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Mineiro sovina! – Capítulo XIX

 

Vista de Sete Lagoas.
Encontrando o rival.
         Conforme combinado na terça feira a família Pires se dirigiu para a cidade. Começaram por visitar o escritório da empresa estadual de energia elétrica. Levaram os documentos de identificação da ligação existente e expuseram suas inteções de ampliar o uso da energia. Seria preciso instalar um transformador mais potente no ponto de distribuição para suportar a nova demanda. Além disso precisaria ser colocado mais um cabo, completando as três fases. A vantagem existente era que recentemente fora implantado um benefício que tornava o custo da energia para instalações rurais mais atraente. Havia redução de impostos e taxas, de modo que, provavelmente, apesar do maior consumo haveria talvez uma leve queda na fatura mensal. Na pior das hipóteses a elevação seria insignificante.
         Encaminharam a solicitação de realização dos serviços necessários e autorizaram a cobrança dos custos relativos a isso. Ao saírem dali Isabel olhou bem para o pai e disse:
         – E o senhor preocupado com a conta de energia, hein pai! No final das contas vai ainda economizar com a coisa toda.
         – Uai! Tem alguma coisa contra economizá?
         – Não, pai. Claro que não. Só chamei a atenção para o fato de que, pensando em ter um gasto maior, ele vai ser menor ainda. Mas não tem problema. Prometi e vou pagar a conta.
         – Parem de ranzinzar aí, vocês dois! – falou Maria Luisa.
         – Melhor mesmo, mãe. Vamos agora ver as máquinas.
         A concessionária das máquinas de beneficiamento de café estava instalada a poucas quadras e em poucos minutos estavam estacionando no gigantesco pátio. Era um grande número de máquinas ali expostas para propriedades de todos os tamanhos. A Fazenda Pires era uma das grandes e precisaria o que fosse a última palavra no assunto. Ao ver os preços coronel Onofre se arrepiou inteiro. Já estava pronto a dizer que não iria querer nada e continuar a colher, manusear o café na forma como sempre fizera.
         Isabel não lhe deu ouvidos e falou ao vendedor:
         – Me veja o tudo que for preciso para beneficiar o café na fazenda de meu pai. Ele está querendo ir embora, mas pode fazer o orçamento. Eu vou pagar e dar de presente a ele.
         – Venha aqui que vou mostrar o que vai resolver seus problemas.
         Caminhou resolutamente na direção das máquinas maiores e mais modernas. Rapidamente descreveu o que cada uma fazia e quanto seria o custo, o consumo de energia elétrica além de pessoal necessário na sua operação.
         – E tem como treinar os empregados para trabalhar com isso? São todos xucros e nunca mexeram em dada disso.
         – A empresa fornece treinamento no local. Depois fica supervisionando por uma semana ou mais dependendo da necessidade.
         Vendo a soma de tudo, Isabel viu que teria como arcar com esse custo sem nenhum problema. Depois do sucesso que fizera na Europa, provavelmente se pusesse à venda meia dúzia de seus novos trabalhos já arrecadaria muito além do necessário. Sem contar com o seu fundo resultante da venda e excursão durante a maior parte do ano. Chamou o pai e falou:
         – Está tudo comprado, pai!
         – Uai! Eu num falei nada. Tava esperando ocies para ir embora.
         – Deixe de ser sovina, meu pai! Eu já fiz o cheque da entrada e quando instalarem, pago o restante. Do total que ganhei com meu trabalho, sobrou muito mais da metade.
         – Nem começa a resmungar, veio! – disse Maria Luisa.
         – Uma me chama de sovina, a outra me chama de véio, eu mereço isso. Devo de ter jogado pedra na cruiz di Nosso Sinhor!
         – Agora vai se fazer de coitadinho. Isso não vale.
         Nisso José, desconfiado de onde estariam, chegou e ouviu as últimas palavras. Chegou e cumprimentou sem dizer mais nada. Apenas ficou olhando para coronel Onofre.
         – Uai! Num é isso mesmo que tão fazeno? A fia me chama de sovina, a muié me chama de véio! Tô bem arranjado dessa manera.
         – Coronel! Não reclame de barriga cheia.
         – Estou dando de presente para ele as máquinas, a nova rede de energia e os aparelhos de ar condicionado. Ainda por cima a conta de energia vai até baixar um pouco quem sabe. Mas vou manter minha promessa. Vou pagar a conta. E mesmo assim está reclamando.
