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Fantástico mundo novo! Vol. II – Surge nova sociedade, Capítulo II – Começam a ocorrer as mudanças.

  1. Começam a ocorrer as mudanças.

 

A semana de trabalho começou em clima de novidades em Kibong. Iriam demorar um pouco a acostumar-se ao nome que agora a localidade teria. Por muito tempo ainda iriam se referir ao seu local de moradia como a “aldeia”, ou então “o porto”. As pessoas de maior destaque começaram por empenhar-se em fazer o uso do nome se tornasse algo comum. Sempre que podiam, faziam questão de referir-se aos “cidadãos de Kibong”, as “ruas de Kibong”, o “porto de Kibong”. Onde era possível fazer emprego do nome, mesmo podendo dispensar seu uso expresso, faziam questão disso. Quanto antes isso se tornasse comum na cidade, melhor seria. Até mesmo os mercadores que chegavam ou haviam mesmo presenciado parte dos acontecimentos do final de semana, acharam interessante poderem identificar o porto com o nome de uma aglomeração urbana. Assim ganhava-se em credibilidade.

Como alguém poderia lembrar onde ficava localizado um porto, que sequer um nome próprio tinha? Agora esse tempo fazia parte do passado. Os navios que estavam no porto e depois partiam, levavam gravado em sua memória o fato de que não era apenas mais um dos muitos portos, alguns sem nome, espalhados ao longo da costa do Oceano Pacífico. Tratava-se do Porto de Kibong, cujo acesso à baia com ancoradouro, era feito por um estreito canal entre um par de rochedos abruptos, como que projetados sobre a água. Era de difícil acesso em momentos de tempestades fortes, mas, uma vez no seu interior, estava-se fora de qualquer perigo causado pela fúria dos elementos da natureza.

Naquela noite, depois de um dia inteiro repleto de muito trabalho, a reunião dos eleitos teve lugar na casa do regente, o Senhor Komboo. Dispunha de uma ampla sala, para realização de pequenas festas ou receber amigos. Nesse dia serviria para reunir os membros eleitos do grupo que governaria pelos próximos cinco anos os destinos da agora cidade. Havia recomendado que viessem cedo, pois providenciaria o que comer, para não iniciarem tarde demais os debates e tomada de decisões. Dessa forma, tão logo começou a anoitecer começaram a chegar um a um, dois ou três e logo estavam todos juntos.

Antes de qualquer coisa foi oferecido um prato de comida leve, apropriado para a ocasião. Alguns raramente haviam tido oportunidade de degustar iguarias semelhantes, mas não ocorreu nenhum incidente desagradável. Tão logo terminaram de comer e os utensílios foram recolhidos, ficando apenas uma caneca para beber água, além de um odre com vinho, de baixo teor alcoólico.

Tomando a palavra o Senhor Komboo desejou a todos uma benéfica participação. Também esperava o máximo de empenho em cumprirem suas obrigações, na qualidade de administradores e legisladores da cidade Kibong. A primeira questão a resolver era relativa ao local onde seria instalada a administração, pelo menos de forma provisória, até solução mais definitiva. Sumock pediu a palavra e sugeriu:

– Estive vendo ao lado do porto, existe ali um setor anexo, em que nada está sendo feito. Tem várias salas, o acesso é fácil. Faltaria apenas fazer uma boa limpeza e talvez alguns reparos de carpintaria e marcenaria para deixar tudo em condições de uso.

– Eu sugiro que a administração seja instalada mais próxima da estrada que dá acesso à cidade, para ser bem visível a todos os que chegam, – falou um dos membros da oposição, eleitos para o legislativo.

– Me parece que nessa região sugerida pelo amigo Sungji não existe um imóvel que sirva. Pelo menos não me ocorre ter visto nada por lá.

– Basta uma pequena casa, com duas salas e está tudo resolvido, – disse o outro, do mesmo grupo.

Estava clara a intenção de provocar discussão e retardar todo o processo, apenas para depois poderem acusar os demais de inépcia.

– Discordo, colega Kelong, – disse um artesão, eleito pelos seus pares. – Não temos condições de ostentar luxo, mas também não devemos dar lugar à zombaria. Se instalarmos a administração da cidade em um casebre, estaremos desmoralizando a todos.

