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Grupo de pioneiros em formação.
Depois de selecionar os dez integrantes para iniciar a preparação da força de repovoamento, Mink voltou ao alto do penhasco, onde encontrou-se mais uma vez com Arki. Tinha agora o grupo completo e passou a apresentar um a um. Descrevia com minúcias os atributos que eles tinham. Pertenciam à variados grupos étnicos e sociais dentro da atual composição da população de Kibong. Nesse primeiro passo, cuidara de identificar características como a firmeza de caráter, capacidade de liderança e equilíbrio emocional. Teriam sobre os ombros a tarefa de preparar, por sua vez, dez novos líderes. Teriam que ser capazes de tomar decisões, manter o controle, mesmo em situações complicadas. Ao fim e ao cabo, cada um deles teria sob seu comando algo em torno de 1100 homens e mulheres. Isso exigia aptidão com certeza.
Depois de fazer ao anjo o relato da sua escolha, os motivos e qualidades que haviam orientado sua decisão, ouviu dele as palavras:
– Certamente há entre eles quem não seja tão apto quanto os demais. Mas isso é previsível. Pode-se suprir essas falhas com os ensinamentos que lhes serão ministrados. O mais importante é a velocidade e eficiência com que eles serão capazes de aprender.
Mink ficou um instante pensativo, imaginando onde poderia ter sido mais criterioso na escolha. Antes que conseguisse verbalizar o que pensava, o anjo voltou a falar:
– Não pense em substituir algum do grupo. Eles estão muito bem selecionados. Sabíamos que nunca encontraríamos um grupo perfeito. Isso simplesmente não existe no meio dos seres humanos. Por mais qualidades que a pessoa tenha, sempre haverá um ou mais pontos em que ela é falha. Convém a nós, orientadores de tudo, identificar os pontos fracos e suplementar, da melhor maneira possível, esses problemas. Mesmo assim, sempre continuaremos a ter alguns problemas.
– Acho que isso faz parte da natureza humana, não verdade?
– Sem dúvida, amigo. Todo ser humano é imperfeito. A vida evolutiva visa ao aperfeiçoamento dos seres mortais, até que atinjam o Paraíso, onde só entrarão depois de alcançarem a perfeição do Pai Universal.
– Quantas etapas tem essa vida evolutiva?
– A fase chamada “moroncial”, que acontece no contexto do Universo Local, é composta de sete etapas, chamadas Mundo das Mansões. Ao alcançar o final, o ser, que era mortal, torna-se residente da capital do Universo Local, que é Nébadon e sua capital é Sálvington.
– E depois disso chega-se ao Paraíso?
– Ainda resta percorrer outras etapas, antes de tornar-se residente da capital de Ôrvonton. A próxima etapa é constituída de um longo tempo nos mundos de Havona, que circundam a Ilha do Paraíso.
– Melhor nem contar isso ao povo, pois acho que iriam pensar que é um caminho longo demais.
– A parte melhor é que, uma vez entrando na vida moroncial, acabou a passagem pela morte. Ao passar de uma etapa para outra, o nível de espiritualização da mente cresce. Adormece e depois acorda na nova esfera e assim sucessivamente. Ninguém mais tem pressa ao chegar lá.
– Mas é bom deixar para revelar esses detalhes bem depois, quando já estiverem preparados para confiar, ter fé.
– Nem se iluda de que não haverá que saia do caminho, quando estiverem na nova morada. Eles terão filhos e irão transmitir, à sua maneira a eles o que tiverem aprendido, misturado com a própria experiência de vida. Daí é fácil imaginar que haverá discordâncias e surgirão problemas. Esteja preparado, amigo.
– E não vai adiantar convencer suficientemente esses primeiros escolhidos e os que virão depois deles?
– Não. Eles são humanos. Até entre seus filhos poderão surgir alguns que discordam, desviam-se do bom caminho. Isso é parte inerente à evolução humana.
– Eu havia imaginado que seria possível converter a um grupo grande e depois só evoluir, sem dar mais um passo para trás.
– A humanidade já andou para frente e para trás um sem número de vezes. Sempre é mais fácil apegar-se às superstições, aos medos e crendices sem profundidade. Mas haverá sempre quem se levante e reanime os pontos fortes da fé, da religião mais elevada.
– E essas religiões tão diferentes que existem pelo mundo, como ficam?
– Todas elas são válidas, enquanto os seus praticantes agem com fé e amor em suas vidas. Aos poucos eles irão evoluir até encontrarem a Deus em sua busca.