         José olhou sorridente para o coronel que, diante das palavras da filha e do olhar do seu noivo ficou sem ação. Depois de instantes falou:
         – Estou virado um traste sem serventia memo. Acho que vou para um asilo de véio. Assim não dou trabaio.
         – E quem disse que o senhor dá trabalho, pai?
         – Já fecharam negócio?
         – Falta só emitirem a nossa via do pedido e providenciar tudo. Tem uns itens faltando no estoque. Em uma ou duas semanas vão começar a instalar tudo. Talvez ainda dê tempo de beneficiar o café dessa colheita que está começando a madurar.
         – Mas isso é ótimo. Anime-se coronel. Sua propriedade vai ganha muito com isso. Diminui as perdas, obtém melhor classificação no mercado. Só tem a ganhar.
         Nisso o vendedor chegou trazendo a via do pedido e o recibo de pagamento da entrada. Entregou nas mãos de Isabel que os dobrou e guardou na bolsa. Estendeu a mão ao vendedor dando adeus e convidou os demais a seguirem até uma loja que vendia os aparelhos de ar condicionado. Havia várias na cidade, mas uma era habitualmente a mais barateira, além de vender os melhores aparelhos. José fizera no dia precedente algumas indagações por telefone e confirmara essa informação.
         Era nessa loja que se encontrava a maior variedade de modelos, tamanhos e marcas, sem contar os melhores preços da praça. Foram até lá e Isabel retirou da bolsa uma folha de papel onde anotara as dimensões dos cômodos onde pretendia instalar os aparelhos. Em vista disso havia a indicação apropriada da potência necessária para uma melhor refrigeração dos ambientes. Um de menor potência, além de não obter o rendimento desejado, corria o risco de queimar devido ao funcionamento continuado na potência máxima. O objetivo era instalar e não ter incômodo por muitos anos, salvo as manutenções de limpeza que eram de praxe. Vendo a soma dos vários aparelhos, Onofre quis diminuir a quantidade, dizendo:
         – Num percisa tanto parelho. Apenas dois ou três basta pra casa toda.
         – Pai, se quiser que um ou dois aparelhos refrigerem a casa inteira, não dá certo. É preciso fechar a porta do quarto e regular para não ficar nem muito frio, nem quente. O objetivo é ter um ambiente agradável. Merecemos dormir bem à noite.
         – Coronel Onofre! Isabel tem razão. Esses aparelhos são feitos de diferentes tamanhos para atender às necessidades de ambientes maiores e menores. Tem lugares que se instalam dois para ficar bom num ambiente um pouco maior.
         – Mais viu o quanto isso vai custa?
         – Isso é uma pechincha.
         – Pechincha por que não é de seu bolso que vai sair a gaita.
         – Nem do seu, pai. Eu vou pagar como prometi. Por isso fique sossegado e deixe-me negociar com o homem aqui.
                   Após alguns minutos de propostas, somas, subtrações, contrapropostas e no fim um generoso desconto para pagamento à vista, o negócio foi fechado. A entrega ficou combinada para o final da semana. Isabel perguntou ao vendedor:
         – O senhor pode nos indicar alguém para fazer a instalação correta desses aparelhos?
         – A rede de energia comporta?
         – No escritório da Companhia de Eletricidade nos informaram que o que temos instalado dá para suportar a carga dos ar condicionados. Mas contratamos a troca da rede por uma trifásica por causa das maquinas de beneficiamento de café. Então vai ser tudo mudado.
         – Mas aí será apenas uma mudança de uma rede para a outra. Isso não atrapalha.
         – Procure esse endereço e diga que fui eu que mandei. Eles vão fazer um preço camarada e o serviço é garantido.
         Isabel fez mais um cheque e o coronel Onofre só olhava. Sentiu-se sem chão. Sempre fora sua a decisão de efetuar investimentos, fazer despesas na fazenda. Era de seu bolso que saia o talão de cheques para pagar. Hoje estava apenas assistindo uma pequena fortuna ser gasta e não tinha nem sido perguntado. De sua livre vontade, nada disso tudo teria sido gasto. Achava desnecessário. Não carecia tanta modernidade, tanto dinheiro limpo gasto, na sua visão, sem necessidade. Mas não tinha mais autoridade sobre a filha que era maior de idade, ganhara o dinheiro com seu trabalho e gastava como queria.
