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Na senda dos monges! – Volume II – Capitulo 05 – Conflitos Crescentes.

  1. Conflitos crescentes.

 

A iminência da execução do trecho de ferrovia, trouxe para a região interessados em estabelecer pequenos estabelecimentos comerciais. Toda obra de grande porte, provoca um surto de desenvolvimento na região afetada. Não faltam pessoas interessadas em se estabelecer para progredir honestamente, nem tampouco os que buscam apenas formas de enriquecimento rápido, não se importando com os meios necessários para tanto. Isso fez surgir, nos primeiros anos do século XX, no vale do Rio do Peixe, um grande número de pequenos estabelecimentos, dedicados às mais variadas atividades de comércio e serviços. A princípio eram pequenos, incipientes, os preços cobrados costumavam ser elevados, mas os moradores acabavam por recorrer a eles, pois assim evitavam deslocamentos até lugares mais distantes. Economizavam tempo precioso, mais necessário no trabalho de suas atividades produtivas.

Em torno dos pontos de encontro de estradas carroçáveis, picadas e trilhas, iam surgindo pequenas aglomerações humanas. No início eram desordenadas, sendo que aos poucos assumiam alguma organização em forma de urbanismo. Ocorriam frequentes conflitos, pelas mais diversas razões. A ausência de efetivos policiais em vastas extensões de terra, favoreciam o abuso de indivíduos de má catadura. Era necessário muito cuidado de parte de todos os moradores, para evitar a invasão de suas propriedades por ladrões. Isso não era fácil, devido ao fato de existirem poucas armas, além da indisponibilidade das mesmas para aquisição. Não tardou e surgiram comerciantes desses itens, mesmo de modo ilegal em alguns casos.

No transcurso de 1904 foi inaugurado o trecho entre Cruz Alta e Passo Fundo da ferrovia. Era evidente que o ritmo era muito aquém do previsto e desejado. Após mais dois anos, em 1906, mais um trecho, dessa vez entre Rebouças e União da Vitória foi inaugurado. Já estavam nessa altura em andamento negociações entre o grupo de Teixeira Soares e Percival Farquhar, visando à transferência da concessão ao grupo liderado pelo empresário americano. Ele estivera envolvido em diversas obras públicas nos países da América Central, Cuba e buscava estabelecer um grande empreendimento em terras sul-americanas. Fazia parte de seus projetos a construção de uma ferrovia transcontinental, ligando o Atlântico ao Pacífico, tal qual as existentes nos Estados Unidos.

Nessa época, os filhos de Francisco Schörer estavam casados e ocupavam, cada um, sua parte na área de terra inicialmente demarcada pelo pai. A família Batista havia sido acrescida de cinco membros. Um filho e uma filha de Lua Serena com João Maria; dois meninos e uma menina filhos de Maria Rosa e Pedro. Também Alfredo e Isabel tinham agora mais um menino e uma menina. A atividade de Isabel como professora na escola, havia absorvido sua vida quase totalmente. Depois de começar, tomara gosto pela profissão e dedicava-se com empenho inesperado ao ato de ensinar as primeiras letras às crianças.

Muitas crianças não tinham acesso à escola, devido às dificuldades de locomoção. Não existiam meios de percorrer os caminhos à disposição dos pequenos. Os riscos eram enormes, além da precariedade das travessias de rios, córregos e grandes distâncias. Seria necessário estabelecer mais salas de aulas para atender a um maior número de crianças em idade escolar. Nem se cogitava nessa época a possibilidade de um dia virem a existir salas de aula para adultos. João Maria, apesar de suas muitas ocupações, chegou a propor a alfabetização de adultos. Tomava por exemplo seu próprio caso. Decidira aprender a ler e escrever quando já era adulto, fazendo isso em horas vagas durante as longas viagens do Rio Grande do Sul a Sorocaba como tropeiro. Nunca se arrependera da decisão. Seu projeto não teve receptividade entre os moradores, sendo por isso deixado de lado.