– Há sempre os que consideram sua religião melhor que as outras. Quem está certo?
– Todas as religiões são igualmente boas. O que está errado é a existência de conflitos por motivos de religião. Infelizmente isso ainda vai demorar muito para chegar ao fim. Muito tempo mesmo.
– Bem que os homens poderiam aprender de uma vez e depois caminhar em frente. Seria bem melhor.
– A revelação já teve três etapas até hoje. Com o passar dos anos sempre a humanidade recai nas velhas práticas. Sempre há necessidade de restaurar a verdadeira fé, na Trindade do Paraíso. No entanto isso ainda irá demorar bastante.
– Mesmo tendo a fagulha, os homens continuam sendo teimosos e resistem às mudanças.
– A fagulha apenas serve como uma espécie de orientação para guiar a vida. Nem todos conseguem entender os sinais dessa partícula do Pai Universal. Isso leva a diversos erros. Os erros em alguns casos acabam se convertendo em crenças bem fortes, embora falsas.
– Isso significa que a humanidade, sem as revelações periódicas, fica num processo de tentativa e erro. Avança até certo ponto, comete alguns erros e se desvia. Algumas vezes acaba andando para trás.
– Uma lástima que o vosso planeta tenha tomado parte da rebelião celeste. Os responsáveis por prover a evolução, na verdade jogaram todos num abismo de ignorância que dura em torno de 200 mil anos.
– Isso é tempo demais.
– Depois veio o casal de Filhos Adâmicos, o Adão e Eva destinados a serem os governantes do planeta. Costumam trazer uma grande evolução biológica e espiritual. Eles também cometeram erros e se tornaram mortais. Mesmo assim deixaram heranças importantes. Não faz muito tempo assim, houve a auto-outorga de um filho Melquisedec, na cidade chamada Salém. Viveu como homem por quase 100 anos e voltou para junto dos seus irmãos, que governam o planeta, depois da rebelião.
– Somos uma espécie de cabeça bem dura, pelo visto. Com tanta ajuda e não conseguimos progredir, chegar a um nível mais elevado de civilização.
– Não se aflija, amigo. Dados todos os problemas enfrentados, a Terra é um planeta abençoado, apesar de tudo. Muitas experiências importantes foram e continuam a ser feitas aqui. Isso irá servir de informação na continuação da criação de novos mundos ainda por nascer, ou principalmente, por receber a semente da vida.
– Fico admirado com a paciência do Pai Universal. Acho que isso é devido ao fato que ele não ser temporal. Para ele o tempo não existe.
– Ele experiência o tempo através de suas criaturas evolutivas. Assim ele complementa sua manifestação, enquanto Deidade.
– Aí está mais uma coisa que não compreendo. Acho que é outro mistério que nem devo tentar entender.
– Você aprende depressa. O que não for compreensível, deixe para mais tarde. São mistérios que nem nós, membros das hostes celestes, compreendemos completamente.
– Como devo fazer para começar a orientação do grupo escolhido?
– Comece como quem não quer nada. Procure fazer com que se encontrem e conheçam, formando um grupo. Depois será mais fácil passar as orientações em conjunto.
– Primeiro fazer com que se tornem amigos uns dos outros, só depois passar a fornecer as informações. Uma boa ideia. Havia pensado em chamar todos para uma reunião, mas agora vejo que isso seria bobagem.
– O tratamento de choque não é aconselhável. Melhor é avançar devagar. Parece que já há os que se conhecem e isso ajuda a promover o encontro com os demais.
– Vou pensar numa forma de juntar eles todos. Acho que, no próximo encontro, podemos discutir o que devo ensinar primeiro.
– Você pode soltar uma ou outra informação aos poucos, mesmo na fase de conhecimento e estabelecimento de relacionamentos entre eles. Mas pequenas frases, nada de afundar a mão. Vai com calma. Por ora estamos entendidos. Eu vou andando, pois, o chefe está chamando por mim.
– Como se eu não escutei nada?
– Nem poderia escutar. Ele fala por circuitos que não estão ao seu alcance.
– Um dia quero poder ouvir por esses canais ou circuitos que ele usa.
– Quando estiver na vida moroncial, começará a entender cada vez melhor as comunicações por esses circuitos. Você vai ver. É só não ter pressa.
– Agora estou com pressa, porque o sono está apertando. Vamos nos ver novamente daqui a quatro semanas?
– Já estamos acostumados a esse ritmo. Facilita as coisas e dá tempo a que você trabalhe, fazendo sua parte. Depois nós tiramos as dúvidas.
