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Na senda dos monges! – Capítulo XII – Conquistando seu espaço.

  1. Conquistando seu espaço

 

            Nos dias que seguiram à união de João Maria e Lua Serena, usando o machado que estava nos alforjes, depois de colocar um bom cabo, começaram a construir a nova cabana. Trovão Distante quis que fosse mantida a velha cabana para ele e se construísse a nova para o casal.  Começaram por providenciar troncos de coqueiros para as paredes e a estrutura da cabana em que iriam viver nos próximos anos. A jovem esposa demonstrou habilidade no manejo das ferramentas e foi de grande ajuda. Poucos dias foram suficientes para construir um abrigo, bem mais amplo. Tinha a divisão para acomodar o idoso Trovão Distante, bem como o casal. Com pedras construíram o fogão onde os alimentos seriam preparados e cujo calor amenizaria os rigores do inverno. Aproveitando a mesma estrutura foi preparado também um forno para assar pão e outros alimentos.

            Com a cabana pronta, fizeram um reconhecimento geral nos bosques de ilex paraguariensis, para produzir erva mate. Localizaram um ótimo suprimento de plantas nativas que permitiriam produzir um volume considerável do produto. Com isso e a coleta dos pinhões, poderiam conseguir a condição de adquirir alguns animais e começar a formação de um pequeno plantel de vacas, tanto para leite como para corte. O cavalo tordilho era, por ora, o meio de locomoção. Não longe da cabana havia um córrego com volume de água suficiente para acionar os monjolos que João tencionava construir. Assim poderiam secar a erva mate e entregar o produto moído em lugar de apenas preparado para moagem no destino. Teria maior valor agregado.

            Tudo exigia tempo. Era preciso andar devagar, pois ele ainda estava em convalescença e sentia o cansaço tomar conta do corpo, depois de um dia inteiro de trabalho. Depois de iniciar trabalho, até o velho Trovão distante se animou a ir até o local onde a erva era sapecada e preparada em fardos para secagem. Estavam na época apropriada, quando não havia brotos novos, fornecendo uma erva de sabor mais suave. Os fardos iam sendo preparados e colocados no local de secagem. Nos dias de chuva, trabalhavam na confecção dos monjolos e cocho um grande tronco oco encontrado nas redondezas. Precisava ser bem trabalhado internamente para não desprender partículas de madeira que iriam se misturar à erva alterando o sabor. Quando a instalação dos pilões, movidos a água do córrego ficaram prontos, a primeira remessa de folhas e finos galhos estava seca. Era possível começar a moer.

            Era preciso ficar de plantão na beira do cocho para repor e misturar as partes menos moídas levando a uma moagem uniforme. Revezavam-se nessa tarefa, de modo que em poucos dias estavam com um belo suprimento de erva pronta para ser levada ao lugar mais próximo para tentar vender. Uma canoa havia sido escavada de um tronco adequado e transportado para a beira de um afluente do Rio do Peixe que passava perto. Dali alcançariam o curso maior e poderiam descer até um povoado que sabiam existir alguns quilômetros corrente abaixo. Deixaram Trovão Distante e Tordilho bem supridos de mantimentos, além de estarem em bom estado. Partiram na esperança de voltar em no máximo dois dias.

            Uma corredeira existente antes de alcançarem o Rio do Peixe quase frustrou seus planos, fazendo naufragar o barco. Valeu a experiência de Luz Serena. Na volta precisariam encontrar uma maneira de subir ou encontrar outro caminho mais curto para chegar à cabana. Ao chegarem no povoado, encontraram um grupo de tropeiros que agora faziam transporte de erva mate e pinhão para o litoral catarinense e outros levavam o produto para o Rio Grande do Sul. Para surpresa de João Maria, entre os componentes do grupo encontrou um jovem que iniciara nas tropeadas ainda no tempo que ele fizera suas últimas viagens. Foi um encontro emocionante. A família de João considerava-o morto em algum canto do sertão catarinense, uma vez que não voltara com a tropa de Gumercindo Saraiva.

