronta, esperando que todos se aprontassem para comer. Havia um local para lavar as mãos, ficando em condições de se alimentar condignamente. O momento da refeição foi festivo. Servia como confraternização e comemoração da mudança para a nova casa. A nora mais antiga estava grávida, prometendo o primeiro neto para poucos meses depois. Era mais um motivo de alegria para a família. A primeira filha estava casada há poucas semanas, enquanto a data do enlace da outra estava marcada. Muhn serviu o pequeno banquete, dizendo:

– Espero que esta casa sirva de ponto de encontro de todos no futuro. Do contrário vamos poder brincar de esconder nesse palácio, o pai de vocês e eu.

– Pode deixar mãe. Vamos sempre vir lhe visitar, trazer nossos filhos para brincar no jardim e nos amplos aposentos, – falou Sumock.

– Não esqueça que ainda há solteiros por aqui, – falou Ballak.

– Mas não demora e estarão todos casados, com suas próprias casas e famílias.

– Essa é a lei da vida, mamãe, – acrescentou Mink. – Os filhos precisas formar suas famílias para dar continuidade a espécie e assim chegar ao destino que nos aguarda, depois da morte.

– Haverá algo a esperar depois da morte? – Quis saber Kantur.

– Existe alguém que criou o mundo, aliás, o universo todo, bem como tudo que existe de vivo, sejam plantas animais e seres humanos. Ele nos ama e deseja que cheguemos até ele, depois de percorrer uma longa jornada de evolução.

– E de onde você tira essa certeza, meu irmão? – Perguntou Banik.

– Eu li em pergaminhos antigos, escritos em várias línguas. Houve, há muitos anos, um homem sábio chamado Maquiventa Melquisedeque, num lugar chamado Salém. Era tido como Filho do Pai Universal, o Criador de tudo. Ele deixou ensinamentos que foram levados para todas as partes, mas sofreram mudanças, no contato com as diferentes crenças.

– Nosso irmão está ficando entendido em religião. Parece até um sacerdote ou coisa assim. – Falou Kulik.

– Que sacerdote, que nada, irmão. Eu busco a verdade, apenas isso.

– Vamos comer e deixar esse assunto para depois, meus filhos. – Disse Sock. – Fala-se de assuntos sérios melhor com a barrega cheia. Agora corremos o risco de deixar a comida esfriar.

Foi o recado dado para não perturbar a refeição, com assuntos diferentes e que poderiam não deixar o alimento assentar bem no estômago. Os pratos eram conhecidos de todos, pois haviam sido preparados por Muhn e a filha Xing. Os últimos retoques haviam recebido ajuda de várias mãos. Todos se empenharam em fazer jus ao lauto festim. A mãe havia se superado nos temperos e variedade de ingredientes. Quando terminaram de comer, olhavam-se uns aos outros, com ar de tristeza e preguiça. Coisas comuns de acontecer. Tristeza por ser limitada a capacidade de ingestão de alimentos e preguiça, uma reação natural do organismo, ao iniciar o processo de digestão.

Todos aceitaram uma caneca de chá, preparado com esmero. Era indicado para uma digestão sem problemas. Esse estado de letargia terminou cerca de uma hora e meia depois. Mink, havia se limitado a comer apenas o necessário, sem cometer exageros. Aprendera, com mestre Zósteles, o valor da alimentação sem exagero. Pouco tempo depois da refeição, estava disposto para qualquer atividade. Começou a provocar os demais e não desistiu enquanto não os tinha convencido a acompanha sua ida à praça nas proximidades. Ali seria realizada uma competição de jogos variados. Haveria tiro com arco e flecha; arremesso de dardo e peso; saltos em distância e altura, além de outras coisas menos exigentes em força física.

Saíram levando algumas moedas no, porta moedas pendurado em seus cintos. Logo estavam na praça e viram por toda parte gente se empenhando em atividades competitivas, enquanto outros ficavam estimulando os contendores. Havia recompensas diversas para os melhores desempenhos. Os irmãos de Mink participaram do tiro com arco e flecha, lançamento de dardos, arremesso de peso, obtendo variadas colocações. Até Banik conquistou um prêmio no dardo. Mink estava mais interessado em assistir do que em participar. Eram atividades introduzidas há pouco tempo na vida da comunidade. Onde sua atenção ficou mais presa, foi nas lutas com as mãos. Os competidores deviam aplicar golpes nos adversários, com uso exclusivo das mãos, sem produzir ferimentos nem fraturas. O objetivo máximo seria imobilização do oponente. Quem sentisse estar irremediavelmente imobilizado, devia fazer um sinal com a mão e o golpe seria imediatamente desfeito.