O habitual passo para trás e logo o risco luminoso cortando o céu. Em um instante tudo voltou ao normal, sem sinal do que acontecera até um minuto antes. O menino desceu e foi para casa. No percurso pôs-se a pensar como iria conseguir converter aqueles dez estranhos em amigos de verdade. Não era tarefa das mais simples. Faziam parte de diferentes raças, traziam costumes e crenças diversas. Isso em nada concorria para facilitar sua tarefa. Nisso, lembrou das sempre repetidas palavras do anjo:
– Confia! Tenha fé!
Todas as coisas que aprendera ao longo dos anos com o anjo, se acumulavam em sua mente e por vezes, pareciam querer explodir sua cabeça. Mesmo assim, devia confiar, ter fé. Quem pensasse que era algo fácil, estava plenamente enganado. Não fosse seu entusiasmo natural e talvez tivesse desistido há muito tempo. O que o prendia era o fato de saber que, do outro lado da morte material, estava a sua espera um mundo novo, diferente, cheio de possibilidades. Uma longa jornada o aguardava e ele se preparava mentalmente para enfrentar quaisquer dificuldades que daí adviessem. Assim pensando, chegou à porta de casa. Dispunha de sua chave para destrancar a entrada e logo fechou novamente. Em questão de um ou dois minutos estava deitando em seu leito. Aos poucos um plano, ainda rudimentar ia se formando em seu cérebro. Tinha a impressão de ouvir a fagulha sussurrando sugestões e ele somava tudo, construindo um projeto de ação a desenvolver nas próximas semanas.
Com os pensamentos ainda em ebulição, o cansaço trouxe o sono e ele dormiu placidamente. Na manhã seguinte acordou cedo. Ouvira a mãe falando com Xing, durante a preparação da refeição matinal. Levantou-se e foi ter com elas. Ao sentir o odor dos alimentos sendo preparados, correu para o local de lavar-se, agora instalado na parte interna da casa e fez sua higiene matinal. Antes que o pai e irmãos levantassem, ele já estava tomando a refeição. Muhn indagou de suas andanças noturnas, mas ele soube contornar o assunto, dizendo a verdade, mas sem revelar o que era ainda proibido. Terminou de comer e quando os outros sentavam para o desjejum, Mink estava pronto para sair à rua.
Seu plano incluía trazer os novos amigos para perto de Zósteles. O filósofo sabia a parte essencial de seus segredos e não iria se opor ao plano que arquitetara. Convidaria o grupo para reuniões, na casa do mestre e ali eles iriam se conhecer, enquanto discutiam ou ouviam preleções filosóficas. O mestre ouviu com atenção e sugeriu pequenas alterações, antes de aprovar tudo. Era o confidente de confiança do discípulo e compartilhava com ele partes dos segredos ouvidos no alto do penhasco. Naquele dia mesmo, seis do grupo se encontraram em casa do mestre. Enquanto falavam de ideias, conceitos filosóficos, ia se formando um tênue mas firme laço de amizade entre eles. Apesar da diversidade de crenças, costumes e hábitos, conseguiam ver com certa clareza através das ideias simples e claras de Zósteles.
Ao anoitecer um agradável clima de camaradagem existia entre eles. Faltaria trazer os outros quatro. Um rapaz e três moças. Teria que providenciar isso no decorrer da semana. Aos poucos, quando se encontravam, sempre se cumprimentavam e trocavam algumas palavras calorosas, como bons amigos. Ao final da semana estava combinado um encontro na noite anterior ao dia de descanso. O mestre concordara e colaborou com alguns ingredientes para preparação de uma refeição bem saborosa. Não há nada melhor do que uma boa refeição para predispor as pessoas a uma conversa interessante.
No momento da chegada dos amigos, Mink estava à porta para recebe-los. Sabiam que não era sua casa, mas tinha com o dono uma profunda relação de amizade. Isso os deixou serenos e logo estavam reunidos diante de uma mesa preparada com requinte, mas sem rebuscamentos desnecessários. O filósofo era conhecido por sua frugalidade e aversão ao desperdício. Uma cozinheira de meia idade estava encarregada da cozinha. Uma vez servida a comida, ela se recolheu a seu aposento, onde poderia ser encontrada em caso de necessidade. Ao terminarem a refeição, o dono da casa e seu pupilo removeriam os utensílios, deixando-os na cozinha. A limpeza seria feita na manhã seguinte pela mulher.