            Ficou sabendo que a revolução terminara com a vitória dos pica-paus, Gumercindo fora assassinado à traição logo depois de voltar da expedição ao Paraná. Dessa forma, a venda da erva que trazia estava garantida. Apresentou a nova esposa e negociou com o chefe da comitiva. Conseguiu um bom dinheiro, com o qual comprou alguns produtos que precisavam, especialmente querosene, sal, açúcar, farinha. Depois de levar Luz Serena com tudo que adquirira, faria um giro na redondeza, em busca de uma vaca para comprar. Até mesmo uma cabrita serviria para terem um pouco de leite. O fato de produzir a erva já pronta para consumo, despertou o interesse de comerciantes do lugar. Fizeram ofertas de crédito para adquirir suprimentos que seriam descontados em futuras entregas de produtos. Ele agradeceu, mas preferiu não fazer dívidas.

            Queria ter liberdade de negociar com quem oferecesse melhor condição, sem estar atrelado a ninguém por compromisso de débitos previamente assumidos. Despediu-se do antigo companheiro, tendo antes escrito uma carta para a família, explicando como e onde estava. No momento que fosse possível faria uma visita e decidiriam o que fazer em termos de futuro. Embarcaram na canoa e subiram, agora remando com vontade redobrada, procurando chegar à desembocadura do pequeno rio. Chegaram ao pé da corredeira e ali procuraram um ponto para aportar. Enquanto ele descarregava os mantimentos, Lua foi buscar Tordilho para conseguirem transportar tudo. Seria necessária a ajuda do nobre animal, pois de outra forma poderiam perder o que tanto trabalho custara.

            Com a farinha, o sal, o açúcar e demais temperos os alimentos passaram a ter outro sabor. Um jogo básico de panelas também estava incluído, uma pequena lata de banha para usar na preparação dos alimentos. Iria ensinar Lua a cozinhar como ele gostava. Apreciava os acepipes que ela preparava, mas a culinária indígena era limitada e ele fora criado com alguns requintes há tempos não disponíveis. O velho Trovão Distante lembrou de sua juventude quando conhecera comida do homem branco e apreciara. A vida limitada ali naquele recanto privara-o desses luxos. Poderia agora ir para junto dos antepassados, pois tivera novamente o prazer de degustar alimentos com temperos do homem branco.

            Sem demora os trabalhos foram recomeçados. Depois de um mês e meio tinham nova carga para levar ao povoado. Dessa vez transportaram tudo até o local em que ficava a canoa e ali embarcaram. Não queriam correr o risco de perder tudo na corredeira. Nem sempre teria a mesma sorte da primeira vez. Não convinha arriscar. O barco, leve e veloz, desceu rio abaixo, ficando apenas alguns centímetros fora d’água. Suficiente para não molhar o interior. Em poucas horas estavam no destino e procuraram negociar o suprimento de erva, bem como os pinhões e frutas que levavam.

            Fizeram bom negócio, pois havia um chefe de tropa do RS disposto a adquirir todo suprimento. Tivera contato com o amigo e sabia da possibilidade de conseguir ali um produto de boa qualidade. Logo depois de ancorarem no porto improvisado, haviam efetuado a venda de tudo que traziam. As compras que tinham necessidade eram de menor monta e sobraria dinheiro para procurar uma vaca, talvez uma novilha. Pediu informação e soube que, a menos de meio caminho da cabana, havia um pequeno proprietário que provavelmente estaria disposto a lhe vender uma vaca. Agradeceu e ao amanhecer do outro dia estavam remando há mais de duas horas rio acima. Por volta do meio da tarde chegaram ao pé da corredeira. Para sua surpresa encontraram Trovão Distante levando Tordilho pela brida. O idoso, parecia rejuvenescido e caminhava ereto, embora devagar. No começo da noite estavam em segurança na cabana.