– Vou sugerir que façamos uma votação. Temos aqui um colega que domina a arte da escrita e leitura, creio que ele poderia se encarregar da questão de redigir o que discutimos e anotar os resultados a que chegamos, – disse novamente Sumock.

– Antes de votar, seria conveniente determinar quem irá conduzir os trabalhos nessa parte. Eu, não sou membro do legislativo e por isso vou ficar apenas observando. Se minha opinião for importante, estou pronto a colaborar.

Várias vozes se fizeram ouvir em rápida sucessão, cada qual sugerindo um nome para presidir o grupo. Entre eles o nome mais falado foi o de Sumock, que procurou se encolher, querendo ficar longe desse encargo. Mas após algumas discussões, outro trabalhador do porto, colega de Sumock sugeriu:

– Conversando aqui com várias pessoas, consideramos que o mais indicado de nós para presidência do corpo legislativo é o amigo e colega Sumock. Quem concordar, levante a mão.

Várias mãos se ergueram. Em rápida contagem, constatou-se que havia sete mãos levantadas. Eram nove membros, dos quais apenas Sumock se abstivera de votar no próprio nome, bem como o oposicionista Kelong. Até mesmo Sungji havia apoiado a proposição.

– Creio que está aprovado o nome de Sumock para presidente, amigos.

– Eu tenho o direito de recusar? – Perguntou Sumock, ainda um pouco tímido.

– Creio que direito o Senhor tem, Sumock. Apenas me parece que, ao se propor como candidato, estava disposto a trabalhar em prol da nossa comunidade. Nesse momento pesará sobre seus ombros o ônus dessa tarefa. Em outro momento, caberá a outro carregar o fardo.

– Está certo! Eu aceito a tarefa. Apenas peço que me ajudem, pois estarei aprendendo da mesma forma que todos.

Palmas soaram e logo estava o agora Presidente da junta legislativa, sentado diante dos colegas, tendo ao seu lado o secretário, para anotar e redigir algum documento que fosse necessário. Rapidamente o legislativo começava a atuar, em passos titubeantes, mas isso seria por pouco tempo. Logo tomariam fôlego e começariam a lutar heroicamente pelo desenvolvimento da cidade. Diante da situação proposta inicialmente, Sumock sentiu a necessidade de começar definindo a localização da administração.

– Bem, amigos! Foi sugerido aqui que se localize a administração no prédio anexo ao porto. Outra proposta seria instalar-nos na entrada da cidade. Vou colocar em votação. Concordam?

Seis mãos foram levantadas, além dele mesmo, o que somariam sete votos a favor e dois, contra. Assim continuou:

– Quem apoia a ideia de colocar a administração ali, junto aos prédios do porto, levante a mão.

Novamente houve cinco mãos levantadas e somada com a do próprio Sumock, a moção estaria aprovada.

– Parece que está decidido. A administração será instalada provisoriamente nas imediações do porto, naquele prédio desocupado. É grande o suficiente no momento e não haverá muitos custos para deixar em condições de uso.

– Eu tenho alguns móveis que posso ceder para resolver a questão nos primeiros dias, até que tenhamos uma equipe de arrecadação. Já conversei com um amigo, o Senhor Sumit, para me servir de apoio na preparação da base para iniciarmos gradualmente a arrecadação de dinheiro que irá custear nossas despesas, – Disse o Senhor Komboo.

– Alguma objeção ao nome do Senhor Sumit, para ocupar a função de tesoureiro da administração?

– Eu gostaria de propor o nome do meu cunhado Jamul, para esse cargo, – falou Kelong.

Tratava-se de alguém de pouca confiança. Se pudesse desviar algumas moedas que fossem, ele não hesitaria. Era por demais conhecido de todos. Em clima de respeito, Sumock se absteve de qualquer comentário e propôs:

– Novamente devemos votar. Quem apoia o Senhor Jamul para tesoureiro levante a mão.

Somente duas mãos foram levantadas.

– Quem apoia o senhor Sumit para tesoureiro, levante a mão.

Foram seis mãos levantadas rapidamente, o que daria ao todo sete votos a favor do nome proposto por Komboo.