A palestra foi informal e descontraída, porém, sempre voltada para conceitos filosóficos. Quem dava o tom nesse sentido era mestre Zósteles. Mink participara dentro de suas possibilidades, além de lançar vez ou outra uma palavra relativa à nova realidade com que tomara conhecimento por meio de Arki. Os dez tinham idades oscilando entre os 17 e 22 anos, em pleno vigor físico e intelectual. Se preciso fosse, poderiam passar horas envoltos em conversação animada, sem sentir-se exaustos. Porém, quando o meio da noite se aproximava, o dono da casa deu sinais de que estava cansado, embora fizesse esforços hercúleos para não demonstrar. Um novo encontro, dessa vez na praia depois do almoço do dia de descanso. Seria um encontro mais descontraído, enquanto caminhassem pela areia, pisando na água vez ou outra. O próprio mestre fez questão de afirmar que também estaria presente.
Retornaram para suas casas e cada um ia tentando digerir algumas ideias novas que lhes haviam sido incutidas naquela noite. Provavelmente alguns deles demoraram a dormir, mas na hora combinada no dia seguinte estavam chegando na praia, onde encontraram os demais integrantes do grupo. Caminhando vagarosamente pela areia, o grupo significativo, ainda assim não chamou demasiadamente a atenção. Dessa forma puderam palestrar em duplas, trios e mesmo grande grupo, quando se reuniam em círculo. Concluída a ideia que motivara o momento, tornavam a caminhar, continuando a travar conhecimento entre eles. Logo houve uma troca de companheiros de caminhada. O objetivo era estabelecer um relacionamento de todos com todos e não formar duplas ou trios. Deveriam transformar-se no final em um grupo coeso e forte, sem divergências graves ou desentendimentos.
Ao final da tarde, todos se conheciam o suficiente para sentir-se parte de algo especial. Sentiam em Mink a presença de alguma força desconhecida, algo que atraia, cativava. Mesmo sendo ainda um menino, chegando ao final da adolescência, era dotado de uma inteligência e discernimento incomuns. Voltaram para a cidade, caminhando alegremente, conversando com animação. Na praça, próxima ao centro do perímetro urbano, despediram-se, seguindo cada um para sua moradia. Em geral iam de dois em dois. O jovem líder do grupo, foi para sua casa com o coração jubiloso. Era perceptível que o grupo começava a criar sinais de coesão e unidade. Sem dúvida uma tarefa gigantesca o esperava nos próximos meses, mesmo anos. Teria que incutir nas mentes dos amigos a ideia de um Deus Uno e Trino. Era um conceito complexo para as mentes ainda presas às crenças, superstições e medos trazidos do início de suas vidas.
Foi recebido em casa pelos pais e irmãos. Precisou responder a questionamentos da família, sobre sua amizade com um grupo, no mínimo estranho. Ouviu sua mente lhe sugerindo respostas bem simples. Disse que preparava possíveis candidatos para posições públicas, a pedido de Zósteles. Iriam atuar em funções no setor educativo. Com isso satisfez a curiosidade e pôs um ponto final nas perguntas, pelo menos naquele momento. Sabia que no futuro novas perguntas surgiriam. No momento oportuno saberia o que dizer.
Aquela semana transcorreu depressa. Os encontros com os integrantes do grupo em diferentes momentos, serviram para amalgamar cada vez mais a amizade que começava a surgir entre eles. Realmente alguns foram contratados para tarefas na área da educação. Não tinham formação para serem mestres, mas podiam exercer atividades diversas, sempre necessárias. Isso corroborou o que falara à sua família. Os agraciados ficaram contentes, uma vez que estavam à procura de trabalho, tendo chegado em época relativamente recente à cidade. Os outros estavam trabalhando em diversas ocupações. Em meio a grandes atividades diárias, chegou novamente a véspera do dia de descanso. Uma festa estava preparada para aquela noite, em homenagem ao começo da primavera. Em poucos dias as flores começariam a colorir a paisagem, as sementes germinariam em toda parte, enchendo a natureza de vida. Os animais e os pássaros principalmente, cuidariam de seus ninhos, a formação dos casais para se reproduzirem. Não tardaria a haver um sem número de filhotes por todos os lados, perseguindo os pais que tentavam se livrar do encargo de lhes prover alimento. Um espetáculo repetido anualmente.
