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Fantástico mundo novo! – Volume III – Recomeço em Orient – Cap. 01

 

Fantástico mundo novo!

 

 

Volume III

 

 

Recomeço em Orient

 

 

 

 

Décio Adams

 

 

  1. Chegando a Orient

 

No dia marcado para a partida, todos aqueles que deixariam familiares para trás, mantiveram comportamento normal, sem dar sinais indicativos da breve partida. Havia o temor de causar uma comoção, que ocasionaria transtornos inconvenientes. Na madrugada, pouco depois da meia-noite, começaram a se reunir na orla da praia. Não tardou a surgir intensa luminosidade no céu, acima deles. Em pouco tempo, imensos veículos, com luzes de intensidade diminuída para não chamar atenção, baixaram até ficarem flutuando, pouco acima do chão. Tão logo os imensos transportadores de imobilizaram, luzes de iluminação das proximidades foram acesas e um conjunto de comportas começou a ser baixada. Quando o processo se concluiu, apareceram figuras levemente luminosas no topo de todas as comportas. Com gesto de boas-vindas, chamaram a multidão. Emocionados os grupos começaram a embarcar, em conformidade com a designação recebida. Eram milhares de pessoas em cada veículo. O interior estava com luz tênue, mas suficiente para fazer ver a beleza do ambiente. Um a um foram sentando e sendo fixados em seus assentos por figuras semelhantes aos humanos. Um suave perfume impregnava o ambiente, provocando, em poucos segundos, um estado de sonolência, que não impedia a comunicação, mas levava a ficar imóvel. Os olhos estavam abertos e curiosos, observando tudo ao redor. Era um veículo despojado, porém confortável e belo de se ver.

Quando os últimos embarcaram, a um silvo de origem desconhecida, as rampas de acesso foram erguidas, transformando-se em parte do invólucro externo. Um momento de escuridão total precedeu o início do movimento de ascensão vertical. Ao alcançarem uma altitude razoável, iniciaram um movimento ascendente, mas inclinado, rumando para um ponto acima do horizonte. Esse movimento logo se transformou em algo vertiginoso. Grandes escotilhas transparentes permitiam ver o exterior, onde verdadeiros riscos de luz passavam em sucessão. Alguns tentaram levantar-se para chegar perto e ver melhor. Logo perceberam que isso seria impossível. Uma espécie de cinto invisível os fixava sobre o assento, mantendo-os ali. A velocidade do deslocamento era inimaginável. Os enormes transportadores devoravam a distância como dragões vorazes. No interior nenhum ruído de motores ou propulsores era audível. Um dos seres intermediários que estavam a bordo, informava o ponto do espaço por onde estavam passando no momento. Planetas habitados, sóis com um séquito de planetas orbitando ao seu redor; estrelas duplas e gigantescos corpos escuros, perceptíveis pela escuridão existente em suas proximidades, iam ficando para trás. Ele citava todos por seus nomes cósmicos, registrados nos anais do Paraíso e em Uversa, capital do Superuniverso de Orvônton.

Em pouco tempo chegavam ao destino, bem antes de imaginarem que isso pudesse acontecer. Sentiram que a velocidade diminuía. Começavam a divisar os astros, primeiro mais lentos e aos poucos pareceram parar. Ouviu-se um suspiro ser exalado de quase todos os peitos. Sabiam ter transposto uma distância inimaginável e, em questão de alguns minutos, talvez uma hora, poriam os pés no solo do planeta que doravante lhes serviria de lar. Teriam pela frente uma tarefa gigantesca, sequer imaginável naquele momento. Talvez, se pudessem aquilatar o tamanho do desafio, muitos teriam desistido. Sabiam que não existiria caminho de volta. A decisão estava tomada há meses. A questão era confiar e ter fé. Sabiam que o Pai, por intermédio do Filho Criador e demais criaturas auxiliares, velariam por eles. Porém, não estariam a postos para resolver os problemas. Era seu próprio encargo dar andamento a tudo. Não estavam vindo a passeio. Vinham repovoar um planeta totalmente desabitado de seres humanos.