– Está aprovado o nome do Senhor Sumit para tesoureiro. Pode falar com ele e dar posse, Senhor Komboo.

Enquanto isso, o secretário se apressava em anotar detalhadamente tudo. Depois iria redigir uma ata da reunião, que serviria de registro oficial dos primeiros atos administrativos ocorridos depois da eleição.

– O que mais iremos tratar nesse momento? – Perguntou Sumock.

– Eu queria propor o senhor Domitron para cuidar do planejamento urbano, da parte de serviços públicos como água, lixo, novas construções. Ele é estrangeiro, mas está plenamente habilitado para a tarefa. Já fez esse mesmo trabalho lá no reino de onde veio, nas proximidades dos montes Himalaios, – disse Komboo.

– Alguém discorda da proposição do Senhor Komboo?

Nenhuma voz se fez ouvir, nem as mãos foram levantadas. Tomando o silêncio como aprovação, Sumock disse, depois de alguns instantes em que percorreu o grupo com o olhar atento ao menor sinal de insatisfação.

– Se ninguém tem nada a objetar, considero a proposta aprovada, Senhor Komboo. O que mais?

– Creio que podemos nomear o Mestre Zósteles para cuidar da questão da educação das crianças e jovens. Ele irá depois escolher quem mais irá trabalhar na área, uma vez que sabe do assunto mais do que eu ou qualquer um de nós.

– Se alguém quer sugerir outro nome, pode falar. Estamos aqui para debater, apresentar nossas propostas e não apenas aprovar o que os outros propõe. Vejo que há pessoas que ainda não se manifestaram, apenas acompanharam as votações. Concordo, é nossa primeira reunião e nos sentimos um pouco tensos. Mas precisamos perder o receio e participar.

– Eu quero dizer que apoio o Mestre Zósteles para a área de ensino e proponho os dois metalurgistas ou ao menos um deles, para ensinar a profissão aos jovens que queiram aprender a trabalhar com metais. – Disse o representante dos operários em geral.

– Eu não sei se o ensino dessa profissão poderia ficar subordinado ao ensino em geral, apenas como uma parte, – Falou Sumock.

– Creio que pode perfeitamente. Não devemos criar dois setores de ensino separados. Tudo que se refere ao ensino deve funcionar sob o mesmo comando geral. – Disse Kimba, falando pela primeira vez. Representava os construtores.

– Há alguém que possa fornecer apoio, orientação e ajuda de algum tipo aos nossos agricultores? – Quis saber o representante do segmento, Senhor Mullan.

– Realmente, se nossos agricultores receberem algum tipo de apoio, teremos uma alimentação de melhor qualidade e abundância. Não seria necessário comprar alimentos vindos de longe, – Disse o colega de Sumock, Senhor Stoll.

– Acho que não dispomos de ninguém com aptidão para isso no momento. Teríamos que buscar essa pessoa em outro lugar. Talvez os deuses nos enviem, assim como vieram ultimamente vários profissionais, hoje membros da comunidade. Talvez tenhamos essa sorte. – Disse Shungji.

– Quem pode duvidar, Senhor Shungji. Se essa pessoa aparecer por aqui e demonstrar o menor interesse em ficar, qualquer um de nós deverá enviá-lo ao nosso gestor Senhor Komboo. O que acham?

– Aprovado, – falaram praticamente todas as vozes em uníssono.

Se chegasse, nos próximos dias, algum entendido em técnicas agrícolas mais aprimoradas, fariam o possível para reter essa pessoa no serviço da cidade. Ainda foi aprovada a moção de designar o senhor Mentrix como auxiliar de Mestre Zósteles, pois era geômetra e também poderia prestar ajuda ao colega Domitron.

As decisões mais urgentes estavam tomadas. O cansaço do dia de trabalho era visível no rosto de todos e decidiram encerrar essa primeira reunião. Marcaram uma nova para a manhã do dia de descanso. Estariam com melhor disposição e suas decisões teriam maior chance de serem acertadas. Caberia ao Senhor Komboo dar andamento às decisões aprovadas até o momento. Inicialmente estava fora de cogitação falar-se em valores para remunerar o trabalho que as pessoas iriam desempenhar. Era quase certo que ninguém criaria problemas por isso. O que todos queriam era ver a cidade progredir e, para isso, nada melhor do que pôr mãos à obra. Quanto antes melhor.

