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Mineiro sovina! – Capítulo IX.

 

Entrega das intimações
Três semanas depois de encaminhados os processos, foi marcada a audiência para eventual conciliação ou julgamento da matéria. Em havendo evidências para o proferimento de sentença, o Meritíssimo Juiz da vara cível proferiria a sentença, da qual caberia recurso, para produção de novas provas de ambas as partes litigantes. Não havendo recurso, a sentença seria executada e o processo arquivado como concluido. As intimações às partes e testemunhas foram emitidas, havendo um prazo entra a data de intimação e a realização da audiência, visando permitir à parte demandada constituir sua defesa, arrolar testemunhas e provas em seu favor.
A entrega das intimações precise ser realizada em mãos pelo oficial de justiça. Como ambas as partes residiam na mesma redondeza, um mesmo oficial foi encarregado da entrega de todas as intimações. Chegou primeiramenete na casa de Onofre, onde não encontrou dificuldade em realizer sua tarefa. Ao contrário, o mesmo ficou contente em saber o dia em que seria feita justiça em seu favor, disso tinha certeza. Depositava no doutor José Silvério uma confiança quase cega. Faria o possível e o impossível para ganhar essa causa em seu favor.
Quando chegou na propriedade de Jerônimo de Alcântara, a situação ficou complicada. Ao ver o veículo com placa oficial o proprietário ficou de cabelo em pé. Ouvira murmúrios de que o vizinho havia contratado advogado para questionar seu direito ao uso da água da vertente, próxima da divisa. Sempre desconfiara de que aquela demarcação realizada anos antes, no tempo de seu pai, quando ele era criança, não for a feita com lisura. Quando teve oportunidade contratou um agrimensor que fez, sem avisar o vizinho, uma nova demarcação e agora a vertente estavam em seus domínios.
Acolheu o oficial com a carra amarrada, esperando para ver o que viria. Ao saber do que se tratava, ficou furioso. Deu um berro e imediatamente um par de capangas surgiu ao seu lado, perguntando o que acontecia e ele lhes dissect:
– Botem para correr esse oficialzinho de justiça. Não vou assinar intimação alguma e quero ver quem vai me obrigar.
– Senhor, não precise de violência. Nós vamos embora e o senhor receberá de outra forma essa intimação.
Deu meia volta, embarcou no jipe e voltaram para a cidade. Alguns dias depois, duas viaturas da polícia militar, transportando um contingente de oito soldados e um sargento, escoltaram a viatura do oficial de justiça ao patio da fazenda de Jerônimo. Os policiais ficaram aguardando, mantendo as armas ao alcance das mãos, enquanto o oficial fazia a entrega da intimação. Diante dessa demonstração de força, Jerônimo manteve a custo a raiva, e assinou a intimação. Havia nesse interim procurado um advogado que lhe aconselhara receber por bem a intimação, do contrário iria responder por mais um ato delituoso. Desacato à autoridade, por ter usado a intimidação diante do oficial de justiça. Tinha que cuidar para não complicar mais o que parecia não ser tão simples como ele pensare que fosse.
Depois de assinar a intimação, o sargento desceu da viatura e chegou perto, dizendo:
– Senhor Jerônimo, eu trago uma ordem de prisão contra sua pessoa, emitida pelo Exmo. Juiz da vara cívil, por desacato a autoridade do oficial de justiça no dia em que veio lhe entregar a intimação que agora o senhor recebeu. O senhor me acompanha por bem, ou vou ter que usar a força?
Olhou ao redor e ali estavam os soldados com as mãos prontas para empunhar as armas em defesa de seu chefe.
– Eu vou, mas no meu automóvel.
– Alguém vai levar seu automóvel e o senhor nos acompanha na viatura. Quando o Juiz lhe liberar vai voltar com quem lhe for buscar.
– Mas sargento…
– Nada de mas, senhor Jerônimo! Nem meio mas! Ou prefere ser algemado agora mesmo?
– Casimiro, pega aqui as chaves e os documentos do auto. Venha atrás da gente para me buscar. Aliás já passa logo no doutor Paulo e peça para ele providenciar minha soltura.
– Pois não patrão. Vou levar o Chico comigo para não ir sozinho.
– Mas não siga muito perto das viaturas. Mantenha pelo menos cem metros de distância, – falou o sargento.
