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Mineiro sovina! – Capítulo III

 
 
As entrevistas prosseguem.
            Nos próximos três dias, a rotina seguiu, apenas houve um dia em que compareceu a dois encontros pela manhã e dois à tarde. Os estilos e tamanhos dos escritórios variavam de conformidade do gosto do(s) dono(s), e se ajustavam à disponibilidade financeira também. Entre as propostas havia de tudo. Desde as que lhe propunham algo pouco acima de um trabalho escravo e sem perspectivas de crescimento. Havia também quem propusesse algo que estava evidente ficara acima das possibilidades. Ficou na dúvida na motivação que determinara isso, mas por prudência separou as duas que lhe pareceram for a da realidade. Igualmente descartou imediatamente as que não mereceriam o esforço de serem analisadas. Feito isso restaram seis. Cinco eram praticamente equivalentes, e uma delas trazia em si um diferencial significativo.
            Fez uma análise criteriosa das outras cinco, deixando essa para o fim. Estabeleceu um paralelo entre elas e verificou que, salvo ligeiras variações, as propostas eram basicamente iguais. Qualquer uma delas não seria de modo algum desprezível para qualquer candidato a trabalho, recém formado bacharel como era seu caso. Por fim dedicou-se a estudar detalhadamente a última que sobrou. O que ela trazia de diferente das demais não era no tocante aos valores de ganhos em sim, mas na parte que se referia às perspectivas de crescimento dentro da hierarquia da empresa. Era deveras tentador imaginar que, se tudo corresse bem, em alguns anos estaria ocupando uma sala ampla, tendo sob suas ordens auxiliares, comandando uma pequena equipe de advogados iniciantes. Poderia estar defendendo causas na cidade como nas vizinhas, bem como na capital Belo Horizonte.
            Depois de anotar detalhadamente as vantagens de cada proposta, foi sentar-se com os pais e a irmã após o jantar e lhes apresentou suas conclusões. Queria saber a opinião de todos e eles lhe disseram o que pensavam. Em linhas gerais as opiniões eram condizentes com as próprias observações, apenas ligeiras divergências, que vistas do ponto de vista de cada um pareciam mais ou menos relevantes. Todavia, a proposta mais tentadora era realmente aquela que do princípio lhe parecera a melhor. Houve unanimidade na indicação dela como a melhor opção. Era no entanto necessário cuidado na assinatura do contrato de trabalho, para não cair em uma armadilha, algo bastante comum em situações análogas.
            Depois de uma intense troca de ideias e opiniões, sugestões diversas, José Silvério decidiu que escreveria uma carta educada a cada escritório, agradecendo a proposta recebida e deixando em aberto a possibilidade de futuramente voltar a fazer contato. Havia encontrado outra colocação que lhe parecera mais vantajosa e aceitara. Era importante manter-se em bons termos com os colegas de categoria. Iriam se defrontar nos tribunais, acusando, defendendo esse ou aquele cliente. Qualquer animosidade gratuitamente granjeada poderia ser nociva nessas ocasiões.
            Dedicou a manhã seguinte à redação das respectivas cartas, sobrescreveu cada envelope caprichosamente, fechou e selou. Após o almoço depositaria cada uma delas no correio e levaria aquela da proposta escolhida em mãos ao escritório. Passara-se uma semana nesse afã de comparecer às entrevistas e analisar as propostas, até tomar sua decisão. Havia deixado combinado um prazo de até sete dias para isso e portanto não estava for a disso. Se tudo corresse como o esperado, em questão de um ou dois dias estaria trabalhando. Começaria a escalada na carreira de advogado, coisa que sempre sonhara desde sua adolescência, depois que tivera oportunidade de assistir a parte de um julgamento. Aquele ritual todo o encantara e ainda lhe causava arrepios cada vez que adentrava a sala de um tribunal. Apesar de ter estado em inúmeras ocasiões presente a novos processos no correr dos anos de faculdade.
