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Na senda dos monges! – Capítulo VI – Os netos nascem.

  1. Os netos nascem.

sANTA MARIA
Vista de Santa Maria à noite, luz no horizonte.

 

"Distritos de Santa Maria v2006" por Imagens SM - Mapa segundo a Prefeitura Municipal de Santa Maria. Licenciado sob CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons - http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Distritos_de_Santa_Maria_v2006.png#/media/File:Distritos_de_Santa_Maria_v2006.png
“Distritos de Santa Maria v2006” por Imagens SM – Mapa segundo a Prefeitura Municipal de Santa Maria. Licenciado sob CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons – http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Distritos_de_Santa_Maria_v2006.png#/media/File:Distritos_de_Santa_Maria_v2006.png

Uma das primeiras providências tomadas na família Batista, depois da volta do filho considerado perdido, foi realizar o casamento dos jovens. Eram ambos menores de idade e foi preciso uma carta dirigida aos pais da moça na Argentina, pedindo a autorização ou sua vinda pessoal para o enlace. O recente conflito entre os dois países fez com que houvesse uma demora maior na obtenção da resposta. Como a paz havia sido assinada, os pais se dispuseram a vir assistir ao casamento da única filha, mesmo não concordando com o casamento dessa forma. Não havia o que fazer já que o indesejável acontecera. Apenas haveria um ligeiro retardamento devido a questões burocráticas de momento.

– Vamos casar com o filho no colo, – falou Antônio.

– Eu imagino como eles devem ter se sentido, com a fuga de vocês dois. Me ponho no lugar dos pais de Isabellita, – falou Zulmira.

– Ahora no podemos hacer más nada. Lo mas importante está feito, como dizem ustedes.

– Vocês dois formam uma bela dupla de malandros. Vocês se merecem. Eu, no lugar deles, daria uma surra nos dois para aprender a respeitar os mais velhos. Não foi isso que eu lhe ensinei, menino.

– Mas se eu não a roubasse, nunca mais iria poder vê-la. O único jeito era o rapto.

– Se tivessem capturado os dois, você ia apodrecer numa cadeia em Buenos Aires, meu filho.

– A Isabellita ia fazer o pai me tirar de lá, não ia?

– Si, amor! Yo iba hacer papá sacar usted del carcel.

– Está vendo, mamãe? Eu não ia ficar muito tempo preso.

– Esse mundo não é mais o mesmo.

 

Nisso chegou João, avisando a mãe que a esposa estava entrando em trabalho de parto. Começou um rebuliço danado. Era preciso chamar urgentemente a parteira, limpar a área, deixar tudo em ordem para a chegada do novo neto. O pai da criança pulou na charrete de Afonso e foi rapidamente para a fazenda vizinha em busca da melhor parteira da redondeza. Em pouco mais de uma hora a mulher chegava, encontrando panelas de água fervendo, panos limpos em profusão, a casa limpa e a parturiente deitada na cama, gritando de dor a intervalos de alguns minutos.

Em minutos havia examinado o estado, constatando que o trabalho estava encaminhado, com uma dilatação boa até o momento. O estranho era não haver rompido ainda a bolsa de água. Esperaria mais um pouco e provocaria o rompimento para facilitar o nascimento. Mandou preparar uma jarra de chá de uma erva que tinha a propriedade de acelerar as contrações, abreviando o período do nascimento. A parturiente recebeu um copo do chá, levemente adoçado com mel e logo estava se contorcendo em contrações fortes. Depois de uma série de eventos contrativos, a parteira realizou novo exame e verificou que a dilatação avançara consideravelmente.

Deu mais um copo do chá a ela e acelerou ainda mais as contrações. Pouco mais de duas horas depois da chegada, a dilatação estava quase completa. Já era possível enxergar no fundo do canal de parto a cabeça do filho. Após mais uma série de duas contrações, finalmente a cabeça emergiu e logo seguiu-se o resto do corpinho da criança. A parteira o segurou pelos pés e deu uma leve palmada nas nádegas e ele se pôs a chorar furiosamente. Parecia furioso com a agressão sofrida.