Não era possível impor a ninguém a disponibilização de algum tempo para aprender algo, por muitos considerado dispensável. Naquele sertão, bastava ser hábil no manejo das ferramentas do trabalho na lavoura e criação de gado. Os rudimentos da matemática eram dominados pela prática com os mais velhos, embora sempre tivessem necessidade de recorrer a alguém mais instruído, nos casos de algum cálculo meramente mais complexo. Mesmo lamentando, João Maria se conformou. Em duas ou três ocasiões retomou o assunto, mas ninguém se prontificou a vir aprender, nem que fossem apenas os rudimentos de matemática básica.

Sempre que alguém vinha pedir para fazer determinado cálculo, ele aludia à sua proposta, recebendo geralmente alguma desculpa pouco convincente. Por fim, decidiu cuidar de sua vida, deixando de se preocupar com o assunto. Não era possível fazer mais do que colocar seu tempo à disposição, sem cobrar um níquel que fosse. Assim como havia aprendido em pouco tempo, com o idoso companheiro durante as longas jornadas até o destino em Sorocaba, bem como na volta à terra natal, poderia levar um bom número de pessoas a sair da condição de analfabetos. Até o direito de votar nas eleições governamentais ele adquirira ao demonstrar ser apto a ler e escrever. Em dia de eleições, era um dos poucos a se deslocar até o local de votação. Podia assim influir nas decisões políticas do país e do estado.

Já os analfabetos eram privados do direito de plena cidadania. Era-lhes vedado o direito de votar nas eleições. Desse modo não participavam da vida política do país. Isso lhes retirava o acesso a uma série de outros benefícios, que estariam disponíveis se aprendessem a ler e escrever. João e Pedro não mediram esforços em levar o ensino básico ao máximo de crianças da região. Era uma tarefa hercúlea, mas eles faziam a sua parte e cada criança que lhes conseguia mostrar que sabia ler, fazer as operações básicas de matemática, dava-lhes um grato regozijo. Isabel, mesmo não tendo uma remuneração compensadora, fazia todo possível para arrancar as crianças que chegavam até ela do analfabetismo. Passou a ser reconhecida em toda parte como a Senhora Professora. Não era esse o maior motivo de alegria para ela, mas a satisfação de saber que essas pequenas pessoas estavam salvas da ignorância total e completa.

O afluxo de aventureiros de toda espécie para a região, onde estava prestes a ser iniciada a construção do último trecho da EFSPRG, no território do atual Estado de Santa Catarina, também despertou a cobiça de grandes proprietários de terras. Coronéis radicados em Curitibanos e outras localidades, muitos deles enfronhados na política do estado, tentaram de variadas formas estender seus domínios para as ricas terras da região. Dessa forma era cada vez maior o número de indivíduos de má índole a circular na região, em busca de áreas de terra para tomar posse em nome de seus patrões. Isso gerou frequentes conflitos. Aos posseiros que ocupavam as terras, mas não tinham em mãos um documento de propriedade, restava a opção de largar tudo e partir para regiões mais remotas em busca de um lugar para continuar vivendo. Alguns reagiam e isso lhes custava caro. Muitos pagaram com a própria vida bem como a dos seus familiares.

Aos que não dispunham mais de forças ou disposição para partir em busca de novas regiões, restava tornar-se servidores dos grandes proprietários, até mesmo dos grileiros que os haviam expulsado de suas posses. Outros se tornavam agregados, podendo retirar um pouco de erva-mate para o sustento, enquanto os latifundiários exploravam as grandes pastagens. Literalmente, quem era pobre, tornou-se um pouco mais pobre. Os irmãos Batista tentavam unir os vizinhos para formarem um bloco e assim resistir aos grileiros. Não tiveram, porém, o sucesso que esperavam. As decepções acumuladas ao longo de muitos anos levaram a maioria a ser pessimista, não acreditando na possibilidade de obterem alguma vitória lutando contra os grandes fazendeiros. Dessa forma acabaram ficando isolados, junto com um pequeno grupo de vizinhos, todos com suas áreas legalizadas.

Houve quem lhes lançasse ao rosto a questão das propriedades legalizadas, dizendo:

– Vocês devem ter gente graúda no governo para lhes ajudar. Por isso vocês têm documentos legais da terra. A gente que não tem ninguém, não pode fazer nada.