            Passada a hora do almoço, colocou em uma pequena valise os envelopes que colocaria no correio, vestiu uma roupa discreta e foi desincumbir-se do que se propusera naquela tarde. Era segunda feira. A agência dos correios não ficava muito longe e em pouco tempo as cartas estavam despachadas, pois já as havia trazido seladas. Depois seguiu até próximo à praça principal, não longe do forum, onde estava instalado o escritório da empresa de advocacia Sete Lagoas Advogados Associados S/C. Ali chegando entregou à recepcionista o envelope e ela, ao reconhecê-lo, falou:
          O doutor Onofre pediu que, se o senhor viesse, aguardasse um pouco pois ele deseja lhe dizer umas poucas palavras.
          Não tem problema. Tenho tempo e posso aguardar o tempo necessário.
          Ele está atendendo um cliente, mas em poucos minutos irá atendê-lo.
Sentou-se em uma confortável poltrona e ali ficou aguardando o momento de falar com o diretor da empresa. Pôs-se a folhear uma revista de direito que se encontrava num suporte apropriado e leu notícias recentes. Eram novidades dos últimos julgamentos e sentenças exarados nos tribunais da região e capital
Passaram-se pouco mais de vinte minutos e uma porta se abriu, dando passagem a um homem com aspecto de empresário bem sucedido, talvez um fazendeiro endinheirado residente na cidade. Quem o acompanhava era o doutor Onofre. Tão logo se despediram, o doutor Onofre o viu e logo o chamou pelo nome.
          Pode entrar doutor José Silvério.
Ele não se fez de rogado. Apenas estranhou o fato de ser chamado logo pelo nome. Pelo visto o entrevistador ficara bem impressionado com o candidato e passara as informações ao chefe ou recomendara descartá-lo. Essa última possibilidade era remota, pois nesse caso o diretor não tomaria a seu cargo fazer essa tarefa pessoalmente. Restaria aguardar e enquanto isso suar frio por um momento até o veredito.
          Sente-se doutor José.
          Obrigado doutor Onofre. (Guardara bem o nome para não esquecer).
          Como tem passado?
          Bastante atarefado em comparecer a várias entrevistas, analisar as propostas e tomar decisão.
          E qual foi sua decisão? Vai trabalhar com a gente?
          Acabo de entregar a carta de aceite à recepcionista. Se quiser posso pegar com ela.
          Deixe que eu mesmo peço para ela trazer.
Levantou o interfone e falou à recepcionista, ordenando que lhe trouxesse a carta que José Silvério deixara em suas mãos. Em segundos a porta se abriu e a funcionária entrou trazendo o envelope, que entregou ao doutor Onofre.
Tomando de um instrumento apropriado, cortou o lado certo e de dentro retirou uma folha de papel, onde estava declarado por José Silvério o aceite da proposta recebida para trabalhar no escritório que Onofre dirigia. Depois de ler atentamente a carta, doutor Onofre falou:
          Seja bem vindo ao nosso grupo. Sua qualificações são as melhores possíveis, suas respostas na entrevista deixaram excelente impressão e além do mais, um de nossos sócios conhece seu pai há muitos anos. Trata-se do doutor Carlos Oliveira. O pai dele é cliente do comércio de seu pai.
          Acho que conheço. Estava cursando direito quando eu ainda estava no secundário.
          É provável que sim e as recomendações dele não poderiam ser melhores.
          Fico contente em que tenham gostado de minhas qualificações e também da minha maneira de encarar a vida.
          Já temos um lugar reservado para seu começo. Como ainda não tem registro da OAB, vai atuar como assistente dos advogados em atividade. Em princípio vai atuar mais diretamente sob as ordens do doutor Carlos Oliveira, mas eventualmente posso requisitar seus préstimos, assim como os outros colegas. Vai ter bastante trabalho. Isso garante pelo menos que não irá se aborrecer.
          Quando devo começar?
          Amanhã é um bom dia. Hoje já está chegando ao fim do dia. Mas esteja aqui amanhã às 8 horas e vamos lhe mostrar o que fazer.