Com panos brancos e limpos, umedecidos em água fervida, procedeu à limpeza do corpinho, notando tratar-se de um menino forte e vigoroso. O choro permitia ver que teria uma voz potente e clara. Logo ele estava vestido e aconchegado em fraldas, cueiros e faixas. Por cima trazia roupinhas infantis apropriadas. Só então foi colocado nos braços da mãe ansiosa. Primeiro ela o beijou e acarinhou. Depois expos um seio recheado de leite e o aproximou da pequena boca que já estava procurando alguma coisa para sugar. Depois de algumas tentativas ele conseguiu encaixar o bico do peito na boca e se começou a mamar avidamente.

Nesse momento o pai foi chamado para ver e um João com os olhos molhados de lágrimas de alegria, se aproximou. Fez um carinho no rosto da esposa e depois com o dedo acarinhou o pequeno rosto do filho. Teria tempo depois para segura-lo no colo. Agora era hora de ele se alimentar. O casal se olhou demoradamente, transmitindo no olhar o mundo de sentimentos que iam no seu íntimo. Depois de acalmar o movimento, observar o comportamento da mãe, acompanhar a saída da placenta e verificar a inexistência de sangramento, a parteira se preparou para deixar a casa. Fora um parto fácil. Demorara menos do que a metade do tempo da maioria dos casos.

Ela se despediu da família e João a levou para casa, retornando quando já estava escuro. Vinha assobiando alegremente, exultante de alegria. Ao chegar em casa encontrou o irmão Antônio e a cunhada Isabellita, já com o ventre bem crescido. Era provável o filho nascer antes de se casarem. Recebeu os cumprimentos de ambos, da irmã que também viera ver o sobrinho. Todos se desfizeram em elogios ao vigor do menino, seu aspecto saudável e olhar vivo, apesar de estar há poucas horas nesse mundo. Parecia ter vindo para uma vida bem vivida.

O irmão Roque e esposa Alice vieram no próximo domingo para ver o sobrinho e trouxeram o próprio filho. Assim a família estava toda reunida. Os filhos, as noras e a filha, além dos netos. O avô, havia pedido a Roque para dar ao filho o nome de João Maria, em homenagem ao Monge do Campestre. A nora não aceitara e agora havia pedido a João e esposa Lucila que também não quiseram, pois antes já haviam escolhido outro nome. Diante desse impasse, Antônio falou:

– Pai, o seu neto João Maria Ibarra Batista, vai ser nosso filho. Ele foi abençoado na barriga da mãe pelo próprio Monge, lá no Cerro del Monje no Paraguai. Ele me mandou voltar e estou aqui. Nada melhor que homenageá-lo pondo o nome no menino.

– Isso vai me dar uma imensa alegria, Antônio e Isabellita.

– Yo tuve la impresión de qué el Monje es un hombre santo. Sus ojos irradian amor, paz y cariño para con las personas.

– E ele é um santo. Pode a Igreja nunca reconhecer, mas ele é santo, pode ter certeza.

– Está decidido. Nosso filho vai se chamar João Maria Ibarra Batista. Não se fala mais no assunto. Se pudesse eu faria o registro amanhã mesmo. Pena que não é permitido.

O tempo passou e o dia de João Maria nascer estava perto. Os pais de Isabelita viriam somente dali a noventa dias. Nessa data o menino já teria nascido. A previsão de Antônio se cumpriria. Ao casarem estariam com o filho no colo. A avó se prontificou a segurar o pequenino no momento de dizer o sim diante do Juiz e do Padre, não sendo necessário os pais segurar a criança durante a cerimônia.

Houve quem sugerisse que seria algo diferente a mãe ir para frente do padre e do juiz com o filho no colo, talvez até amamentar durante a cerimônia. Zulmira falou:

– Imaginem se o padre e o juiz iriam permitir uma coisa dessas! Era só o que faltava. Uma falta de respeito sem tamanho.

– Uma coisa mais que natural, mamãe, – falou Antônio. – Ou a mãe levar o filho no colo e dar de mamar quando está com fome é falta de respeito? Eu acho que não. Apenas não estamos acostumados com isso.

– Meu filho, sempre querendo fazer tudo ao contrário. Sempre quer tudo às avessas.