Mink estava também recebendo instruções da modalidade, mas não estava tão adiantado, nem era tão hábil. Ali estavam os melhores alunos da escola de treinamento. Cada imobilização ou golpe mais definitivo era saudado com aplausos. Um grupo de três juízes ficava posicionado para observar o combate em todos os detalhes. No final, se não ocorresse imobilização, a vitória era decidida por votos entre os três. Todos os inscritos para as lutas, passavam por várias etapas, até sobrarem dois no final. Eles lutavam entre si para decidir quem levaria o prêmio mais importante. Os outros que haviam perdido as lutas anteriores, disputavam entre si a terceira colocação. Ali o jovem passou boa parte do seu tempo daquela tarde. Foi preciso chama-lo para acompanhar o resto da família para casa, quando o sol se punha no horizonte. Era também o momento de encerrar as competições. O povo voltou para casa satisfeito, depois de participar de forma ativa ou passiva, como torcedor das várias competições.

Todos tinham alguma coisa especial para comentar. Algo que lhe chamara mais atenção, uma atitude mais louvável ou então repreensível. As tentativas de fraude sempre ocorriam. Ali havia somente seres humanos, todos suscetíveis de erros. Essa era a razão para vigiar mais detalhadamente a atitude de todos, no desenrolar das provas. No caminho de volta para casa, os filhos casados tomaram o rumo de suas próprias residências, localizadas pouco adiante. Uma vez chegados, todos tinham suas ocupações, antes de ser servido o jantar. As plantas do jardim requeriam suas regas, quando passava mais tempo sem chover. Se fossem deixadas por conta do clima, poderiam não apresentar a profusão de flores que lhes era própria. Da mesma forma os legumes plantados na horta, começando a nascer, outras plantadas de mudas lançando raízes novas na terra, exigiam sua cota de água.

Enquanto Muhn e Xing preparavam a refeição da noite, os homens cuidaram dos serviços de rega e limpeza do pátio. Havia sempre algumas folhas caídas, poeira que juntava e deveria ser removida se houvesse intenção de manter o lar em perfeita ordem. Pouco antes da noite fechar definitivamente, todos estavam no interior da moradia, aguardando o momento da refeição. Uma sala de banho estava sempre pronta para ser usada. Depois das atividades da tarde, era bom um banho para dormir melhor depois. O dia seguinte seria de trabalho e não poderiam se apresentar cansados, depois do dia de descanso. Antes de concluírem os banhos, Xing avisou:

– A refeição está servida. Venham comer.

Ballak ficara por último e assim chegou atrasado para a mesa. Os demais já estavam começando a comer quando ele se assentou, novamente faminto, depois de várias atividades esportivas desenvolvidas durante a tarde. Para concluir o jantar, todos receberam novamente sua caneca de chá. Enquanto aguardavam a hora de ir para cama, aproveitaram o tempo para narrar os momentos especiais que cada um vivera no decorrer da tarde. Xing por sua vez estava silenciosa. Parecia não ter nada especial para relatar. Passara a maior parte do tempo com o rapaz com quem iria se casar em breve. Não havia tido tempo de prestar muita atenção aos jogos e divertimentos. O noivo ganhara um prêmio e lhe dera de presente. Era uma pequena boneca, toda trabalhada em tecidos coloridos, simulando uma jovem dama. Seu coração palpitava ao lembrar das horas alegres passadas, mas não tinha vontade de revelar nada. Era tudo coisa íntima e o guardava para si, embora seu olhar denotasse estar alegre seu coração.

Logo chegou o tempo de deitarem e Sock, seguido de Muhn começaram o desfile em direção aos seus aposentos. Os filhos logo os seguiram. A noite foi tranquila e a semana de trabalho que seguiu, foi plena de várias novidades. Além dos migrantes da semana anterior, outros vieram juntar-se a eles. Mink estava mais animado do que ultimamente. Estava conseguindo êxito em seu esforço para manter a mente focada na sua vida, sem questionar os mistérios que sabia serem insondáveis ao seu intelecto.

Todos os novos moradores, vindos de diferentes direções, traziam alguma contribuição. Tinham seus conhecimentos, suas tradições e crenças para partilhar. A população em geral, exceto algumas exceções, havia assumido bem a ordenação pública de aceitar as várias crenças e tradições, procurando conviver de modo pacífico. Alguns dos que vinham sentiam mais dificuldade em se adaptar ao novo status em que ingressavam. Vendo a benevolência do povo acolhedor, por si só em proporção minoritária, logo se acostumaram. O tempo passava depressa e logo estavam integrados ao novo modo de vida, bem como contribuíam com seus costumes e hábitos, para enriquecer a comunidade.

Décio Adams

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