Komboo agradeceu presença de todos. Se fosse possível, a próxima reunião talvez pudesse ser realizada na sede da administração, o que daria a todos maior liberdade. Alguns poderiam sentir-se constrangidos por estarem na residência do comerciante. Talvez em ambiente neutro, tivessem maior liberdade, tomassem a iniciativa. Mesmo assim, para uma primeira reunião, haviam sido tomadas várias decisões importantes. Tinha como dar início ao seu trabalho, o que era esperado por todos os que nele haviam votado. Despediram-se todos e retornaram aos seus lares. Na casa de Sumock havia pelo menos duas pessoas a espera. Muhn e Mink estavam ainda acordados.

Mal colocou os pés porta adentro, Mink começou o bombardeio de perguntas. Queria saber todos os detalhes, o que fora decidido, o que haviam discutido. Quem havia dito o que e por aí vai. Mal terminava de perguntar uma coisa e já estava falando novamente, não dando tempo ao irmão de sequer responder a primeira, quanto mais as outras. Em dado momento Sumock olhou firme em seus olhos e disse:

– Meu irmão! Se você não parar de falar, eu não tenho como responder suas perguntas. Para de falar um instante ao menos.

– Estou tão curioso, irmão.

– Vou satisfazer a tua curiosidade, mas só um pouco. O resto fica para amanhã, quando vou ter mais tempo. Hoje estou cansado demais. Trabalhei no pesado o dia inteiro e agora à noite mais uma carga. Quero dormir para descansar.

Ele falou em rápidas palavras as principais questões tratadas e aprovadas. Quem faria o quê e também que ele, Sumock, era agora o presidente da junta legislativa. Por ter sido o mais votado, lhe haviam concedido essa honraria. Na verdade, tratava-se de um presente de grego, pois significava mais trabalho para ele. Estava ali para enfrentar o que fosse preciso, contanto que a cidade, a sua Kibong começasse a crescer e se desenvolver. Isso explicado, deu um beijo na mãe, passou a mão pelos cabelos do irmão Mink e foi para cama. Em poucos minutos dormia pesadamente.

Mink comentou rapidamente que sentia orgulho por seu irmão ser o presidente da junta legislativa da cidade. Recebeu por sua vez um beijo da mãe e foi dormir. Logo reinou silêncio em toda casa. Um ressonar leva era audível de vez em quando e nada mais. A semana transcorreu em febril atividade. Komboo pagou do próprio bolso as despesas principais necessárias para deixar o imóvel em condições de funcionar ali a administração. Falou com os auxiliares que trabalhariam com ele diretamente, apenas para confirmar o que já fizera antes. Estava somente confirmando os convites que havia feito. Algumas palestras bastante prolongadas tiveram lugar. Nesses momentos os ocupantes das recém-criadas funções começaram a delinear seus planos de ação.

Estava tudo por fazer. O único que dispunha de alguma coisa para começar era Mestre Zósteles, mas era restrito também às suas salas de lições. Haveria necessidade de desenvolver um trabalho mais amplo, abrangendo toda gama de conhecimentos disponível a esse tempo. Esperava certamente que o geômetra lhe prestasse auxílio encarregando-se do ensino dos rudimentos de matemática. Aos poucos formariam uma massa crítica de pessoas em condições de ocupar algumas posições nessa hierarquia. Entre eles contava com Mink, além de alguns outros.

O engenheiro tinha desenvolvido um intenso trabalho de coleta de informações nas semanas antecedentes, junto com Mentrix. Tomaria isso como base para iniciar seu trabalho. Sabia não ser tarefa fácil o que iria enfrentar, mas era afeito a enfrentar desafios. Não os temia, ao contrário, lhe estimulavam o intelecto, despertando o melhor de suas capacidades. Esperava encontrar auxiliares à altura para pôr em prática seus conhecimentos.  Seria algo impossível, projetar, executar e ainda administrar as obras. Komboo lhe assegurou existirem no meio da população pessoas em número significativo para essas funções. Apenas seria questão de lançar os desafios e elas se mostrariam sem demora.