Um programa variado fora preparado para a festa, especialmente apresentações de danças, declamação de poesias. Contadores de histórias e músicos se apresentariam em diferentes palcos armados nas ruas e praças. Aos poucos o grupo dos novos amigos foi se reunindo e acabaram assistindo as principais apresentações juntos. Divertiram-se como um grupo qualquer de jovens. Mink era um dos mais animados. Sentia o impulso de infundir no grupo um espírito alegre. Aprendera em suas inúmeras conversas com Arki que o ser humano era destinado a ser alegre, ter humor, gozar do lazer sadio e justo nos momentos de descanso. Assim promoveu brincadeiras entre eles, no que foi seguido pelos companheiros. Diante do palco onde havia apresentações de dança, dançaram no ritmo dos artistas improvisados. Essa atitude contagiou grande número de pessoas, levando-as a participar da brincadeira. Ao final dos festejos estavam todos cansados e sentiam a alma leve. Tinham no coração uma alegria jamais sentida antes.
Esse resultado mostrou a Mink o acerto de suas atitudes para com o grupo. Não iria atraí-los para a grande aventura do futuro, com falas sérias, palestras cheias de discursos e palavras severas. Envolvê-los em alegria e humor seria muito mais produtivo. Se o Universo privilegia o bom humor, a alegria e lazer, seria esse o caminho a seguir. No dia de descanso todos tinham seus compromissos familiares. Não deveria privá-los dessa convivência. Ela auxiliaria no equilíbrio emocional de cada um. Talvez traria componentes das famílias respectivas para integrar os futuros grupos que eles iriam formar.
Nesse ritmo as semanas passaram rapidamente. Quando menos esperavam, já era dia de novo encontro com Arki. Havia muito a narrar sobre a caminhada desenvolvida até o momento. Os amigos mostravam-se a cada dia mais interessados em saber mais detalhes sobre o Universo, sobre o Pai Universal, a Trindade e o conjunto de Superuniversos existentes no imenso espaço, aparentemente sem fim. Eram tantas novidades e revelações que iam pingando a cada encontro. Mink havia se tornado exímio em dosar as informações. Queria saber do anjo se o ritmo imprimido até o momento era adequado, se devia ir mais devagar ou depressa. Foi preciso inventar uma desculpa aos amigos para poder ir ao encontro do amigo. Disse que precisaria estar presente a uma reunião de família, o que não deixava de ser verdade. Mas era coisa rápida e logo após o jantar ele estava livre para subir ao penhasco.
Pensara em sugerir ao amigo que os encontros passassem a ocorrer na praça ou num ponto mais próximo da casa de seus pais. O problema era que isso os exporia à curiosidade de algum vizinho das redondezas. A única opção por ora era o penhasco. Ao chegar lá, viu o raio azul riscando o céu. Parecia que o amigo tinha pressa em chegar. Mal havia tido esse pensamento e Arki se fez presente ao seu lado.
– Salve, amigo. Quase cheguei atrasado.
– Eu sabia que você estava chegando e não quis perder tempo.
– E eu estou ansioso por contar tudo que aconteceu nessas últimas quatro semanas. Os meus amigos estão cada dia mais curiosos pelas novas revelações.
– Me conte o que andou acontecendo. Sempre é melhor ouvir de sua boca do que pelos canais celestiais.
– Eu preciso saber se o ritmo que estou seguindo está bom ou se devo mudar. Tenho receio de andar depressa demais e eles não acompanharem ou muito devagar e perderem o interesse.
– Eu considero que o ritmo está bom, se eles estão interessados. Pode até experimentar um aumento do ritmo, pois isso é natural, na medida em que avançam no domínio das diversas fases da revelação. Mas nunca exagere. As revelações muito grandes de uma vez podem causar impacto negativo.
Mink pôs-se a narrar minuciosamente todos os seus passos, desde a forma adotada para levar o grupo a se conhecer e estabelecer os primeiros laços de amizade. Depois contou o que até agora fora revelado. O anjo ouviu com atenção e ao final falou:
– Você está se saindo muito bem. O que eu sugiro é que adote a repetição das mesmas informações, usando palavras um pouco diferentes. Isso reforça a absorção deles de tudo que você disser.
– Quer dizer que devo repetir tudo, usando outras formas. Vou precisar pensar bem, para não me tornar chato, pois eles são muito rápidos de raciocínio. Nenhum deles está abaixo da média intelectual geral.
– É uma boa coisa isso. Eles não poderiam desincumbir-se corretamente das missões se tivessem baixa aptidão intelectual. Lá no final, os últimos selecionados, podem ser mais simples. Isso deixará o grande grupo bastante heterogêneo. Assim teremos pessoas de todas as origens e categorias. O resultado será um povo mais forte e resistente. Teremos gente inteligente o bastante para levar o desenvolvimento para frente. Por outro lado, teremos também quem possa fazer as tarefas mais humildes.