Não era essa a questão, mas eles decidiram não revidar a essas agressões. Todos haviam tido oportunidade de fazer o mesmo que eles. Teria bastado um pouco de esforço, vontade e teriam conseguido seus documentos. Eram eles que diziam antes:

– Quando estiver resolvida a pendenga entre os dois governos sobre a divisa, a gente legaliza. O governo vai facilitar as coisas então.

Dessa forma, acabaram malbaratando o dinheiro que lhes teria dado alguma segurança e agora estavam à mercê de indivíduos sem coração, sem ética ou senso de moral. O que seria possível fazer? Até mesmo as propriedades legalizadas eram objeto da cobiça dos fazendeiros, mas, havia sempre políticos oposicionistas que apoiavam os pequenos proprietários, impedindo que fossem despejados de suas casas. Dessa forma o tempo passou e muitos ajuntamentos de moradores se formaram em quase toda extensão do Vale do Rio do Peixe. A miséria era grande e as condições de vida precárias. Isso ocasionava muitas ações de violência contra as propriedades, roubo de gado e outros produtos. Havia quem esperasse ansiosamente pela construção da ferrovia, na crença de que encontrariam um emprego e assim teriam por algum tempo uma vida melhor. Contavam com o desenvolvimento que adviria da instalação da ferrovia e assim alcançar alguma estabilidade financeira para si, como também seus familiares.

A falta de toda e qualquer estrutura básica, dava azo a ocorrência frequente de surtos de doenças endêmicas. Não havia médicos e recorria-se aos benzedores, preparadores de garrafadas, chás e recursos diversos, visando superar os males do corpo. Só os mais fortes sobreviviam, começando a surgir ao lado de cada povoado um pequeno cemitério, onde repousavam os restos daqueles que sucumbiram às doenças.

Os anos passaram, as famílias cresceram em número de membros e também em estatura, formando uma comunidade relativamente numerosa na região da margem do Rio do Peixe, situada à direita da vazante. Porém a atitude firme dos Batista e seus vizinhos levaram os prepostos dos grileiros a procurar outras áreas para exercer sua atividade. Mesmo assim, vivia-se em clima de insegurança, temendo a qualquer momento a chegada de algum contingente numeroso e melhor armado, o que iria determinar a eventual retirada, visando a preservação das próprias vidas, bem como a dos familiares.

Antes de ocorrer o início da construção do trecho ferroviário entre União da Vitória e Marcelino Ramos, o monge João Maria de Jesus se despediu e não deu indicações de qual seria seu destino. Depois de percorrer praticamente todos os rincões do planalto, abandonou a região e nunca mais foi visto. Alguns diziam que havia se embrenhado no Morro do Taió, de onde voltaria um dia. Da mesma maneira como surgira, sem informar de onde vinha, desapareceu sem deixar rasto nem traço. Ficaram na memória do povo seus conselhos, suas previsões, as recomendações, as inúmeras cruzes que plantou, as fontes onde pernoitou e passaram a ter, segundo a crença popular, propriedades curativas. Os padres franciscanos tentaram em vão remover da memória do povo as lembranças que o andarilho deixou por toda parte.

Aos poucos as palavras, recomendações e lembranças de João Maria de Jesus, se fundiram com o que restava de João Maria d’Agostini, passando a ser considerados como um único santo. Surgiu assim o que até hoje se denomina São João Maria, venerado por muita gente, especialmente em terras catarinenses. Em todas as casas, pelo menos onde residiam os devotos do agora São João Maria, havia sempre preparadas as velas e um maço de fósforos Pinheiro, esperando os três dias de escuridão. As despensas continham o alimento mínimo necessário para suportar esse período. Por nada neste mundo as portas deveriam ser abertas, sob pena de expor-se à morte e sofrimentos inimagináveis. Era a previsão deixada por João Maria de Jesus.