As crianças, os adolescentes e os jovens adultos, eram os mais perplexos, mas, também, os mais ansiosos por ver onde viveriam. Um mundo quase virgem os aguardava para ser explorado. Haviam lhes informado que ali uma raça semelhante de seres humanos se auto destruíra, usando armas de poder devastador. Não imaginavam sequer o que poderia ser uma arma dessas. Pensavam em enormes lanças, espadas flamejantes com vida própria e coisas do gênero. Mas haviam passado perto de mil e quinhentos anos depois do desastre. A natureza provavelmente fizera um formidável trabalho de regeneração. Havia, com certeza, quem tivesse esperança de encontrar sinais fortes da antiga civilização que ali existira. Esqueciam-se da ação do tempo. As transformações ocorridas ao longo de um ou dois milênios eram consideráveis, principalmente onde não houvesse humanos para interferir.

Quando os veículos se imobilizaram por instantes, antes de começar a descer lentamente até quase tocarem o solo, aos poucos ficou perceptível estarem na face iluminada do planeta. Pelas escotilhas transparentes penetraram raios de luz amarelada, semelhante à do sol com que estavam acostumados na Terra. Eram os primeiros sinais que percebiam de seu novo lar. Quando faltavam alguns metros para o pouso final, viram verde em montanhas nas proximidades. Do outro lado, conseguiram ver um imenso oceano azul-esverdeado, onde ondas movimentavam as águas no eterno vaivém característico. Pássaros voavam ao longe, parecendo semelhantes às gaivotas da Terra. No instante derradeiro, ainda foi possível ver, de um lado, uma imensa área ocupada por abrigos. Pareciam tendas ou cabanas, mas o formato era diferente do que traziam em suas lembranças, além de terem dimensões muito maiores.

Finalmente os transportadores pousaram e as rampas deram sinais de que iriam se abrir. As luzes interiores pareceram perder o brilho, superadas pela intensidade da luz solar que vinha de fora. Quando as rampas ficaram em posição, ouviu-se um leve zumbido e foi ouvida a voz de um dos orientadores:

– Bem-vindos à Orient. Podem levantar-se e desembarcar. Mas permaneçam juntos por enquanto. Não se afastem, antes de ser dada permissão para isso.

Sem esperar segunda ordem, todos levantaram e iniciaram o lento processo de desembarque pelas saídas existentes de todos os lados. Viram um total de seis transportadores, semelhantes a elipsoides, onde havia algumas luzes piscando no alto e na periferia exterior. Depois que os últimos desceram, as enormes plataformas começaram a se mover e fechar. Depois de completamente fechadas, nada era visível nos pontos de separação entre a estrutura e as plataformas. Os enormes veículos eram exatamente iguais, com alguns símbolos em seu exterior, que os distinguiam entre si. Pareciam ser uma espécie de alfabeto espacial. Todos perceberam que os orientadores, seus companheiros de viagem, haviam ficado no interior. Os enormes veículos piscaram suas luzes mais intensamente e emitiram um ruído mais forte. Em instantes se elevaram até a altura de algumas dezenas de metros, antes de iniciarem um movimento em diagonal que logo os tirou de seu campo de visão. Um outro grupo de pessoas, semelhantes aos orientadores, estava parado diante de uma espécie de pavilhão maior, em atitude de espera.

Mink, na qualidade de líder dos povoadores, caminhou na direção do grupo, aproximando-se do que parecia ser o líder. Ao chegar perto, levantou a mão direita em sinal de saudação. O líder fez sinal para se aproximar e os demais vieram também para perto. Mink parou a poucos passos, ao ouvir a saudação, em sua própria língua.

– Nós somos a comissão de boas-vindas ao planeta Orient. Permaneceremos aqui, até que todos tenham se acomodado e iniciado a nova vida nesse mundo. Terão tempo de se acostumar ao clima e fontes de alimentos, água e demais recursos.