O tesoureiro teria pela frente a tarefa mais ingrata. Seria preciso “colocar a mão” na bolsa das pessoas, o que desagrada à grande maioria. Depois de arrecadar, seria também importante destinar os valores adequados para as diversas finalidades. Quem fosse levado a dar parte de seu trabalho em prol do bem comum, iria querer ver o resultado disso. Esse resultado poderia nem sempre ficar tão evidente como pode parecer. Precisaria lidar com essas questões com muita cautela. Sabia por experiência que, quando se trata de recursos públicos, muita gente perde a noção da medida. Imaginavam logo uma montanha inesgotável de moedas, onde bastaria pôr a mão e sair gastando. Ele, por experiência própria, sabia que não era exatamente assim. Se mal administrados os recursos públicos, se tornavam insuficientes para cobrir todas as despesas, por maior que fosse seu volume.

Komboo, depois de conversar longamente com seus auxiliares, chegou à conclusão de que fizera boa escolha. Teria a seu serviço pessoas da maior capacidade. Fariam um trabalho de bom nível em prol da população. Depois de determinar a limpeza e colocação dos móveis no lugar, verificou que era possível fazer algum trabalho. Boa parte dos trabalhadores, sabendo da inexistência no momento de dinheiro em caixa, nem cobraram pelo serviço. Davam algumas horas de trabalho em benefício da coletividade. Um artesão escultor em madeira e também pintor, encarregou-se de fazer uma placa a ser afixada sobre a porta da entrada principal, identificando o local. Isso feito, poderiam começar, no início da próxima semana a atender à população. A todo momento passava alguém perguntando quando começariam a trabalhar ali e era informado que se pretendia dar início às atividades depois do dia de descanso.

Dessa forma espalhou-se na população a informação de que os eleitos não estavam dormindo sobre os louros da vitória na eleição. Já estavam colocando as mãos na massa, começando a se movimentar. O tesoureiro conseguiu junto a um artesão, capaz de produzir pequenas folhas em que se podia escrever. Iriam servir para anotar os valores e os nomes dos contribuintes, além de fazer listas de valores arrecadados. Reuniu um pequeno grupo de jovens, aos quais encarregou de distribuir em todas as residências, bem como nas casas de comércio, manufaturas diversas as informações sobre os tributos a serem pagos. Para começar haveria apenas pequenas taxas sobre as propriedades imóveis. Sobre os produtos comercializados, teriam que discutir a legislação, o que dependeria da junta legislativa. Nem todos recebiam a comunicação com agrado, o que era de se esperar. Ninguém gosta de contribuir, pois isso significa tirar dinheiro de sua bolsa. Haveria momentâneo reflexo desses custos sobre os valores de alguns produtos.

Aos poucos tudo iria se acomodar, pois o dinheiro arrecadado, seria usado na prestação de serviços em benefício geral da população. Em pouco tempo começariam a sentir a diferença. Sumit sentiu ainda naquela semana o gosto amargo de ser interpelado sobre o destino de dinheiro arrecadado. Era alguém, pensando que bastaria ser investido na função de tesoureiro, para automaticamente ter à disposição um volume quase ilimitado de dinheiro. Relevou o fato e deixou por isso mesmo. De nada adiantaria criar polêmica. Teria que ter paciência e dar tempo ao tempo. Sempre soubera que o melhor remédio para todos os males é o próprio tempo.

Chegou o último dia de trabalho e estava tudo pronto para o começo do funcionamento da administração pública. Enquanto isso nas salas de ensino, chegava-se próximo ao término da primeira etapa de aprendizagem. Teriam um pequeno período de descanso. Esse período seria dedicado à formação de novas turmas de discípulos, onde haveria também a ministração de lições de matemática, começando com a base, para posterior ampliação. Era reflexo das mudanças que estavam ocorrendo na cidade. O homem que há apenas alguns meses aparecera, com aspecto de maltrapilho, agora estava ocupando uma função importante na comunidade. Ninguém lhe negava esse direito, ao contrário lhe davam total apoio. Sua chegada coincidira com o início das alterações em curso na comunidade. Parecera ter sido enviado pelos deuses.