Quando o contrato de transferência da concessão de construção da ferrovia e exploração das terras recebidas em pagamento, foi assinado, estávamos em fins de 1906 e começou definitivamente a construção no trecho entre União da Vitória e Marcelino Ramos. A nova empresa concessionária Brazil Railway Company (BRC), dividiu a etapa em pequenos trechos, entregando cada uma a uma turma de trabalhadores, chefiada por um empreiteiro. Ele negociava o preço, controlava a assiduidade dos trabalhadores e repassava o pagamento a cada um. Em algumas ocasiões houve roubos, retenção de pagamentos, causando graves atrasos nos trabalhos. No momento em que a construção foi deflagrada a quantidade de trabalhadores cresceu rapidamente, chegando a cifra de 8000 trabalhadores no auge dos trabalhos.

Havia sim moradores da região que trabalhavam na construção, além de muitos provenientes de grandes centros, como São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Santos. Muitos eram delinquentes de diferentes ordens em seus locais de origem e assim era formado o caldo propício para a eclosão frequente de conflitos entre grupos. Para controlar esses distúrbios e manter a ordem, a BRC criou uma força de segurança. Essa era composta de homens valentes, em geral truculentos, bem armados e dispostos a tudo, por um bom punhado de dinheiro. Tinham também a seu cargo a tarefa de proceder à limpeza dos terrenos que, segundo o contrato de concessão, pertenciam à empresa. Essas imensas áreas incluíam enormes pinheirais, além de outras madeiras de lei, entre as quais merece especial destaque a imbuia. Uma gigantesca estrutura de industrialização da madeira começou a ser erigida, para começar a funcionar depois da conclusão da ferrovia.

Muitos moradores que ainda haviam resistido aos fazendeiros, tiveram que abandonar suas propriedades, deixando para trás as benfeitorias, muitos animais que não tinham para onde levar. Isso tornou o clima geral tenso. Os espoliados de suas propriedades, não tinham para onde ir e muitos ajudaram a engrossar as aglomerações humanas nas periferias dos perímetros urbanos, de per si precários, causando sérios problemas de segurança, saúde, educação e alimentação básica. As autoridades não interferiam na região, uma vez que não estava claramente definido a qual estado pertencia a área.

Dessa forma, a força de segurança da BRC era praticamente a única forma de autoridade em grande parte da região. Os crimes ocorriam com frequência e os culpados em geral ficavam impunes, por falta de quem lhes desse combate. Quando o trabalho de construção da ferrovia chegou perto do fim, a parte mais exigente de mão de obra menos especializada terminou. Grande parte dos “turmeiros” ficou sem trabalho e não foi reconduzida aos locais de origem. Assim ficaram perambulando de um lado para outro, fazendo de tudo um pouco, ou dedicando-se à pequenos crimes. Um bom número deles foi deslocado para o ramal São Francisco, que acabou incluído num subcontrato com o governo federal. A falta de recursos financeiros ocasionou atrasos e paralisação dos trabalhos.

Após a inauguração da ferrovia em dezembro de 1910, foram intensificados os trabalhos de instalação de três unidades industriais madeireiras. As terras de que a companhia Southern Brazil Lumber and Colonization, subsidiária da BRC, recebeu em vista do contrato de construção, continham uma imensa reserva de araucárias e imbuias. Uma fonte de matéria prima de que o mundo estava sequioso. Essas serrarias foram instaladas nas localidades hoje conhecidas como Calmon, São João e Três Barras. A última foi sem dúvida uma das maiores indústrias madeireiras do mundo. Trilhos de ferrovia eram estendidos para o interior da floresta. As árvores destinadas ao abate eram marcadas e depois derrubadas. Gigantescos guindastes e guinchos eram transportados sobre vagões para os locais de extração da madeira. Os troncos eram puxados para perto de distâncias de cerca de 500 m. Cortados em toras de 10 m, um “donkey” se encarregava de empilhar as mesmas sobre vagões, em número de 10 aproximadamente.

Eram composições de até 40 vagões que chegavam ao pátio das serrarias, onde eram descarregadas sem contato de mãos humanas. Depois ocorria o transporte para o interior das gigantescas serrarias, sendo rapidamente transformadas em peças de madeira cortada em tamanhos padronizados. Imensas pilhas de secagem existiam na área externa e também em estufas cobertas.  Depois era transportada para os portos de Paranaguá ou Santos, onde ocorria o embarque em navios, que a levavam aos compradores do mundo inteiro.