– Até que ponto posso caminhar com as revelações? Creio que chegar a falar de tudo, sobre o Paraíso, Pai Universal, Trindade, Filhos Criadores, talvez ainda seja cedo.
– Você pode falar de modo simplificado sobre tudo isso. Não precisa chegar aos detalhes que eu digo a você. Já lhe disse várias vezes que nem nós, seres celestes, sabemos todos os detalhes. As revelações que até hoje foram feitas e se perderam no decorrer do tempo, sempre usaram de alguns artifícios. A revelação total seria chocante demais para o nível da compreensão dos homens da época.
– Quando estivermos repovoando o planeta, haverá revelações ao longo do tempo?
– Sem dúvida. Vocês terão a assistência dos governantes do planeta onde irão habitar. Eles estão trabalhando intensamente na preparação do terreno para a chegada de vocês. Eles, no momento certo, virão na forma humana, trazer informações para o grande grupo, antes do transporte.
– Opa! Nós teremos contato com seres que estarão ligados a nós no nosso destino. Isso é confortador.
– Ninguém jamais pensou em jogar vocês naquele mundo e deixar vos entregues à própria sorte. Haverá uma multidão de anjos, de todas as categorias, outros seres para apoiar o trabalho de vocês. Há todo interesse no sucesso da missão que vocês estão sendo chamados a enfrentar. Sabemos que não será nada fácil deixar seus familiares, amigos, suas casas, enfim toda sua vida nesta cidade e se jogar nessa aventura.
– Eu não havia pensado nesse aspecto. De fato, não vai ser fácil. Muitos irão para um mundo desconhecido, deixando para trás tudo que tem aqui. Eu mesmo, não sei quem de minha família irá junto. Vou levar tudo isso em consideração, meditar muito sobre isso. Você me abriu os olhos hoje. Mas não pense que estou inclinado a desistir. Pelo contrário, meu espírito de aventura, me deixa mais curioso ainda. Se fosse possível eu iria agora para lá.
– Sem pressa, amigo. O Universo caminha em ritmo próprio. Nada de atropelos, nada de açodamento. Vocês irão para lá, mas na hora certa e com tudo preparado para recebe-los. Os seres celestes estão tratando de remover todos os vestígios de coisas nocivas provenientes da antiga civilização que lá existiu. Querem deixar tudo limpo para vocês.
– Mas os sinais das máquinas também terão desaparecido?
– A maior parte a geologia se encarregou de engolir. Terremotos, vulcões, deslizamentos e erosão, cobriram a grande maioria dos vestígios. As florestas cobriram boa parte com suas árvores, folhas e raízes. Irão encontrar sinais em muitos lugares. As futuras gerações poderão escavar e encontrar algumas partes das máquinas antigas, mas isso irá demorar bastante. Milhares de anos irão transcorrer até que atinjam novamente o nível de desenvolvimento que ali havia. Esperamos que então estejam em melhor condição de fazer uso da ciência e das invenções do que os antigos habitantes.
– Se tudo correr bem, haverá descendentes meus no meio da população quando esse dia chegar. Vou me esforçar para fazer minha parte da melhor maneira possível.
– Você terá um destino muito importante. Irá viver bastante, mas lá no futuro, não passará de uma figura da história da humanidade que terá ajudado a criar. Quando esse dia chegar, estará no Mundo das Mansões, evoluindo rumo ao Paraíso.
– Nós seres humanos pensamos sempre em termos de dias, anos e meses. Quando se trata de milhares de anos, começamos a ter dificuldades de entender muito bem.
– Isso faz parte da vossa evolução. Não se preocupe com isso.
– E qual deverá ser a religião nesse novo mundo?
– Deverão começar tentando seguir a religião da revelação que estão recebendo. Mas não irá demorar muito para começar a haver divergências, novas crenças, superstições e coisas assim irão surgir. Não deverá se preocupar com isso. Sabemos que sempre acontece. Nos momentos certos surgirão profetas para reavivar a verdadeira fé. Em algum momento haverá a presença de algum filho auto-outorgado, vivendo uma vida na carne, completando em parte, a revelação para aperfeiçoar o aspecto religioso dos descendentes de vocês.
– Eu devo manter algumas dessas coisas em segredo? Ou devo revelar tudo?
– Nunca revele demais. Pode usar figuras para ilustrar o que fala. Assim conseguirá se fazer entender mais facilmente.
