Foi apenas um acidente?!
- Na última terça-feira, dia 29 de novembro, eu acordei com a notícia do acidente aéreo que vitimou a delegação da Associação Chapecoense de Futebol. Ao dirigir-se para Medelin, na Colômbia, viajando em um avião fretado para o percurso partindo de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, o avião que está estampado acima, caiu pouco antes de alcançar o aeroporto de Rio Negro, que era seu destino. Este tipo de acontecimento sempre me provoca um choque no primeiro momento. Passei a acompanhar o noticiário durante o resto do dia até a hora de dormir. Na quarta-feira, continuei vendo as novidades e, juntando um fragmento de informação daqui, outro dali, aos poucos fui formando uma ideia sobre o ocorrido.
- Ao longo da vida, convivi por vários anos com alguns militares da FAB, quando trabalhava e estudava em Foz do Iguaçu. Eram sargentos especialistas, da área de controle de voo, metereologia e outras especialidades. Nesta convivência aprendi várias informações sobre normas de aviação, especialmente no tangente à segurança das aeronaves nos percursos feitos.
- Além disso, tive ocasião de ler livros e matérias tratando do assunto. Dessa forma observei que havia algo grave envolvendo a tragédia ocorrida na Colômbia. Em algumas circunstâncias, há exigência de reserva de combustível para uma eventual viagem de retorno ao aeroporto de orígem. Jamais deve ser autorizada a decolagem de um aparelho em condições precárias de reserva de combustível, muito menos no limite extremo do tempo de voo com os tanques cheios. Eu fiquei literalmente surpreso quando ouvi dizer que no plano de voo constava que a duração da viagem seria igual à autonomia do aparelho. Eu esperava que as autoridades bolivianas, ao ver semelhante despautério, tomassem providências no sentido de impedir a decolagem da aeronave. No entanto o que vimos é que depois de algumas palavras a respeito, tudo ficou resolvido e a viagem começou.
- Posteriormente tomei conhecimento do fato de que o mesmo aparelho havia feito, nos últimos meses, voos em condições idênticas, isto é, realizara situações, felizmente bemsucedidas, em que a duração do voo chegara perigosamente próximo do limite extremo, ou seja, estivera a ponto de não completar a viagem. Isso é estarrecedor. Como pode alguém, seja o piloto, co-piloto ou dono do avião, brincar com a vida de dezenas de pessoas, com a própria vida, para não falar no capital investido no aparelho.
- Sendo o aparelho considerado por pilotos experientes um dos mais seguros já fabricados, tendo como inconveniente o consumo elevado de combustível. Mesmo assim é frequentemente usado em regiões montanhosas, como é o caso do oeste do continente sul-americano, todo ele constituido pela Cordilheira dos Andes. Nestas regiões costumamos encontrar terminais aeroportuários com condições de operação limitadas. Pistas curtas, existências de montanhas nas proximidades das cabeceiras, tornando a operação das aeronaves de grande porte dificultadas. É inadmissível voar com pouco combustível, uma vez que sem ele o aparelho perde sua capacidade de manter-se no ar.
- Trata-se de uma companhia pequena, na verdade este era seu único aparelho em operação (os outros estão com falta de peças de reposição). Não fica difícil deduzir que enfrentava dificuldades financeiras, o que a levaria a tentar economizar o máximo possível onde quer que fosse possível. O fato de ter logrado êxito em algumas ocasiões, pode ter tornado o proprietário e mesmo a tripulação, ousados o bastante para discutir com a funcionária do aeroporto de partida, que indicou 5(cinco) inconformidades no plano de voo, afirmando que fariam o voo em menos tempo do que o esperado. Isso é, para dizer pouco, jogar com a sorte, e certamente fazer pouco caso da vida dos passageiros, sem contar os próprios tripulantes. Lamentavelmente, ou talvez graças a Deus, tanto o piloto quanto co-piloto morreram no acidente. Do contrário teriam um longo processo a enfrentar, que provavelmente resultaria em suspensão de suas licenças. Quanto ao proprietário, foi noticiado que a companhia operava na Venezuela, de onde se transferiu no ano passado ou retrasado para a Bolívia. Não estaremos sendo muito injustos ao considerá-lo um aventureiro que resolveu brincar de dono de aviões, pouco se importando com alguns aspectos de segurança e a vida das pessoas.
- A companhia dizia-se especializada em transportar delegações esportivas, como aliás demonstram seus voos nos últimos meses. O próprio time da Chapecoense havia utilizado recentemente seus serviços em uma ou duas ocasiões. A seleção argentina de futebol, voou para Belo Horizonte utilizando seus serviços, há questão de semanas, sendo que em várias ocasiões a viagem terminou com o combustível muito próximo do limite de autonomia. Não acredito que os passageiros soubessem de tal risco, pois isso certamente os levaria a negar-se ao embarque. Com certeza os dirigentes dos times desconheciam essa prática, uma vez que eles mesmos frequentemente viajam nos mesmos aviões que a delegação. Haja visto que o presidente da Chape está entre as vítimas da fatalidade.
- Não estou promovendo um julgamento das pessoas, mas proponho uma reflexão profunda sobre as razões que levam alguém a praticar semelhante temeridade. Quer me parecer que estamos diante de mais uma manifestação da ganância, da audácia diante dos limites de segurança que as condições tecnológicas impõe. Para lucrar um pouco mais, é válido por em risco o que for preciso, sem lembrar que esse pode ser o último risco que se está correndo, além de colocar as vidas de um grande número de pessoas sob as mesmas condições. Eu gostaria de ver o dono da companhia ser acareado com os familiares e amigos das vítimas. Que ali fizesse sua justificativa, ou explicação para a irresponsabilidade que cometeu. Se é que não se trata de algo bem mais grave, isto é, um crime vil e hediondo.
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Assistimos todos a uma cerimônia fúnebre de dimensões gigantescas, que deixou uma cidade inteira, emocionalmente arrasada. Dezenas de famílias tiveram entes queridos arrebatados violentamente, sem sequer terem o tempo de dizer uma última palavra de adeus. E tudo isso para quê? Provavelmente para economizar alguns milhares de dólares em combustível e despesas aeroportuárias que seriam necessários para realizar uma escala técnica de reabastecimento no aeroporto de Bogotá.
Curitiba, 05 de dezembro de 2016
Décio Adams
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Andre Gonçalves10/05/2017 at 12:57 AM
Muito bom, top demais !!!