Antes que a atividade madeireira da Lumber atingir seu auge, surgiu na região um novo personagem. Era José Maria de Agostinho, segundo suas próprias informações. Sua origem era desconhecida e se dizia irmão ou primo de João Maria de Jesus. Rapidamente assumiu o lugar do nunca esquecido João Maria. O povo oprimido e sedento de mensagens alentadoras, estava pronto para acatar um novo mensageiro do céu. Sem demora, em todos os lugares em que chegava, não tardava a se formar um ajuntamento significativo de povo em busca de alento para seus males. Eram seus corpos e suas almas que estavam doentes. Por volta de agosto de 1912, José Maria chegou à localidade denominada Taquaruçú, onde estava em curso a celebração de uma data religiosa. Era um momento de grandes tensões sociais. Os moradores em melhores condições, supriam as necessidades do povo que se reunia e, dessa forma, um ajuntamento se formou em torno de José Maria.

Aquela aglomeração era pacífica. As autoridades municipais de Curitibanos, que tinham jurisdição na localidade, temeram pela segurança. O chefe político, que hoje seria o prefeito, tinha ligações com o governo estadual em Florianópolis e solicitou a presença de força policial para dissolver a aglomeração. Havia na região opositores do Coronel Albuquerque e se empenhavam em fornecer, especialmente alimentos, aos moradores do ajuntamento. Entre eles encontrava-se o Coronel Almeida, cuja mulher supostamente foi curada por José Maria.

A notícia do deslocamento de tropa para o local, levou José Maria e um grupo de seguidores, em melhores condições, a se deslocar dali para a região de Irani, bem no interior da área contestada. No Taquaruçu ficaram apenas velhos, mulheres e crianças. Acompanhavam José Maria nesse êxodo cerca de 40 seguidores, entre homens e mulheres. Estavam com ele Praxedes, Chico e Sergílio Ventura, Cyrino Chato e outros. Ali chegando foram bem recebidos por Fabrício das Neves e o Major Miguel Fragoso, conhecidos da maioria, por serem oriundos da mesma região. Foram bem recebidos e se instalaram, formando um ajuntamento, ao qual logo se reuniu um número bem grande de admiradores de José Maria, residentes na região.

No dia 12 de setembro de 1912, um contingente da força pública catarinense, em conjunto com um bom número de vaqueanos, atacou o ajuntamento do Taquaruçu, causando uma verdadeira carnificina. Mataram, sem a menor consideração, todos os remanescentes. Isso causou a revolta da população local, como também das regiões vizinhas. Na propriedade da família Batista e seus vizinhos, a indignação foi tremenda. Houve quem quisesse reunir um grupo armado e partir para o revide, mas João, Pedro e Francisco tiveram êxito em acalmar os ânimos.

A presença de José Maria e seus seguidores, nas proximidades do Irani, região de Palmas, foi noticiada sem demora ao governo paranaense. As autoridades curitibanas interpretaram isso como uma provocação do governo catarinense. Estariam tentando obter, dessa forma, a demarcação dos limites, em conformidade com a sentença ditada pelo STF. Sem demora foi organizado um destacamento de 600 homens, ao comando do Coronel João Gualberto. O objetivo era desbaratar o ajuntamento, eliminando de vez a ameaça. Levavam farto armamento, inclusive uma metralhadora. Segundo as palavras do comandante, levava cordas suficientes para levar todos os jagunços amarrados e fazê-los desfilar pelas ruas de Curitiba. O deslocamento foi relativamente rápido, aproveitando a já existente ferrovia até Ponta Grossa e de lá até União da Vitória.