Todos se preparavam para reservar uma parcela dos ganhos para contribuir com os cofres, por ora vazios, da comunidade. O crescimento exigia sua cota de sacrifício. Alguns já tinham disponível o valor que iriam usar para saldar sua contribuição. Queriam ver dinheiro arrecadado sendo aplicado nas melhorias em diversos setores do perímetro urbano, bem como nos aspectos de limpeza, higiene e mesmo embelezamento. No dia de descanso os legisladores se reuniram para discutir e decidir sobre outras questões da vida pública. Aos populares seria facultada a participação, na qualidade de assistentes, sem direito a opinar. Os debates e votações estariam a cargo dos legisladores. Para isso haviam sido eleitos.

Depois da reunião, que se estendeu até um pouco além do meio dia, a vida transcorreu normalmente. Todos aproveitaram para descansar, principalmente por se tratar de um dia de temperatura bastante baixa, chuvoso, bem propício para permanecer em casa, protegido dos rigores do tempo. Zósteles aproveitou a tarde para visitar os amigos, especialmente Minck, sem sombra de dúvida, o discípulo predileto. Na ocasião fez convite ao menino para ocupar uma das salas de ensino de escrita e leitura. Haveria, uma pequena remuneração para isso. A administração não disporia ainda de recursos para custear totalmente o ensino. Quem quisesse frequentar as lições teria que contribuir com alguma coisa para manutenção dos mestres.

O menino ponderou que, até o momento se sentira seguro por ministrar as lições, com a supervisão do mestre, sempre presente ali perto. Tinha dúvidas se teria competência para enfrentar sozinho os discípulos. O Mestre o tranquilizou dizendo que sempre estaria disponível para esclarecimento de dúvidas, embora não logo ali ao seu lado. Mas a experiência que tivera nos últimos meses, lhe permitia dizer que o jovem discípulo estava mais do que pronto para ministrar as lições. Era jovem, porém tinha conhecimento suficiente para desempenhar essa função. Sabendo dos encontros que ele mantinha com o anjo e da missão que ele iria enfrentar no futuro, piscou para ele de modo significativo. Mink logo entendeu e aceitou a posição. Estaria adquirindo experiência que lhe seria de enorme valor na vida que o esperava no futuro.

Ao entardecer o filósofo quis retornar a sua casa, mas foi convidado a participar do jantar. Ele, conhecendo a habilidade de Muhn e suas filhas na cozinha, aceitou de bom grado. Apreciava uma refeição bem preparada e ali estava uma ocasião para pôr seu paladar à prova. Depois de jantar, conversaram ainda por um tempinho, quando finalmente se despediram. Mink acompanhou o Mestre até às proximidades da casa, retornando depois ao aconchego de seu lar. Ali a mãe o esperava com uma caneca de chá quente, que o ajudaria a dormir melhor. O mestre havia lhe emprestado durante a semana um pergaminho, falando das lutas entre os deuses do olimpo, seus filhos e filhas. Ainda sentia algumas dificuldades em ler todo o texto, mas anotava as dúvidas e depois as esclarecia em conversas com o amigo.

Ainda teriam alguns dias de aulas, antes do período de descanso nos meses mais frios do ano. Sentou-se para ler, ficando por um período bastante prolongado a decifrar a escrita grega. Depois de entender as partes do livro, narrava à mãe o resumo do que lera. Algumas passagens eram de arrepiar, quando os seres, supostamente superiores, se entregavam a práticas pouco recomendáveis. Era complicado acreditar na veracidade de tais relatos. Mink falou à mãe que, nem o próprio Zósteles dava crédito a tais mitos. Vivera o suficiente em diversos países para formar uma opinião bem variada sobre o que era crível e o que não passava de pura lenda. Num lampejo de confidência, disse à mãe:

– Pode deixar mãe. Um dia ainda vou lhe contar umas histórias bem verdadeiras e muito mais bonitas sobre esse assunto de deuses, seres sobrenaturais.

– Você pretende tornar-se escritor de histórias, meu filho?

– Pode até ser que sim.  Mas ainda não estou pronto para isso. Falta muito a aprender ainda. Acho que lá adiante, depois de completar vinte anos ou um pouco mais, eu já possa começar a lhe contar alguma coisa.