            João preparou-se para seguir na manhã seguinte na direção que lhe haviam fornecido. Queria encontrar a propriedade e, se possível, trazer uma vaca para iniciarem sua criação. Ao clarear do dia estava pronto e iniciou a viagem. Vadeou o riacho pouco acima e desceu pela outra margem. A floresta de araucárias, tendo os faxinais nas partes que as separavam de pastos nativos, eram relativamente fáceis de serem percorridas, exceto em alguns lugares. Desceu até a proximidade do Rio do Peixe e depois seguiu o curso desse. Pouco antes do meio dia, alcançou um descampado onde havia uma pastagem e ali havia diversas cabeças de gado pastando.

            Um cão latiu acusando sua presença e ele seguiu devagar, tomando cuidado para não ser tomado por ladrão de gado. Vinha com o intuito de comprar. Seguiu pela beirada, na direção de uma pequena fumaça divisada ao longe, atrás de um bosque de pinheiros entremeados com erva mate. Em alguns minutos encontrou uma casa rústica, rodeada de mais algumas instalações de mesmo estilo. Mais um cão latiu, fazendo aparecer uma mulher de meia idade, saída de dentro de casa. Saudou-a amistosamente, dizendo:

            – Bom dia, senhora!

            – Bom dia! O que o senhor deseja?

            – Eu moro alguns quilômetros rio acima e estou procurando uma vaca para comprar. Me informaram no povoado rio abaixo que aqui eu iria encontrar.

            – Vai precisar falar com o Chico, meu marido. Ele volta daqui a pouco. Foi com os filhos limpar terreno para plantar milho e feijão depois do inverno.

            – Posso apear e esperar por ele?

            – Chegue para a varanda aqui e tome assento. Quer um pouco de água?

            – Aceito. Estou caminhando desde cedo.

            – Pode soltar o cavalo aqui no pátio ele não vai fugir. Ali atrás tem água onde ele pode beber.

            – Vou levar ele até lá e depois solto. Ele está com mais sede que eu, pois veio fazendo força, enquanto eu vim montado.

            Levou o Tordilho até um cocho com água onde ele bebeu à vontade. Soltou-lhe o arreio e retirou para deixar que descansasse melhor. Voltou para a varanda, sentando-se. Logo a dona da casa veio trazendo uma grande caneca cheia de água fresca. Bebeu com vontade e em alguns minutos ouviram vozes de gente conversando. Eram o marido e os filhos voltando do trabalho. Em instantes eles entraram pela porta dos fundos. A mulher os esperava e informou da presença de João. Logo estavam ali o marido e os quatro filhos. A única filha estava no interior da casa. Depois dos cumprimentos e apresentações, todos sentados, foi o momento de João indagar do dono da casa:

            – Me informaram no povoado que talvez o senhor tivesse uma vaca para vender. Moro alguns quilômetros rio acima, junto com um velho índio e sua neta. Estou começando uma vida nova, depois de quase morrer.

            – Mas que foi que lhe sucedeu, homem?

            – Eu fazia parte da tropa de Gumercindo Saraiva na revolução dos maragatos e na retirada fui ferido. Consegui chegar até ali, mas quase morto. Uma bala no quadril com alguma coisa de ruim quase me matou. O velho índio tirou a bala e conseguiu me salvar a vida, depois de um mês ardendo em febre e delirando.

            – O velho Trovão Distante?

            – Ele mesmo e a neta Lua Serena. O senhor conhece?

            – Conheço sim. Mas pensei que tivesse morrido há anos quando andou por aí um pessoal caçando bugres para escravo.

            – O resto da família morreu ou foi levada.  O velho e a neta sobreviveram.

            – Aquele índio é gente boa.

            – Eu agora sou marido da neta e assim ele é meu avô também.

            – Vai começar uma posse. Ali onde eles ficavam tem terra boa, bastante erva mate e pinhão. Vai fazer uma bela propriedade.

            – Estou sentindo falta do leite e depois de vender umas partidas de erva e pinhão, acho que tenho dinheiro para comprar uma vaca.