– Concordo com meu filho, – falou Afonso. – Não seria nenhuma falta de respeito, apenas a forma natural das coisas.

– Até você, meu velho? Eu não acredito.

– Vamos comer gente, – falou a filha que estava cuidando das panelas naquele dia.

Todos lavaram as mãos e foram para a mesa. Isabelita com o ventre bem crescido, além do normal até, sentou-se e comeu pouco. O espaço que sobrava para o estômago estava cada vez mais reduzido, impedindo que conseguisse comer normalmente. Passou a se alimentar em pequenas porções, várias vezes por dia. Passava praticamente o dia, sempre comendo alguma coisa, mastigando lentamente. Só assim conseguia manter-se alimentada e dar ao filho a nutrição necessária. Diante daquela barriga com tamanho além do normal, houve quem dissesse tratar-se de gêmeos, mas não havia como comprovar. Veriam o que havia ali dentro, no momento do parto.

Como é de praxe acontecer com gestações de gêmeos, o parto de Isabelita começou faltando ainda quase um mês para completar o tempo certo. A parteira foi chamada e dessa vez teve mais trabalho que da anterior que ali viera. Primeiro por ser naturalmente mais demorado, realmente tratava-se de um casal. Depois de cinco horas de luta intensa nasceu uma menina, de cabelos negros e rosto em formato espanhol. Puxara à mãe. Porém as contrações continuavam e dentro de meia hora nasceu um menino, um pouco maior e mais forte. Nenhum dos dois era pequeno, como comumente se espera nesses casos. Tinham desenvolvimento equivalente ao de muitas crianças nascidas de gravidez simples.

Agora Antônio se deparou com a alegre tarefa de, junto com a mulher Isabelita, escolher um nome para a princesinha que viera acompanhando o irmão João Maria. Depois de várias opções, ele concordou com a esposa que queria dar à filha o nome da avó Encarnacion e assim, nos próximos dias um Antônio orgulhoso entrou no cartório de Santa Maria para lançar no registro civil os nascimentos de João Maria Ibarra Batista e Encarnacion Ibarra Batista. Tinham agora que se desdobrar nos cuidados. A avó Zulmira ficou encantada com a primeira neta. Tinha paixão pelos meninos, mas uma menina é sempre uma grande alegria para as mães e avós em especial.

Finalmente chegou o recado dos pais de Isabelita, informando que na semana seguinte estariam chegando à Santa Maria. Provavelmente, ao partirem de Corrientes, houvessem recebido a missiva informando o nascimento de netos gêmeos. Aguardavam os avós maternos chegarem para realizar o casamento e fazer o batizado dos filhos. A carta fora enviada imediatamente, mas por se tratar de envio internacional, não era fácil prever a demora para que a mesma chegasse ao destino. No dia informado o casal Ibarra chegou a Santa Maria.

Sem demora Antônio se dirigiu ao seu encontro, pedindo primeiramente escusas por tudo que acontecera no passado, e convidando os sogros a se hospedarem na fazenda. A casa grande tinha espaço bastante para abrigar um casal de visitantes tão ilustres. No primeiro momento o coronel Benito não estava disposto a aceitar. Ainda se sentia ressentido com o genro. Já a senhora Natividad estava mais propensa a condescender. Foi então que ele recorreu ao trunfo que talvez não tivesse ainda sido revelado. A carta não chegara a tempo e eles não sabiam. Falou de um fôlego:

– Sua filha Isabelita é mãe de um casal de gêmeos. Nasceram no mês passado. Mandamos carta, mas acho que ela ainda não havia chegado quando iniciaram a viagem.

– Que dizes?

– A minha mulher, sua filha Isabelita, deu à luz um casal de gêmeos. São duas crianças lindas.

Diante dessa revelação, nem o coração duro de militar de Benito resistiu. Sem demora reuniram as bagagens e acompanharam Antônio, depois de mandar preparar sua carruagem com que haviam viajado. Chegaram e se depararam com a filha, tendo ao colo duas crianças. Um menino e uma menina.

– Mamá, esta es tu nieta Encarnación Ibarra Batista y este es tu nieto João María Ibarra Batista.