– Acho você bem misterioso, meu filho. O que está acontecendo?

– Nada, mamãe. Acho que estou vivendo muitas coisas, aprendendo muito e isso mexeu com minha cabeça.

– É bom que tenha um período de descanso, ou vai ter um problema de cabeça no final das contas.

– Nem se preocupe, minha mãe. Não vou ficar maluco. Apenas estou pensando muito e as vezes tenho umas ideias bem estranhas. Mas nada que leve a maluquice.

– Acho bom você ir dormir agora. Seu pai e irmãos estão na cama, dormindo há algum tempo.

Deu um beijo no caçula e ele a abraçou, retribuindo o beijo de modo carinhoso, como só ele sabia fazer. Depois se retirou para ir dormir. O dia seguinte trouxe uma notícia bem interessante. Depois do meio dia, apareceu no meio das ruas de comércio um homem, trazendo em suas roupas as marcas de longos dias de viagem. Estavam sujas, com marcas de suor, apesar de ainda mostrarem terem sido um dia de boa qualidade. Ele deveria estar em viagem há muito tempo e ficara sem recursos para viajar condignamente. Era evidente tratar-se de alguém de boa linhagem. O que ninguém sabia era qual sua origem. Só quando Zósteles o viu que a dúvida ficou esclarecida. O tipo de vestimentas que ele trazia, era típico das terras do Egito.

Depois de algum tempo de conversa, o Mestre o convidou a entrar em sua casa. Providenciou roupas limpas, típicas da região onde estavam e ele se submeteu de bom grado a um banho de imersão em uma banheira bastante usada. Depois de limpo e vestido, embora sentindo-se estranho nas novas roupas, ele aceitou uma refeição que lhe foi oferecida. Tratava-se de um especialista em agricultura irrigada do Rio Nilo. Fora obrigado a deixar sua terra por causa de um fenômeno, parecendo castigo dos deuses egípcios. Haviam tido sete anos de colheitas fartas, os animais haviam crescido gordos e viçosos nos pastos. Um ex-escravo explicara ao faraó um sonho que este tivera e previra esses sete anos de fartura, seguidos de outros sete de seca e fome por toda parte.

Ele, hábil agrônomo, tentara de todas as formas continuar cultivando, mas seus esforços de nada haviam adiantado. O que a seca não matava, os gafanhotos dizimavam. O Faraó irritado o culpara de tudo, expulsando-o do país. Perambulara por toda parte, procurando onde pudesse trabalhar, mas o Faraó havia espalhado a notícia de sua dita inépcia, impedindo-o de arrumar trabalho. Estava em vias de deitar-se e esperar a morte chegar, quando divisara de longe as casas da aldeia. E ali estava. Saberia trabalhar, ajudar na agricultura da comunidade, trazendo progresso e fartura na mesa.

Diante de suas palavras, ditas com lágrimas nos olhos, Zósteles lhe dirigiu um sorriso amistoso. Depois falou:

– Meu caro Alek (esse era o nome dele)! Aqui está acontecendo alguma coisa bem curiosa. Eu sou grego, vivi algum tempo no Egito, depois estive na palestina, pérsia, Babilônia, Índia, China e um belo dia dei com os costados nessa aldeia. Encontrei trabalho, sou bem aceito e está em curso uma atividade bem apropriada. Me parece que estão à sua espera.

– Estão à minha espera?! Como isso pode ser?

– Há coisas que o tempo se encarregará de lhe esclarecer. Mas se falar com o recém-eleito administrador público, ele vai lhe receber de braços abertos.

– Bem! Se estiverem precisando de um agrônomo, certamente tenho o que oferecer à aldeia. Aliás, como se chama esse lugar?

– Até pouco mais de um mês, não tinha sequer nome. Agora passou a ser Kibong. Os agricultores irão gostar de seu serviço. Eles certamente precisam de suas orientações. Apenas precisará adequar seus conhecimentos às características do lugar. Há água disponível, mas a terra é relativamente pobre, precisando de tratamento para melhorar sua fertilidade.

– Isso eu resolvo com bastante facilidade. Se me derem permissão, estarão mudando suas safras da água para o vinho.