            – Vou ter que perguntar para a mulher veia se ela deixa vender uma vaca. Zilda, vem aqui um pouco.

            – O que foi Chico?

            – O homem quer comprar uma vaca. Podemos vender uma para ele?

            – Acho que pode sim. Aquela que criou perto do Natal. Não essa última que essa tenho muito gosto nela.

            – Vamos lá ver as bichas, enquanto a mulher termina de aprontar a boia. Depois vamos comer e voltar a trabalhar.

            Levantaram e caminharam por alguns minutos chegando ao lugar onde estavam as vacas. Eram mansas e foi possível colocar a corda na que lhe apontaram. O animal caminhou calmamente até o lugar onde foi amarrada. Ele a examinou detidamente, até chegar à conclusão de tratar-se de um animal saudável e aparentando ser de boa qualidade. Desejou saber se era mansa para tirar leite e Chico lhe alcançou uma caneca para isso.

            – Mas ela não dá coice?

            – Não. Pode sentar e tirar o leite.

            Realmente pode constatar que era possível tirar o leite da vaca, sem precisar amarrar-lhe as pernas. Isso era um fator importante, pois Lua Serena iria querer tirar leite e não tinha nenhuma prática no assunto. Resolveu perguntar o preço e esperou ansioso pelo veredito. Temia não dispor do dinheiro suficiente, mas ficou satisfeito ao ouvir o que disse o proprietário.

            – Não vou lhe arrancar o fígado por mode uma vaca. Uma caneca de leite faz muita falta numa casa. Vou lhe fazer um preço camarada.

            Realmente o preço era bem menos do que João ousara esperar. Não tardou e fez logo o pagamento. A vaca foi levada para perto da casa e ali foi amarrada. Convidaram o visitante para almoçar e, depois de meses, foi a primeira refeição preparada por uma mulher branca que comeu. Era fácil perceber a diferença. Em suas muitas andanças, fora acostumado a se alimentar com diversos tipos de alimentos, de diferentes temperos e origens. Depois de comer, decidiu encetar a caminhada. Levando a vaca pela corda, não poderia desenvolver muita velocidade. O bom era que agora o caminho estava conhecido e não perderia tempo com voltas inúteis.

            Depois de trazer tordilho, farto de pastar na sombra dos pinheiros e pés de erva existentes nas proximidades, colocou-lhe os arreios. Em pouco mais de cinco minutos estava pronto para partir. Despediu-se dos vizinhos amistosamente e rumou para a sua moradia. Olhou o sol e deduziu que, caminhando a passo firme, chegaria em torno do início do escurecer. Contanto que a vaca não resolvesse empacar, o que era uma possibilidade. Por sorte o animal era, além de manso, dócil e seguiu o cavalo sem estranhar. Não se enganara. Quando a luz despontava no céu, parava diante da cabana, onde Lua Serena de Trovão Distante o esperavam. Observaram a vaca, primeiro à distância, depois chegaram mais perto, ao verem João soltar o animal da cilha do cavalo e afagar seu pelo que estava suado. Era visível o cansaço do animal. Agora poderia descansar.

            Junto com Lua foram buscar um pouco de capim para dar ao animal enquanto ele sentava sobre um cepo e tirava o leite. Era pouco devido ao fato de estar cansada. Havia pastado pouco e gasto muita energia, além da transpiração. Olhos curiosos acompanharam o processo de ordenha, mas não se atreveram a tentar fazer o mesmo. O vendedor havia lhe informado que o animal estava prenhe, sendo previsto o nascimento do bezerro para o próximo ano, no final de janeiro, começo de fevereiro. Não ficariam muito tempo sem leite e logo teriam outro animal. A criação estava começando. Era preciso encontrar um lugar seguro para deixar o animal até se acostumar ao novo lar. Por sorte havia comprado alguns metros de corda na última ida ao povoado.