         Sentiu que aquela coisinha pequena crescera, virara mulher, e que mulher, ficara famosa, viajara mundo. Agora estava ali gastando o próprio dinheiro e fazendo a própria vontade. O noivo, como um boi sonso, nem ousava abrir a boca. Apenas sabia dar razão à noiva. A mulher, também dava razão à filha. Estavam todos fazendo complô conta ele, um pobre velho, sem serventia.
         Faltava pouco para o meio dia e deixaram a visita ao homem que seria contratado para instalar os aparelhos para depois do almoço. Foram alamoçar juntos no restaurante que ficava a poucas quadras do escritório. Assim José teria tempo de voltar lá a tempo de atender aos compromissos marcados para a tarde.
         Em meio à refeição os olhos de Isabel custaram a crer no que viam. Algumas mesas distante da que ocupavam viu, de perfil, o pintor que conhecera em Milão. Seu nome era Giovanni dal Piccollo. Voltou os olhos para o prato e logo depois voltou a olhar. Não se enganara. Era ele mesmo, não havia dúvida. O que estaria ele fazendo ali em Sete Lagoas? Sua estréia em Belo Horizonte estava marcada para a semana seguinte. Não lembrou se lhe havia informado seu endereço, mas isso não teria sido difícil para descobrir. Bastaria olhar os folhetos espalhados aos quatro cantos da Europa inteira. Sentiu um misto de apreensão e dúvida.
         Continuou comendo mas ficou pensativa. José Silvério não tardou a notar o olhar fixo da noiva naquela mesma direção seguidas vezes. Disfarçadamente virou para trás, como que olhando para o outro lado, mas se virara o suficiente para ver para quem ela olhava. Viu um rosto masculino que ficara gravado na mente desde a hora do jornal na noite se sábado. Suas suspeitas recrudesceram. Ele tinha vindo por causa de Isabel. Mas por que razão ela deixara de lhe falar sobre isso? Estaria tentando abafar um sentimento que julgava inconveniente e inoportuno? O noivado e seu mergulho no trabalho representavam uma fuga?
         Tanto um quanto o outro perderam o apetite a partir daquele momento. Logo depois o homem levantou ao terminar sua refeição e ter pago a conta. Dirigiu-se para o balcão da recepção e perguntou ao caixa alguma coisa. Este escutou atentamente e em seguida se inclinou, falando alguma coisa e apontando na direção da mesa em que eles estavam sentados. Este lance passou desapercebido pois por um momento haviam estado ocupados e saborear a sobremesa que acompanhava a refeição.
         O susto foi grande quando ouviram uma voz estranha ao lado da mesa, dizendo:
         – Bona cera, signiorina Isabel! Bona cera, signiora i signiores.
         Tomados de surpresa passaram-se alguns segundos até que Isabel conseguisse articular as palavras:
         – Boa tarde, Giovanni! Como vai?
         – Io voglio bene. Uma agradabile surpresa!
         – José, pai e mãe, esse é o Giovanni que conheci em Milão.
         Três mãos foram estendidas alternadamente e apertarama mão do estranho, dizendo por sua vez Boa tarde!
         – Quer sentar-se, Giovanni?
         – Gratie! Neste minuto teminé de almoçar.
         – O que está fazendo por aqui? Sabia que vai estar em Belo Horizonte semana que vem.
         – Io veni fazere una visita a mi amica Isabel.
         Aquela conversa não estava agradando a José. Sentiu o verme do ciúme corroer sua alma. O que aquele italiano velhusco tinha vindo fazer ali? Só podia estar em busca do amor de Isabel, da sua Isabel. Ele que sentasse para esperar, pois seria um páreo à altura. O outro poderia ser famoso na pintura, ter experiência com mulheres, coisa bem provável. Mas ele tinha de seu lado as leis e a juventude. Além disso os pais da noiva lhe dariam apoio certamente. Mesmo assim sentiu-se flutuar num mar de incertezas. O que fazer para perscrutar o fundo da alma da mulher que dizia amá-lo e agora recebia a visita de um estrangeiro, estranho de todos, apenas visto uma ou duas vezes na Itália meses passados.