          Obrigado e prometo me esforçar para não decepcionar.
          Tenha uma boa tarde, doutor José.
          Igualmente, doutor Onofre.
Deixou o escritório, deu adeus à secretária e saiu para a rua.
Foi assim que o bacharel em direito, José Silvério da Silva, começou a dar os primeiros passos na profissão de advogado. Enquanto adquiria prática atuando como assistente dos advogados que trabalhavam no escritório, foi se preparando para realizar o exame da OAB. Só depois poderia atuar individualmente, tornando-se responsável por causas. Ter a seu serviço um assistente e secretário, o que não ocorria no começo. Sonhava com o dia em que teria seu próprio gabinete. Uma sala onde teria a seu dispor todos os requisitos de conforto e privacidade para tratar com os clientes que lhe fossem destinados.
Os bons resultados obtidos na universidade lhe valiam o respeito dos patrões e também dos colegas de trabalho. Isso era um grande passo. Teria tempo para galgar os degraus sucessivos da profissão. Não lhe faltava ambição para tanto e nem tampouco capacidade para deslindar os mais complexos meandros do direito processual brasileiro. Por vezes era preciso ser um verdadeiro desvendador de labirintos, para conseguir enxergar claro no cipoal de leis, decretos e normas a serem seguidas. As precedências e mesmo algumas contradições tinham que ser harmonizadas para o bom andamento dos trabalhos.
Os meses correram acelerados, ocupado que estava com sua preparação para a prova da OAB e o trabalho de análise dos processos, redação de pareceres, nem se deu conta e estava às vésperas da realização da prova. No dia marcado, lá estava ele, como nos tempos da universidade, nervoso, as mãos suadas. Estava enfrentando o momento decisivo em sua vida. Sem o registro da OAB não seria um advogado de verdade. Só poderia defender os clientes diante do juiz ou dos jurados, quando tivesse sido aprovado nesta prova. Tinha que manter a calma, por em uso tudo o que havia aprendido e a experiência adquirida durante os meses no escritório.
Aguardou com ansiedade a publicação do resultado. Quando encontrava com outros candidatos que haviam feito a mesma prova, aproveitava para trocar ideias, discutir respostas às questões que considerava mais polêmicas, em especial as que tinham que ser respondidas por escrito. No dia em que soube da publicação do resultado, correu para a primeira banca de jornais e comprou um exemplar onde buscou avidamente a página em que estavam estampados os nomes dos aprovados. Já estava à beira das lágrimas, quando finalmente viu o seu nome estampado na lista dos aprovados. Soltou um grito de alegria, assustando as pessoas que se encontravam ao seu redor. Houve quem lhe indagasse o que significava aquela euforia. Meio atabalhoadamente lhes mostrou o título da matéria e seu nome estampado na lista.
Em seguida encaminhou-se apressadamente para o escritório. Queria compartilhar com os colegas e em especial com os seus contratantes. Agora seria questão de dias para que tivesse em seu cartão de visitas impresso o número de registro na OAB. Seria um advogado em todos os sentidos, não apenas um bacharel em direito. Teria oportunidade de exercer a profissão para a qual tão arduamente se preparara. Gostava do glamour da profissão, mas principalmente, amava a justiça. Iria envidar todos os esforços para que sempre se fizesse o que a lei estabelece e o que o bom senso manda.

 

            Foi parabenizado efusivamente pelo escritório inteiro, a começar pelos sócios e terminando nas faxineiras e serventes. Ligou para o pai, para lhe informar da novidade.  Ao saber da notícia, o Sr. Pedro, não conteve as lágrimas, correu ao encontro da esposa para lhe contar a boa nova. Deixou o estabelecimento por algum tempo aos cuidados dos empregados e foi encontrar com o filho. Precisava dar nele um abraço. Antes de sair pediu à cozinheira a preparação de uma refeição especial para o almoço. Queria comemorar em família, a conquista do filho. 

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