Todos embarcaram, fizeram a volta e rumaram para a cidade. Em poucos minutos era possível ver, seguindo atrás dos veículos oficiais, a caminhonete de Jerônimo, indo em sentido da cidade. Quem passava pela estrada ficava achando estranha a presença de Jerônimo do veículo policial e os empregados dirigindo sua caminhonete. Não tardou a notícia chegar aos ouvidos de Onofre e este se rachou de dar risada. Ficara sabendo que o vizinho botara para correr o oficial de justiça na primeira vez e agora estava levando o que merecia. Aprenderia a respeitar autoridade.
Chegaram ao forum e levaram Jerônimo direto para a ante-sala do gabinete do juiz. Foi anunciada a sua presença e logo o magistrado mandou que o fizessem entrar. Era um homem bem menos arrogante e altivo que estava ali. Mantinha-se de cabeça baixa esperando o veredito do juiz. Este folheou uma pequena pasta e, puxando os óculos sobre a ponta do nariz, encarou o homem a sua frente e falou:
– Então esse é o homem que não recebe intimação das mãos do oficial de justiça? Chama os capangas e manda por para correr a autoridade! Que tal fazer isso agora, aqui na minha frente, senhor Jerônimo! Vamos, comece.
Diante do mutismo do homem, o juiz tornou a falar:
– Engraçado, parece que o gato comeu sua língua agora, ou a perdeu na estrada! Eu devia lhe botar na cadeia por trinta dias pelo menos, seu Jerônimo. Mas como tem pouco mais que isso para providenciar sua defesa no processo de litígio de divisas e outras pendengas, vou fixar sua fiança. Providencia um advogado para trazer o dinheiro e depois o libero. Levem ele para a sala de detenção provisória até que o advogado venha livrá-lo dessa enrascada.
– Meu advogado daqui a pouco estará aqui. Pode fixar a fiança que e providencio o dinheiro.
– Já vou fazer isso, mas não quero lhe ver mais na minha frente antes do dia da audiência. Agora pode ir e se controle, ou mando lhe aplicar um corretivo.
Em questão de meia hora o advogado, doutor Paulo de Andrade, chegou e recebeu das mãos do juiz a fiança estipulada. Foi falar com Jerônimo e lhe disse:
– Fique calmo e vamos logo providenciar esse dinheiro. O senhor escapou liso. Esse juiz é severo e não gosta de ser desobedecido. Onde foi que estava com a cabeça ao botar para correr o oficial de justiça?
– Nem eu sei direito, doutor! Me deu uma raiva naquele dia e não me controle. Quando vi já tinha feito.
– Isso poderia ter custado bem mais caro, seu Jerônimo.
– Posso fazer um cheque para retirar no banco antes que feche?
– Faça logo pois não demora para fechar o expediente.
O cheque foi preenchido, sendo acresdido do honorário do advogado. Ele tivera que interromper uma entrevista importante para atender a emergência do cliente. Não faria isso sem cobrar seu trabalho.
Quando o dinheiro da fiança chegou às mãos do juiz, feito o recibo, imediatamente foi dada a ordem de soltura do detido. Os capangas aguardavam do lado de fora com a caminhonete para levar o patrão para casa. Estavam assustados, pois nunca haviam passado por uma situação dessas. O mais perto que haviam chegado de um juiz era alguns quilômetros de distância. Hoje tinham ficado a espera diante do forum, vendo entrar e sair grupos de policiais, viaturas adentrando o patio, homens de terno e gravata chegando e saindo. Queriam rapidamente sair dali e voltar a sentir-se em seu elemento, bem longe daquele lugar.
Jerônimo não estava para muita conversa. Apenas respondeu com monossílabos às perguntas dos capangas que logo notaram e se mantiveram em silêncio. Não era aconselhável perturbar o patrão quando estava enfezado. Os dias seguintes foram de intensa movimentação na propriedade de Jerônimo. Foram frequentes visitas ao advogado, levando testemunhas, documentos solicitados pelo advogado, para preparar adequadamente a defesa. O tempo era escasso, pois a teimosia do acusado, consumira preciosos dias que teriam sido importantes na preparação da defesa.