– Minha fagulha terá bastante trabalho em me orientar na hora certa. Vou precisar muito dessa ajuda.
– Os anjos de sua vida irão trabalhar constantemente junto a você. Eles não largam do serviço por nada. Eles não cansam e trabalham noite e dia.
– Nem quando eu estou dormindo?
– Nesse momento eles vigiam o seu sono, para que descanse e consiga enfrentar um novo dia. Seu corpo material precisa disso.
– Esqueci que os anjos não são feitos de carne, eles não cansam como nós humanos.
– Eles também descansam, mas os intervalos entre um descanso e outro são longos. Muito longos mesmo. Quando terminam uma tarefa, passam por um período de descanso e se preparam para desempenhar nova tarefa.
– Não tem dia e noite. São etapas que se sucedem. Acho que nossa vida na eternidade, durante a evolução, vai ser semelhante de alguma forma.
– Vocês entram na vida moroncial e começam a evoluir por etapas. Nós, os anjos, também evoluímos de forma semelhante. Estamos sempre aprendendo alguma coisa nova. Os períodos de descanso também servem para aprender. Aproveitamos para visitar outros mundos, outras esferas para ver como é a experiência lá. No final saímos com algum ensinamento.
– Se eu entendi tudo certo até agora, até o Pai Universal aprende com a experiência de suas criaturas. Ou estou enganado?
– É o que nós suspeitamos, embora não tenhamos certeza absoluta. Mas tudo leva a crer que sim, pois só isso daria uma justificativa para o empenho de toda criação em amparar as criaturas evolutivas em sua caminhada. Há um esforço imenso para evitar que um ser humano chegue ao final de sua existência, sem adquirir a aptidão para sobreviver à vida na carne. A extinção daqueles que não tem êxito nessa empreitada, causa grande consternação em todos.
– O Pai Universal também sente tristeza?
– Como um Ser perfeito, Ele não poderia sentir tristeza, pelo menos da maneira que vocês entendem esse sentimento. O certo é que cada extinção, significa um fracasso no trabalho de todos.
– Uma coisa a lembrar e levar para a vida. Se até os seres celestes sentem o fracasso, imagine nós humanos imperfeitos. Se falhamos, devemos levantar e seguir em frente, evitando novas falhas. O passado deve servir de lição para o futuro.
– Isso mesmo. Os fracassos são lições para orientar os passos do futuro. Você lembra do que falei sobre o mundo experimental. Urantia é um planeta experimental. De cada dez novos mundos, um é usado para fazer experimentos com a forma de vida e isso traz informações para o futuro. Isso significa que os fracassos fazem parte do processo e são tomados como ensinamentos sobre o que não deve ser repetido. Isso é algo como o aprendizado com a tentativa e erro, muito comum entre vocês seres humanos que vivem nesse mundo.
– Então nós somos semelhantes, de certo modo, aos seres espirituais. A diferença básica é o corpo material.
– Podemos dizer que sim. Pelos menos em termos gerais. Quanto mais colaborarmos uns com os outros, melhor será o futuro. Se vocês conseguirem formar um grupo bem preparado, a chance de sucesso no repovoamento será muito maior. Maior possibilidade de êxito teremos todos. Vou voltar para atender ao chamado do meu superior. Vejo você novamente daqui a um mês. Continue seu trabalho e não hesite em pedir ajuda. Isso você pode fazer, elevando o pensamento para o alto. Você será ouvido e atendido em seus pedidos.
– Devo orar ao Pai Universal?
– Deve. Ele ouvirá e ordenará a alguém para lhe ajudar. Não ficará sem auxílio. Basta confiar, ter fé.
– Ter fé, confiar. Estou ficando bem treinado nesse assunto. Nos últimos tempos é o que mais tenho feito. Há momentos que temo exagerar, esperar demais.
– Não tema. Se você exagerar não será atendido, ou perceberá seu erro pelos resultados.
– Está certo. Até o próximo encontro.
O céu foi riscado pelo raio azul e sumiu no lugar de sempre. Mink se viu sozinho e pensativo. Lentamente desceu e caminhou para casa. Ia meditando, mas mantendo a cabeça erguida. Sentia no íntimo a alegria de caminhar rumo a um futuro glorioso. Dormiu pouco naquela noite. Seus pensamentos estavam distantes, pensando na vida que teriam naquele planeta distante. Tentava imaginar como seria estar no comando de um grupo tão grande de pessoas. Se agora, tendo sob sua orientação apenas dez, já sentia dificuldades, o que faria quando fossem mais de dez mil? Em que estado estaria a natureza na nova morada? Estaria tudo por fazer, tudo por descobrir e desbravar. Que espécies de animais encontrariam? Quando adormeceu estava exausto e isso o fez dormir até depois de todos terem levantado.