          Giovanni não deixou de notar o ambiente pesado que se fez no lugar. Viu que nas mãos direitas dos jovens havia alianças e tentou lembrar se o hábito brasileiro era de usa-las na mão esquerda ou direita quando casados. Não pode ter certeza, mas percebeu que alguma coisa havia entre eles. Teria que disputar a preferência da bela Isabel com esse brasileiro e sentiu-se autoconfiante. Tinha contra si a idade, mas contava com seu charme, sua experiência adquirida em longos anos de viagens ao redor do mundo, expondo e visitando exposições. Participara de encontros de pintores, artistas plásticos em geral e tivera um grande número de aventuras, tanto com jovens aspirantes ao estrelado artístico, como outras já consagradas.
         No entanto em nenhum momento sua alma ficara tão enlevada como diante da desconhecida brasileira. Ela lhe arrebatara o coração ao ponto de quase cometer uma loucura na ocasião. Conseguira, a muito custo, controlar os impulsos e um evento fortuito contribuira para impedir a realização de seu intento. Agora a encontrava noiva ou casada com um patrício. Isso complicava tudo. Precisaria ter cuidado, pois não deixara de ouvir ela chamar o casal idoso de pai e mãe. Com certeza eles ficariam do lado do noivo, uma vez que estavam almoçando juntos ali no restaurante. Viera antes para a região, esperando ter tempo de estabelecer um contato mais duradouro.
         Passou um longo momento a meditar sobre qual decisão tomar. Ir embora e debitar seu entusiasmo na conta de mais uma frustração amorosa? Ou partir para a luta, disputar com o outro, bem mais jovem, o coração da linda mulher e excelente artista? Nesse momento lhe ocorreu perguntar:
         – Onde es sua casa?
         – Fica a uns trinta quilômetros daqui, Giovanni. Moramos numa fazenda de café.
         – Interessante. Com certeza és mui bonito!
         – Nós gostamos demais.
         – Io gostaria de conhecer. Posso?
         Isabel olhou para os pais interrogativamente e Maria Luisa falou:
         – O que ele quer?
         – Quer conhecer a fazenda.
         – Eu levo ele no sábado, – falou José Silvério abrindo a boca pela primeira vez.
         Isabel percebeu em suas palavras um frêmito de indignação e se deu conta do que acontecia. O seu noivo estava enciumado até a raiz do cabelo. E não deixava de ter razão, uma vez que ela também sabia quais eram as intenções do italiano. Viera tentar completar a conquista que não conseguira concluir em Milão. Ela não queria criar uma cena ali e nem magoar o noivo. Buscou freneticamente em seu intelecto por uma saída que a deixasse em boas condições tanto de um quanto de outro lado. Indispor-se com um artista já famoso poderia significar perder admiradores de sua arte. Já provocar ainda mais o ciúme já à flor da pele do noivo, lhe traria sérios problemas para o futuro.
         Sabia desde muito jovem que, confiança uma vez perdida, nunca mais se reconquista totalmente. Sentiu-se presa em uma cilada. Para o lado que se virasse via diante de seus olhos um resultado desastroso. Finalmente resolveu dizer:
         – Giovanni, meu noivo José, se propôs a leva-lo no sábado até a fazenda. Assim haverá tempo de preparar um outro aposento para acomodar vocês dois, um em cada lugar.
         – Non posso ire hoje?
         – Estamos fazendo uma pequena reforma na casa e está tudo desarrumado.
         Maria luisa sentiu um arrepio na espinha. Percebeu que ali havia coisa. De onde a filha tirara a ideia de reforma na casa? Nem sequer haviam sido citada tal hipótese. Se fosse preciso, teriam todos que confirmar as palavras dela. O próprio José percebeu a manobra de Isabel e se tranquilizou. Ela estava achando uma forma polida de se livrar do inconveniente italiano. Dissera diante da TV ao vê-lo que ele tentara uma aproximação na Itália e ela o mantivera a distância. Certamente concordava com ela não querer causar nenhum escândalo em prol de sua carreira artística.
         Diante da situação o visitante, um pouco frustrado, falou:
         – Podemos al menos dare um passeo por la citá? Me pode mostrar o que tem de bonito. Dopo io volto para Belo Horizonte.
 
Parque e lago de Sete Lagoas.

 

Cinema de Sete Lagoas.