– Eu sou Mink, líder da força de repovoamento desse planeta. Deixamos há pouco tempo nosso planeta, nossas vidas, nossos vizinhos e amigos. Esperamos corresponder às expectativas que depositam em nossos ombros. Todos os que me acompanham, creem no Pai Universal, na Trindade e na vida futura, no mundo da evolução.

– Eu sou Nemur. Meus companheiros irão se apresentar por sua vez, na medida em que tomarem contato com eles. Fazemos parte dos seres intermediários residentes neste planeta. Somos naturalmente invisíveis aos olhos humanos. Só nos momentos de necessidade tomamos a forma de vocês. Alguns dos nossos irmãos, residentes no planeta de onde vocês vieram, foram trazidos até aqui para nos ensinar a língua que vocês falam. Por isso estamos podendo conversar normalmente.

– Ficamos satisfeitos com a presença de vocês. Precisamos de algum tempo para nos ambientar aqui. É uma experiência inédita, apesar de fantástica. Ficamos gratos pela acolhida calorosa.

– Nós sabemos disso e agradecemos a boa vontade de todos. Não imaginam o benefício que estão fazendo por este planeta e todos os seres que aqui habitam, administrando este planeta. Do mesmo modo que no planeta de sua origem, aqui o príncipe planetário aderiu à rebelião de Lúcifer. Os seres humanos que aqui viviam estavam em estágio bem avançado de evolução. O casal adâmico chegou a deixar um elevado estágio de desenvolvimento, quando também aderiu à rebelião, junto com bom número de seus filhos mais jovens. Os descendentes mais distantes haviam se miscigenado com a raça humana nativa. Estes permaneceram fiéis e o avanço foi rápido. Infelizmente atingiram um estágio de desenvolvimento tecnológico além do equivalente no aspecto religioso. Isso causou o final desastroso. O uso de bombas de alto poder explosivo, destruiu a população inteira. Não sobrou nenhum em condições de sobreviver.

– Nós sabemos disso, embora não em todos os detalhes. Estamos aqui para recomeçar, do ponto em que nos encontramos na Terra, nosso planeta que é conhecido no cosmos como Urantia. Vai ser um trabalho penoso, mas esperamos sair vitoriosos ao final de tudo.

– Não vale a pena saber dos pormenores do conflito final entre as três superpotências que existiam, pouco antes de alcançarem o estágio de estabelecimento de um único governo planetário. Grupos ambiciosos se apossaram do poder e usaram as armas ainda não destruídas. Com elas atacaram os outros, na esperança de sobreviverem. Assim, causaram a destruição total da vida humana no planeta. Isso foi a 1525 anos. Nesse tempo a natureza fez um precioso trabalho de regeneração de grande parte da destruição causada pelos antigos habitantes.

– O planeta Orient, pelo que sabemos, tem muita semelhança com nossa Terra. O ano dura um pouco mais, os dias são de duração semelhante, com pouca diferença.

– Não sentirão diferença significativa. O solo e as plantas são semelhantes. Terão que acostumar-se com as frutas, demais plantas comestíveis como raízes, tubérculos, folhas e caules. As sementes têm propriedades semelhantes àquelas existentes no que chamam de Terra. Não vai ser difícil a adaptação. Orient também é um planeta decimal, ou seja, que nem em Urantia, foi feita uma experiência diferencial no ato da implantação de vida e sua evolução. É por isso que o Filho Criador determinou o repovoamento, para não perder todo o imenso volume de informações obtidas durante toda evolução.

Nesse momento Mink fez sinal aos seus dez “generais” para se aproximarem. Apresentou-os um a um, aliás, eram metade “generalas”. Cada qual teria sob sua responsabilidade um grupo de cerca de 1800 pessoas, variando um pouco conforme a composição dos grupos familiares.