A mãe teve um acesso de choro intenso. Não sabia se pegava um ou outro e no fim sentou-se, pedindo que lhe pusessem os dois no colo, um em cada braço. O pai Benito, ficou emocionado, contendo as lágrimas a custo e abraçou a filha depois de ela entregar os filhos à avó. Não teve palavras para dizer. Todas as reprimendas do mundo que viera ruminando para dizer à filha, foram engolidas sem ao menos um gole de água. A emoção de rever a filha e com dois netos seus no colo era demais. Só depois de ficar um longo tempo acarinhando a filha, como se a quisesse ter novamente no colo quando era criança, conseguiu articular algumas palavras e começou:

– Perdone tu papá, mi hija!

– Tu tenés que perdonarme, papá. Yo te abandone sin decir palabra alguna. Ningún Adiós, nada.

– Yo estaba ciego, mi hija. Venia nel camino rumiando una cantidad innumerable de palabras ásperas y rudas para decir a usted y tu marido. Nao puedo decir una sola. Me haces el más feliz de los abuelos del mondo.

– Diga-me! Estou perdonada papá?

– No quiero oír esa palabra nunca más en mi vida, hija. Me quedé rabioso con lo que ustedes hicieran, pero al ver estés chicos, me siento completamente tomado de amor por todos, hasta mismo al padre de estos inocentes. Donde esta esse hijo de uma buena madre brasileña?

– Estoi acá, capitan.

– Dame aquí un abrazo. Vamos a olvidar todo lo que paso. Ló que se fué, no volve mas.

Os dois homens de abraçaram e se puseram a conversar amistosamente. Nem parecia o clima tenso existente no encontro ocorrido na vila, antes de revelar o grande segredo. Os próximos dias foram de intensa atividade. O casal não dispunha de muito tempo para permanecer aqui. Mesmo assim desejavam realizar uma festa de casamento condigna para a filha, registrar o evento em chapas fotográficas para guardar como lembrança. Era dispendioso o processo de fotografar, mas era um fato único na vida da pessoa e merecia o registro definitivo. Eles haviam se antecipado e preparado os proclamas no cartório, bem como na igreja. Sendo assim a maior demora ficaria por conta da preparação da festa, avisar os convidados.

Como Antônio havia sido integrado aos trabalhadores da fazenda, desempenhando a função de sub capataz para darem conta de todo trabalho, os patrões doaram uma rês de bom tamanho para fazer o churrasco. Embarcados na charrete o casal visitou as fazendas vizinhas, convidando os proprietários, capatazes e amigos para a festa. Em duas semanas estava tudo preparado e a festa teve lugar. O padre e o juiz de paz vieram realizar a cerimônia na própria fazenda. Não seria necessário o deslocamento de toda população para a cidade. Depois da cerimônia estariam no lugar da festa.

Chegou o dia, as crianças estavam com as vestes batismais, totalmente brancas, pois receberiam o batismo, logo depois do casamento dos pais. O grande dia chegou e tudo estava pronto. Uma casa estava preparada para residirem depois do enlace. Isabelita iria ter o seu lar. Ficou estabelecido o compromisso de visitarem os avós na Argentina, quando os pequenos tivessem condições de enfrentar a viagem. Os parentes de ambas as partes ficariam morrendo de curiosidade por conhecer os netos gêmeos nascidos no Brasil. Era algo de muito bom que resultara do mal feito da guerra irresponsável empreendida por Rosas e Oribe contra o Império do Brasil.

Por toda parte havia expectativas de uma paz duradoura dali para frente. Cada conflito fratricida levava um grande número de homens de bem para o túmulo, deixando uma elevada quantidade de órfãos e viúvas para lamentar sua perda. Da redondeza veio um bom número de convidados, enchendo o galpão da fazenda na hora do fandango que seguiu ao farto churrasco servido como almoço. No meio da tarde, o bolo dos noivos foi trazido e foi cortado, distribuindo-se pedaços para todo lado. Mesmo sendo bem grande, foi inteiramente consumido, sobrando no final apenas o tabuleiro de dois andares, encomendado a um marceneiro da vila. Os tios Roque e João foram convidados para padrinhos junto com as esposas.