Nesse meio tempo, Antônio B. Lemos visitou, em companhia de José Silvério, a fazenda de Onofre, para fazer o levantamento detalhado de todos os quadros de Isabel. Ao todo catalogou 112 peças, incluindo os que estavam na casa, enfeitando as paredes. Foi preciso identificar cada um com um nome e foi Isabel que teve a tarefa de fazer a escolha dos nomes. Muitos eram óbvios devido ao objeto retratado, outros ao contrário, exigiam uma denominação diferenciada para evitar a repetição de nomes. Fez uso de indices numéricos para tal. Cada um recebia, junto ao nome, a data de conclusão. Dessa forma formou-se um acervo bem seleto. Nada havia a excluir, mesmo os produzidos logo no início da atividade. Permitiam traçar a trajetória evolutiva da artista.
Com um catálogo de fotografias detalhadas em mãos, Antônio procurou os proprietários da galeria e negociou o evento. Conseguiu uma semana livre em um prazo de 90 dias. Levou Isabel para assinar o contrato com a galeria e patrocinadores. Foi estabelecido um valor mínimo para cada peça a ser exposta e feito o mapa da exposição. Ao entrar o visitante encontraria os trabalhos de início da carreira e aos poucos vinham os de datas mais recentes, até o dia mais próximo da data do evento. Instada por Antônio ela levou uma tela inacabada e cada dia dava algumas pinceladas dando a impressão de um trabalho em construção. Dessa forma era comum os visitants encontrarem a pintora com o avental, pincéis e tintas em punho, dando algumas pinceladas.
Enquanto aguardavam a realização do evento, eram feitos contatos com outras galerias, principalmente da capital e muitos machand’s confirmaram a presença para conhecer a nova artista. Alguns expoentes do mundo artístico confirmaram presença na noite de inauguração, o que viria abrilhantar a noite. Nos dias subsequentes haveria horários de visitação no período da manhã, tarde e começo da noite.
As semanas passaram rapidamente e o dia da audiência se aproximava. Num dia desses, Onofre se viu frente a frente com o vizinho Jerônimo, aos air de uma agência do Banco do Brasil. Onofre ia passar sem dizer palavra. O vizinho o interpelou:
– Está imaginando que vai ganhar a causa, coronel? Pode esquecer. Meu advogado vai dar uma surra no seu, aquele molecote, filho do dono da mercearia e vai arancar de você uma boa indenização.
– Tem certeza?
– Se tenho! São favas contadas. Depois vou dar uma festa em comemoração, paga com seu dinheiro, coronel de meia pataca.
– Veremos, Jerônimo. Tenho mais o que fazer. Passar bem vizinho.
O que Jerônimo não sabia é que Onofre, com o mapa e laudo da demarcação feita anteriormente, fora ao cartório e registrara o documento. Dessa forma ele passara a fazer parte da documentação da propriedade e nele estava claramente especificada a localização da vertente motivadora da discórdia. O doutor Paulo, recebendo um mapa inverso, datado de época mais recente, mas sem o devido registro, tinha absoluta certeza de que a causa estava ganha. Disso resultava a certeza de Jerônimo quanto ao resultado do julgamento que resolveria a questão.
Antes de empreender o retorno, Onofre passou no escritório e contou a José Silvério o encontro que tivera com o seu desafeto. Foi aconselhado a não revidar nenhuma provocação. Até mesmo os seus empregados deveriam reagir a eventuais agressões provenientes de empregados de Jerônimo. Qualquer ato impensado viria prejudicar o resultado do processo. Seria preciso manter a serenidade, mesmo a custa de muito esforço. Havia a possibilidade de ser contratado algum pistoleiro para executar alguma forma de vingança, antes ou depois do julgamento. Era recomendavel não sair sozinho da propriedade e nem percorrer sem acompanhante os seus domínios. Infelizmente ainda não era possível confiar inteiramente nos trâmites da justiça. Uma bala perdida, disparada de tocaia era capaz de causar muito mal e depois não haveria sentença que desse resultado.

 

Onofre falou que já adotara desde algumas semanas, especialmente quando soubera do episódio do oficial de justiça posto a correr pelo vizinho, a providência de estar sempre acompanhado de pelo menos um de seus tabalhadores. Não convinha se expor sem necessidade. Talvez depois da sentença, com algum tempo para digerir a questão, o vizinho viesse a se tornar menos agressivo e truculento. 

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