Chegando às proximidades, a tropa acampou e alardeou o seu intento. Dessa forma a informação chegou aos ouvidos de José Maria, vindo este a redigir um bilhete, dirigido ao Coronel João Gualberto, onde afirmava que não queria lutar. Não tinha problema com as autoridades paranaenses.  Havia sido intrigado por pelo Coronel Albuquerque de Curitibanos, com o governo catarinense. Por isso estava ali no Irani, para fugir da ira das tropas de lá. O Coronel Domingos Soares, chefe político de palmas, conhecedor da região e dos motivos do ajuntamento, tentou intermediar o conflito, mas não teve êxito.

Confiando em seu armamento, especialmente na metralhadora, João Gualberto deixou o grosso de suas forças estacionadas em Palmas e se dirigiu ao Irani, comandando apenas 64 homens. Chegaram ao ajuntamento na madrugada do dia 22 de outubro de 1912. Os caboclos compensavam a falta de armas, com sua destreza no manejo de facões, até mesmo feitos de madeira dura, enquanto os soldados eram afeitos ao combate em campo aberto. A metralhadora traiu a confiança do Coronel e engasgou. Acabou morrendo ao tentar destravar a arma. Enfrentando um grupo de cerca de 200 caboclos, as armas de nada valeram. O pequeno destacamento da força de segurança paranaense foi destroçado, junto com o comandante. Também morreu nesse combate o líder do ajuntamento José Maria.

Paulo Pinheiro Machado, em suas pesquisas de campo, visando à elaboração da tese de doutorado, recolheu na região do Irani uma décima, que tomo permissão transcrever aqui. Foi fornecido, de memória, por Antônio Francisco das Neves. Costuma ser declamada em festas populares, principalmente quando correlatas aos fatos que retratam.

  • João Gualberto já está vindo,

Comandando um Batalhão.

Trazendo em sua muamba,

Metralhadora e canhão.

Veio pra fazer banditismo

Com os caboclos do sertão.

  • O monge mandou uma carta

Escrita bem declarado:

“Precisamos se falar,

Talvez teje mal informado.

Não precisamos brigar

Por que não somos intrigado.

Respeite meus sertanejos

Que eu respeito teus soldados

Não vamos fazer injusta

Matar quem não é culpado”.

  • Coronel deu um sorriso

Com olhar entusiasmado:

“Eu não aceito esta carta

E muito menos o recado

Porque já trouxe até as cordas

Pra levar tudo amarrado”.

  • O monge ficou pensando

Emocionado e indeciso:

“Eu não queria brigar

Mas brigo se for preciso

Por que em Deus tenho confiança

Palavra de corpo e alma

Pra quem restar fica a herança

Que há de servir de lembrança

Irani, sertão de Palmas”.

  • Foi assim que o Irani

Serviu de cancha de guerra

Viu seus filhinhos chorando

E as mulheres desesperadas

Ver seus maridos em jornada

Pra defender sua terra.

  • O monge José Maria

Com seu gesto de carinho

Montou no seu cavalo

E disse ao Fabrício, baixinho:

“Eu vou na frente da tropa

Quero imitar uma choca

Quando está com seus pintinhos

Morrer na boca do bicho

Pra defender seus filhinhos”.

  • “Fabrício vou te orientar

Que vou morrer neste ato

Mais tu não passe do meu sangue

Volte de novo pro mato

No sertão tu será um tigre

E no campo vai ser um gato.

Esses versos foram criados há muito tempo e são repetidos de geração em geração. O que eles deixam claro é a disposição pacífica de José Maria e seus seguidores. A disposição de atacar de qualquer modo, partiu do comandante da tropa, Coronel João Gualberto. Sua imprudência e arrogância lhe custaram a vida, bem como a de seus soldados, dos quais nenhum ou bem poucos sobreviveram. O resultado do combate do Irani, foi interpretado como uma catástrofe pelas autoridades paranaenses.

José Maria foi sepultado na localidade, de modo que ficasse fácil sua ressurreição, tida como certa pelos seguidores. Estes seguiram a ordem de José Maria e se espalharam por vasta região, na esperança de escaparem à possível represália das tropas paranaenses. Com a morte do comandante, sem ao menos disparar um tiro com sua metralhadora, o remanescente da tropa optou por retornar à capital, deixando para trás uma página que, se fosse possível, gostariam de apagar da história.

Décio Adams

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