– Não lhe falei? É exatamente o que as autoridades estão esperando. E eles parece que estavam adivinhando.

– Pode levar-me a essas autoridades, Mestre Zósteles?

– Não só posso, mas vou lhe levar. Vou apenas me vestir adequadamente, pois a temperatura está caindo e preciso me agasalhar. Aliás, vou ver um agasalho para você também. Nesse tempo é bem frio aqui.

– Não quero dar trabalho. Vou aceitar, pois no momento não disponho de nenhum recurso para prover minhas necessidades.

– Não se preocupe. Logo terá, talvez no começo, pelo menos um teto, alimento e trabalho. As autoridades estão começando a trabalhar e ainda não dispõe de recursos para cobrir todas as despesas. Porém com certeza será acolhido como mais um cidadão da comunidade. Será bem-vindo, pode ter certeza.

– Nem vou saber como agradecer convenientemente.

– Eu penso que você não precisará agradecer. Vai é receber a gratidão pela sua presença e disposição para o trabalho.

– Isso é que eu chamo de uma benção dos deuses. Não sei quais são os deuses que adoram e veneram aqui, mas certamente são muito poderosos.

– Falaremos disso em outra ocasião. Agora vista essa capa e vamos. Vou leva-lo ao gestor público. Ele deve estar trabalhando na instalação provisória, até o dia em que seja construída uma sede apropriada para o governo local.

Saíram a caminhar, enfrentando o vento frio que soprava. Muita gente olhava para a nova figura, agora vestida com roupas locais, não o relacionavam com aquele que aparecera algum tempo antes. Haviam visto um homem com roupas estranhas, sujas e mesmo rasgadas. Agora viam um homem limpo, lavado e vestido com roupas como alguém do local. A barba fora aparada e o cabelo estava em bom estado. Ao chegarem ao local, logo foram recebidos por Komboo. Zósteles lhe apresentou o novo membro da comunidade, relatando resumidamente sua história. O chefe do executivo local, ficou encantado. Não hesitou em lhe fazer o convite para desempenhar a função de assessor agrícola da administração.

– Seja bem-vindo, Senhor Alek. Estávamos orando aos deuses pela vinda de alguém como o senhor. Parece que nossas preces foram atendidas.

– E eu estava me julgando perdido, pronto para deitar e esperar a morte de tanto cansaço e fome. Ao longe avistei as casas da aldeia e criei ânimo para mais um esforço. Aqui estou. Sejam os deuses que forem, pode crer que eles são poderosos e previdentes.

– Apenas devo dizer que estamos iniciando uma nova era na vida da comunidade. Ainda nem começamos a arrecadar tributos e nosso tesouro está vazio. Certamente não lhe faltará abrigo, nem alimento ou vestuário. Se estiver com disposição de trabalhar, será acolhido de braços abertos.

– E eu poderia esperar algo melhor? Para quem estava, há poucas horas, pensando em morrer e esquecer desse mundo, isso é o paraíso.

– Vamos providenciar sua acomodação e depois falaremos do que podemos fazer. Há um bom número de propriedades agrícolas nos arredores e elas estão prontas a receber sua sabedoria no assunto.

– Bastará me mostrar o que temos e verei o que é possível fazer. Iremos transformar as propriedades rurais em um verdadeiro celeiro.

– Isso nos livrará de comprar alimentos vindos de longe. Coisa que acontece hoje, por deficiência de produção. Poderei anunciar ao legislador, representante dos agricultores, que já dispomos de quem lhes preste auxílio em suas terras.

O novo membro da aldeia foi acomodado provisoriamente na casa de Mestre Zósteles, onde havia um cômodo disponível. Faltava apenas um leito e alguns utensílios, coisa que foi providenciado em pouco tempo. Aos poucos ele mesmo se acomodaria e criaria seu próprio lugar, com o ganho de seu trabalho. Os dois homens saíram da sede administrativa e passaram pelas salas de ensino, onde Alek foi apresentado aos discípulos. Quem logo viu o alcance daquela notícia foi Mink. Via ali a mão do amigo Arki agindo. Com certeza teriam necessidade de agricultores no repovoamento do planeta. Os ensinamentos de Alek teriam grande valor nessa questão.

Décio Adams

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