O padre e o juiz haviam permanecido até depois do almoço, retirando-se antes do início da dança e demais brincadeiras. O fotógrafo viera da vila e fez a tomada dos momentos mais significativos. Depois de revelados os negativos, faria uma cópia de cada para amostra e quem quisesse guardar lembranças da data, poderia encomendar sua própria cópia. Era algo ainda pouco comum no tempo. Ao ver o resultado praticamente todos os noivos decidiram, dentro de suas possibilidades, chamar o profissional por ocasião de seu enlace matrimonial. Assim poderiam mostrar depois de anos, aos filhos e mesmo netos as imagens dos momentos decisivos de suas vidas.

No dia seguinte, era comum ver rostos levemente congestionados de sono, corpos levemente dormentes de cansaço, tanto foi o empenho de todos nas sucessivas danças ao som de sanfoneiros e violeiros. Um tocador de bandonion também se fez presente, sendo dessa forma estabelecido um revezamento entre os músicos, permitindo levar o baile desde a tarde até altas horas da madrugada. Quando os últimos convidados se retiraram, os noivos estavam dormindo a bom sono desde muito. Não puderam esquecer dos filhos que reclamavam a presença, especialmente da jovem mãe.

Assim, cansados pediram em determinado momento licença aos convidados, desejaram bom divertimento e foram para sua casinha. Além de cuidar dos filhos, restava o evento da noite de núpcias, embora já tivessem vivido as primícias de seu amor há muito tempo. Era um dia merecedor de uma relação amorosa especial, para selar definitivamente o enlace civil e religioso com o ato físico, consumando o casamento. Os filhos pareceram compreender que os pais queriam um momento só para eles e dormiram placidamente, depois de alimentados. Os cuidados de higiene a tia e avó haviam dispensado antecipadamente.

Teriam desejado fazer uma pequena viagem, mas a pouca idade dos filhos não o permitia. Teriam sua viagem de Lua de Mel depois de mais ou menos um ano, quando os dois estivessem mais crescidos. Visitariam os avós argentinos, os tios e tias maternos, os vizinhos e amigos. Uma vez realizada o casamento, terminados alguns acertos financeiros relativos aos custos da organização do evento, Benito e Natividad prepararam-se para voltar a sua terra. Depois de se despedirem devidamente e reiterarem o pedido de receberem a visita dos filhos e netos dentro de aproximadamente um ano, empreenderam o retorno. Isabelita chorou ao ver a mãe e o pai se afastarem, aos poucos sumindo no horizonte. Estava nesse momento assumindo definitivamente a opção de independência e criação da própria família. Seria doravante a companheira inseparável de seu Antônio além dos filhos João Maria e Encarnación.

Os dias passaram e as crianças cresceram rapidamente. Em menos tempo do que o esperado o primeiro aniversário das crianças se avizinhava. A situação estava favorável e prepararam tudo para empreender a viagem ao país vizinho. Até Uruguaiana seguiram em uma confortável carruagem, conduzida por um peão da fazenda. Pertencia aos proprietários da fazenda. Dali seguiriam de vapor até o porto mais próximo da residência dos pais de Isabelita. A viagem, especialmente por terra, foi bastante cansativa. Depois no vapor seguiram mais tranquilos e o tempo transcorreu rapidamente. Quando menos esperavam, estavam desembarcando. No porto estava um emissário de Benito para levar o casal em uma carruagem até a residência. Viviam em Corrientes numa pequena Estância, herdada dos pais de Benito.

Os amigos e parentes fizeram uma romaria até a casa para conhecer os gêmeos e também o “raptor” de meninas que se transformara no marido da jovem Isabelita. Antônio teve que suportar as caçoadas de todos os lados. Ele pouco se importava, pois o que lhe interessava realmente estava garantido de seu lado. A cada dia a jovem esposa, apesar da pouca idade, mostrava-se mais bem preparada para desempenhar o papel de mãe e esposa. Nada no mundo o convenceria de ser possível encontrar uma mulher mais conveniente. Estavam a cada dia mais apaixonados e felizes. Que falassem e rissem ao bel prazer que eles não se importariam com isso. Eram felizes juntos e tinham a uni-los ainda mais, aqueles dois seres gerados durante à fuga por caminhos desconhecidos para o norte da Argentina.