            Fez uma laçada na extremidade, caprichando para evitar que desmanchasse. Depois colocou a corda na cabeça da vaca. Nisso lembrou que esquecera de perguntar se ela tinha nome. Seria interessante colocar um para poder chamar e ela atenderia vindo para o lugar de costume. Isso poderia ser decidido no dia seguinte. Trovão Distante já bebera leite em sua juventude e gostou de repetir a experiência, depois de muito tempo. Luz Serena ficou um pouco temerosa, mas experimentou um pouco. O sabor era algo diferente do que até hoje bebera. Habitualmente era água ou alguma infusão de ervas por maceração ou cozimento. Logo se acostumaria ao sabor levemente adocicado, com aquele pouco de espuma que marcava o lábio superior, como se fora um bigodinho branco.

            Depois de deixar a vaca em lugar seguro, comeram carne salgada misturada com arroz e feijão. Completaram a refeição com salada de almeirão selvagem existente em abundância nas matas da redondeza. Estavam preparando canteiros para cultivar algumas outras hortaliças dando maior variedade às opções de alimentação. Depois foram deitar-se. Lua Serena tinha uma um ar estranho. João imaginou inicialmente ser devido à novidade de uma vaca, o novo ingrediente do cardápio. Quando deitaram ela se aconchegou a ele e ficou longamente fazendo carinho no seu homem, como quem apenas quer agradar. Em dado momento murmurou ao ouvido:

            – Lua Serena vai ser mãe!

            Depois de ficar por um momento silencioso, João conseguiu articular as primeiras palavras.

            – Pode repetir o que você disse? Eu não ouvi direito.

            – Lua Serena vai ser mãe! Meu sangue não desceu e hoje senti enjoos, depois vomitei um pouco. Avô Trovão Distante, sonhou na noite passada que ia ser avô outra vez e dessa vez era um pequeno guerreiro.

            – Mas isso é maravilhoso, querida. Vamos cuidar bem desse pequeno mestiço que vai nascer. Vai herdar a valentia do bisavô Trovão e do pai vai herdar uma tradição de longos anos de soldados, envolvidos em várias guerras e batalhas.

            – Nosso filho vai ser homem de paz. Não quero saber de guerra nem armas.

            – Se fosse possível viver sempre em paz, é logico que todos nós gostaríamos.  Infelizmente, acontecem coisas que obrigam os homens a lugar para defender seus bens, suas famílias e terras.

            – Bem que o monge João Maria falou que ainda iria haver uma porção de guerras por causa dos homens maus que vão vir.

            – Nem é preciso que venham de fora os homens maus. Já tem deles em quantidade suficiente aqui mesmo.

            – Mas juntando os que vem de fora com os que tem aqui, fica muito mais complicado.

            – Vamos torcer para que o nosso pequeno guerreiro possa viver sem precisar pegar em armas. Isso me deixaria muito feliz.

            Os dois se abraçaram carinhosamente e pouco depois estavam dormindo. Pela manhã, ouviram cedo o mugido da vaca, pedindo para ser ordenhada. Provavelmente também sentia fome e sede, pois o dia anterior fora cansativo e o alimento pouco. João foi cortar um maço de capim que crescia alto num ponto próximo e deu para o animal comer. Enquanto ela se punha a mastigar, ele falou:

            – Vamos escolher um nome para a vaca. Assim vamos poder chamar e ela vem.

            – Não pode ser apenas Vaca?

            – Poder pode, mas e como vamos chamar quando tivermos mais de uma? Vaca Dois?

            – Vou perguntar ao vovô. Ele sabe escolher nomes melhor que eu.

            João sentou-se para tirar o leite e ela ficou assistindo, prestando atenção como era feito. Em seu íntimo imaginava-se sentada naquele cepo e fazendo o que João fazia. Ficou pensando em alguns nomes que poderiam usar para chamar a vaca. Em dado momento falou:

            – Vou chamar vaca de Sol. Fica bom, não acha?

            – Pode ser. Um nome curtinho e bem forte. Por mim ela vai ser Sol.