Muhn estranhou o fato e foi verificar se ele estava bem. Temeu que alguma coisa houvesse acontecido com seu caçula. Encontrou-o dormindo placidamente. Ao virar-se para sair, ouviu sua voz dizer:
– O que houve, mãe?
– Eu vim ver se você estava bem. Já é tarde. Mas parece que está bem, apenas dorminhoco hoje.
– Demorei a dormir à noite. Já vou levantar. Ainda tem alguma coisa para o desjejum?
– Eu guardei e vou preparar uma caneca de chá para você. Levante-se e vá se lavar.
Ele se levantou e fez o que a mãe sugerira. Lavou-se e depois voltou para a cozinha, onde uma caneca de chá fumegante o aguardava. Havia pão, feito de trigo e centeio, muito apreciado por Mink. Havia mel para adoçar o chá e também lambuzar o pão. Ao sentir o sabor do pão, tomando um gole do chá suave e saboroso, ele sentiu-se revigorado. Mastigou demoradamente o alimento enquanto seus pensamentos se elevavam ao alto. Pediu ao Pai Universal forças para levar sua missão para frente. Ao ver seu olhar como que perdido, querendo perfurar as coisas e enxergar através delas, Muhn falou:
– O que anda perturbando seu espírito, meu filho? Você está com um olhar distante, perdido no infinito.
– A senhora falou tudo. Meus pensamentos estão no infinito mesmo. Estou pensando no Criador de tudo que existe, o Pai Universal.
– E onde está ele? O que você sabe que eu não sei?
– Ele está na sua morada, num lugar muito distante. Seus anjos estão em toda parte, cumprindo sua vontade.
– Que coisa mais estranha, meu filho. Anjos? Onde estão os anjos?
– São seres invisíveis em geral, mas podem se tornar visíveis quando querem, para trazer mensagens aos seres humanos.
– E onde você foi buscar essas ideias? Andou se encontrando com um desses “anjos” por acaso?
– E se isso fosse verdade, mãe? O que você pensaria de mim?
– Sinceramente não sei o que pensar. Sempre ouvi falar de deuses. Deus das tempestades, deus dos raios e trovões, deus da fartura, há deus para tudo. Agora vem você falar de um Pai Universal, que vive num lugar chamado Paraíso, que manda anjos cumprir suas ordens. Acho que você sabe mais do que quer me dizer.
– Estou falando a verdade, mãe. Pelo menos tudo que falei é o que eu sei sobre o assunto.
– Melhor nem falar sobre isso com os outros. Iriam rir de você.
– Não há pressa, mãe. O Deus, o Pai Universal não tem pressa. Ele tem paciência infinita, misericórdia sem limites.
– São palavras completamente diferentes do que eu havia ouvido até hoje. Sempre ouvi falar de deuses ciumentos, raivosos, egoístas e com todos os defeitos que os seres humanos também tem. Esse Deus de que você fala, parece outra coisa, mas soa como algo bom e cheio de amor.
– O mãe! A senhora acertou na mosca. Deus, o Pai Universal, é cheio de amor. Ele ama todas as criaturas que existem, pois foi ele que as criou.
– Como ele pode ter me criado, se eu nasci da minha mãe? Eu dei à luz a você e seus irmãos. Como ele nos criou?
– A semente da vida veio de Deus e se desenvolveu. Tudo que acontece segue à vontade Dele. Nada ocorre sem que sua força, sua energia esteja em jogo.
– Isso faz sentido, mas quando o mundo vai entender isso?
– Já houve várias revelações na história da humanidade, mas sempre acontecem desvirtuamentos. Em algum tempo virá um Filho especial do Pai Universal. Ele viverá entre os homens sobre a Terra. Mas os homens, em sua maioria, não irão reconhecer quem ele é.
– E ele, sendo filho do Pai, não tem poder para obrigar todos a reconhece-lo?
– Poder ele tem para isso e muito mais. Porém não é dessa forma que ele costuma agir.
– Estou vendo que você está destinado a uma missão importante. Apenas não sei qual é.
– A senhora ficará sabendo na hora certa. Agora vou sair e encontrar uns amigos. Não sei se volto para a refeição do meio dia.
Décio Adams
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