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
       Essa proposição agradou a José mais do que a possibilidade de estarem os dois, ele e o estranho na fazenda, literalmente disputando a preferência de Isabel. Era visível o olhar cobiçoso que o mesmo lançava sobre o corpo jovem dela. Um passeio, acompanhada dos pais pela cidade seria algo menos arriscado. Pediram a conta e depois José se despediu dizendo:
         – Vou ter uma audiência muito importante daqui a pouco. Do contrário iria com vocês.
         Deu um beijo carinhoso em Isabel e foi para o seu carro. Os quatro restantes embarcaram no carro dela e foram falar com o homem encarregado da instalação dos aparelhos de ar condicionado. Essa questão veio exatamente a calhar. Combinava com a realização de uma pequena reforma e posterior instalação dos aparelhos. Giovanni estava estranhando o calor e imaginou o que seria dormir uma noite sem o conforto do ar condicionado. Realmente essa vida não era para ele. Perdera mais uma partida. Porém mal sabia o quanto estava longe da verdadeira história.
         Depois de combinada o serviço para ser realizado na semana seguinte, Isabel levou o amigo para conhecer os principais lugares turísticos da cidade. Os lagos que davam o nome à cidade, a vista da Serra do Cipó ao longe, o fórum onde o noivo atuava frequentemente, a Igreja matriz, um pequeno museu, a galeria de artes onde começara sua vida artística para o público cerca de um ano atrás. Quando o sol se aproximava do horizonte, ela o deixou na portaria do hotel e se despediu.
         Numa última tentativa ele tentou leva-la para um lado e conversar mas ela não aceitou. Em desespero ele suplicou ao menos um beijo:
         – Um bacho! Solo um bacho!
         – Eu nunca lhe dei esperança, Giovanni. Você veio aqui a minha procura por sua vontade. Não lhe convidei nem disse onde morava.
         – Arrivederche Bella! Te levare nel mio cuore por tuta la vita.
         – Seremos sempre bons amigos, – disse Isabel.
         Virou-se e entrou no carro. Quando viraram a primeira esquina, ela viu o italiano acenando no meio da rua. Se expunha a ser atropelado, pois o lugar era relativamente bem movimentado. Mas ele parecia não se importar com mais nada. Por sorte nada aconteceu. Alguns carros freiaram forte e buzinaram. Ele saíu da rua de um salto e em seus olhos era visível o pranto correndo. Era a própria imagem do desespero. Os funcionários da portaria do hotel viram a cena e ficaram perplexos. Haviam visto que ele estivera falando com a filha do coronel Onofre Pires. Ela era uma pintora famosa agora e motivo de orgulho de todos os moradores do lugar.
         Em pouco tempo o homem descia com suas malas e pediu para fechar a conta. Ninguém lhe fez perguntas e nem ele falou nada. O estranho era que havia chegado pouco antes do meio dia e antes do anoitecer ia embora. Nem a cama fora desfeita. Não entenderam nada direito, apenas sabiam que ali existia amor não correspondido. Pouco depois que ele saiu em direção à rodoviária, chegou ao hotel o doutor José Silvério, figura igualmente conhecida nessas alturas. Indagou do italiano e lhe foi informado que o mesmo partira há questão de meia hora com destino determinado.
         Por medida de precaução José voltou para o seu opala e foi direto para a fazenda. Não teria paz para dormir não sabendo ao certo que a ameaça havia mesmo partido ou se acaso ainda rondava por ali. Isabel estranhou, quando, pouco tempo depois de chegarem em casa, escutou o carro de José chegar e parar no lugar habitual. Preparou-se para viver um momento de crise. Foi cautelosamente para a varanda esperar pelo noivo.
         – Que aconteceu, meu bem?
         – Você pergunta? Vim ter certeza que aquele “bepi” de uma figa foi embora. De outra forma não teria paz para dormir essa noite.
         – Fico lisonjeada com esse ciúme todo, meu bem.
         – Eu vim para lutar pelo seu amor, minha querida. Ou não tenho razão de estar preocupado?
         – Razão de preocupação você não tem, porque eu nunca dei nenhuma esperança ao Giovanni. Ele veio por iniciativa própria e deu com os burros na água. Portanto, chega de esquentar a cabeça, meu amor.
         – Ufa! Essa foi por pouco. Vi que aquele almofadinha metido a galã ia se aboletar por aqui e ficar caçando encrenca.
         – Não viu como eu desviei do assunto?

         – E a questão dos condicionadores de ar serviu perfeitamente de pretexto.


Vista aérea de Sete Lagoas – MG.

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