            Terminada a ordenha, agora um pouco mais abundante, a vaca ficou comendo para dar conta do belo maço de capim que recebera. Os dois foram para dentro e o fogo já crepitava forte no fogão. Prepararam um mingau de leite com farinha de milho para o desjejum. O velho Trovão Distante se deliciou com o mingau. Apreciava esse alimento, pois misturava o leite da vaca com milho, um alimento altamente nutritivo. Terminado o desjejum, João falou à Lua que ela deveria agora ficar fazendo apenas serviço de casa e não se esforçar. Ele faria o serviço pesado. Pegou o facão, uma foice nova que adquirira e preparou-se para sair. Lua se postou a sua frente e falou:

            – Lua não estar doente. Lua só vai ter filho, isso não ser doença.

            – Mas tem que se cuidar e evitar esforço, pois pode se machucar e não quero perder nem Luz, muito menos o pequeno guerreiro.

            – Lua ser neta de Trovão Distante e não vai ter problema para ter filho. Neto de Trovão nascer forte e saudável.

            – Está bem. Deixo você ajudar, mas me promete que vai se cuidar para não se machucar, nem ao pequeno guerreiro.

            – Lua saber trabalhar. Lua ser guerreira forte e valente.

            – Vamos. Vovô cuida do fogo para depois fazer almoço.

            – Trovão prepara almoço. Pode deixar que disso eu cuidar.

            Foram para trabalhar. Faltava terminar o terreno onde iriam plantar feijão, milho e mandioca. As ramas estavam guardadas em lugar seguro para não serem queimadas pela geada do inverno. Com a perspectiva de mais um membro na família, era necessário plantar bastante comida. Com mandioca e milho, além de garantir alimento para eles, poderiam criar galinhas, um porquinho e aos poucos melhorar a condição geral do lugar em que viviam. Trabalharam com afinco, roçando e fazendo planos para o filho que iria nascer. João queria saber de comprar algumas roupas para proteger o corpinho frágil do bebê pois iria nascer nas proximidades do inverno seguinte. Teria necessidade de agasalhos e isso custava dinheiro. Trabalhou com mais vigor. As últimas novidades haviam lhe infundido novo vigor. Os últimos vestígios de fraqueza devidas à convalescença do tiro pareceram sumir milagrosamente.

            – Lua vai colher frutas ali na frente e trazer água para João. Precisar se alimentar e beber água.

            – Vai com cuidado, meu amor.

            Enquanto ela ia, a todo momento ele olhava na direção seguida por ela. Era todo cuidados com sua amada. Lembrava que cachorro mordido de cobra, passava a ter medo até de linguiça. Todo cuidado era pouco, sabendo do estado em que ela se encontrava. Sonhava com o dia em que poderia levar a nova esposa e filho para conhecer os pais, bem como a filha Isabel. Não tardou e viram, de onde se encontravam, a fumaça subindo firme a chaminé do fogão feita com pedras e barro. Trovão deveria estar preparando a refeição. Pela posição do sol, viram que era hora de voltar para a cabana e se alimentar. Um pouco de descanso lhes faria bem, para depois darem mais uma pegada no eito, na parte da tarde.

            Quando se aproximaram da cabana, sentiram de longe o odor forte do tempero usado pelo velho na preparação da refeição. Tinha preparado peixe assado, depois de reidratar a carne. Um caldeirão com feijão fumegava ao lado, enquanto um maço de verduras estava lavado e pronto para ser cortado. Descansaram um pouco e Lua ajudou a concluir a refeição. Quando tudo ficou pronto serviram-se e comeram com gosto. O tempero do velho índio era bom, embora fosse forte no sabor das ervas que usava, praticamente eliminava o uso do sal. Mesmo assim o sabor era ótimo. Junto com a fome, davam o retoque final no tempero.

            Ao almoço farto, seguiu-se uma hora de descanso, sendo bebericado junto um mate, tomado numa cuia com canudo de taquara. O caroço na extremidade e pequenos furos permitiam a passagem da água, sem levar junto a erva moída.

Décio Adams

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