Visitaram alguns lugares pitorescos, desceram até Buenos Aires, visitar alguns parentes mais próximos de Isabelita. Após pouco mais de um mês depois da partida, chegavam novamente em casa. Haviam ganho de presente uma bela carruagem, que foi embarcada no vapor, além de dinheiro para adquirir uma equipagem para tracionar o veículo. Desembarcaram em Uruguaiana e Antônio foi procurar cavalos, bem como arreios para eles. Comprou um belo par de animais, fortes e mansos, majestosamente ajaezados para completar o seu transporte. Colocaram as bagagens todas no veículo, deixando espaço para acomodar os filhos e iniciaram a viagem para Santa Maria. Levaram aproximadamente três dias, sem forçar a marcha.

Foram recebidos com festa. Ninguém os esperava ainda, pois pensavam ser necessário ir até Uruguaiana para busca-los. Ao se aperceberem, viram ambos chegando bem dispostos e contentes. Tinham agora um belo veículo para passearem pela redondeza. A carruagem era melhor do que todas as existentes em toda região. Todos quiseram dar uma volta no veículo, mas os cavalos estavam cansados. Teriam que esperar por outro dia. Além disso o trabalho aguardava por Antônio. Nesse momento seria a vez de João e esposa tirarem alguns dias de folga para visitar os pais da esposa que agora moravam em Passo Fundo.

Ainda estando com pouco mais de 18 anos, Antônio desempenhou na ausência do irmão a função de capataz, sem o menor constrangimento. O período passado no ambiente hostil dos campos inimigos durante a guerra, a fuga no final, a paternidade e o casamento, haviam operado uma transformação incrível. O menino dera lugar a um homem compenetrado e ciente de suas responsabilidades. Os peões aceitaram sem problema o comando do jovem, correndo os trabalhos na mais perfeita harmonia. João viajou na carruagem do irmão, tornando assim o caminho menos árduo. Ao voltar agradeceu o oferecimento, pois se houvesse que ir de carroça ou a cavalo, levando o filho pequeno, iriam enfrentar sérias dificuldades. Indo de carruagem, puxada por dois animais magníficos, a estrada, mesmo não muito boa, se tornara bem suave.

Todos os parentes haviam louvado o belo veículo, principalmente julgavam ser ele o proprietário, ao que ele informara ser ela de seu irmão. Mesmo um pouco frustrados, ainda assim elogiaram o meio de transporte. Não foram poucos os que disseram se empenhar doravante na obtenção de recursos para tornar-se proprietário de algo semelhante. Mesmo que fosse necessário ir encomendar em algum lugar distante. Na região em que viviam ainda não existiam fabricantes dessa espécie de veículo. Por ora eram apenas carroções, bem mais pesados e lentos, destinados ao transporte de cargas.

A vida retomou o ritmo depois da volta. Os filhos cresciam, outros vieram se juntar aos primeiros e após alguns anos a família Batista era composta por um grupo considerável de pessoas, mesmo sem contar com a filha, também casada e residente na sede da vila de Santa Maria. A vida seguia seu rumo, ora com maiores esperanças de crescimento, ora passando por alguma crise, tanto a nível nacional como internacional. Tudo que acontecia aqui refletia lá fora. O que acontecia lá fora, refletia aqui. Dessa forma não se poderia nunca pensar estar inteiramente livre de problemas.

Nos últimos anos da década 50, surgiram rumores de aquisição e produção de armas pelo Paraguai, sob o comando de Francisco Solano Lopez, enquanto corriam boatos de pretensões expansionistas do ditador. O que ninguém sabia quais eram as reais intenções do governante. O certo era que o mesmo alcançara um significativo grau de desenvolvimento em um período bem curto. O esforço era todo destinado ao equipamento das forças armadas, construção e aquisição de vasos de guerra, além de navios mercantes. Essas notícias suscitaram inquietude em seus vizinhos, especialmente Brasil, Argentina e Uruguai.

túnel ferroviário
Túnel ferroviário em Santa Maria

 

Décio Adams

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