Nemur, por sua vez, apresentou os seus dez liderados. Cada um acompanharia um dos dez grupos. Tudo fora planejado, com adaptações de última hora para não faltarem acomodações para os vários grupos. Não convinha haver pessoas da mesma família morando longe dos demais membros, nesse momento de adaptação. Primeiro entraram no amplo pavilhão, onde seria possível acomodar tranquilamente o grupo inteiro, para a realização de eventos em que isso fosse necessário. O material utilizado eram pedras e argila, combinados com madeiras existentes nas florestas próximas. Havia uma espécie de anfiteatro, em forma de semicírculo, tendo no centro uma plataforma elevada. Assim, os líderes seriam visíveis para todos os presentes. Ficava evidente que ali seriam tomadas decisões, realizadas votações e outros acontecimentos teriam lugar nesse lugar.

Viram o imenso recinto, tendo a sustentar a cobertura, uma estrutura feita em madeira, de forma a torna-la leve, porém sólida. A técnica de construção era perfeita. Mink e seus acompanhantes olharam com admiração. Depois voltaram para fora e os dez chefes foram para frente de seus grupos, já separados. Junto com eles iam os novos orientadores residentes. Nemur falou:

– Tragam seu pessoal para dentro. Queremos nos conhecer antes de irem para seus alojamentos. Há várias portas de entrada, como podem ver. Não é preciso entrar por um único lugar.

O povo ficou, pelo menos os mais próximos, espantado ao ouvir o estranho falar em sua própria língua. Logo os chefes convidaram todos a entrar no anfiteatro, onde seriam recepcionados pelo comitê de acolhida. Mink estranhou a ausência de Arki. Esperara vê-lo a bordo, mas não havia vestígio do amigo de quase vinte anos de visitas periódicas. Indagaria a Nemur sobre o destino que tivera o anjo. Talvez sua missão estivesse concluída. Estaria longe, em alguma nova missão? Era possível. Mesmo assim, perguntaria por ele. Sentiria falta das longas e frutíferas conversas que haviam mantido ao longo de todo processo.

Os grupos se moveram depressa, mas sem atropelos, indo se acomodar na parte do anfiteatro mais próxima da plataforma central. Enquanto isso os onze membros da recepção e os onze líderes que vieram de Kibong, subiram à plataforma, sentando-se diante do grande grupo. Mink falou ao seu povo, a pedido de Nemur.

– Meus amigos. Estamos aqui para iniciar nossa missão de repovoar este planeta, onde um desastre com armas, extinguiu a civilização que existia. Vocês terão um alojamento preparado para abrigá-los temporariamente, até que cada grupo seja destinado a um local apropriado. Nemur, é o líder do grupo de acolhida e eu passo a palavra a ele nesse momento, para que lhes dirija sua saudação.

– Obrigado, bravo Mink. Você e seu numeroso grupo de pessoas, deixaram sua vida no planeta distante para trás e vieram repovoar Orient. Esperamos ansiosamente por esse momento. Trabalhamos arduamente para prover as acomodações que os acolherão, até que estejam apropriadamente instalados em diferentes regiões do planeta Orient. Com o tempo seus descendentes ocuparão o resto do território, na medida do crescimento do número de indivíduos. Estaremos aqui pelo período suficiente para que se adaptem. Depois nos retiraremos para nosso anonimato. Cada grupo será acompanhado por um de nós durante nossa permanência em vosso meio. Sejam todos bem-vindos. Esperamos que tenham vida-longa e fecunda, para encher com sua descendência todos os recantos deste belo planeta. Ele é bastante parecido com o que vocês deixaram para trás. Sabemos que sentirão saudades e tentaremos lhes proporcionar os meios de evitar que ela se torne insuportável no começo. Aos poucos descobrirão motivos para se animar e encher suas vidas de alegria no novo lar. Um dia todos os pontos desse planeta, que já foi cheio gente, voltarão a ser pisados por pessoas de vossa descendência. Até lá transcorrerão algumas gerações, muitos anos. Não há pressa. Dispomos da eternidade para alcançar o objetivo final. Devem ter isso em mente a cada momento. Nós fazemos parte do corpo de administração cósmica desse planeta e, embora não nos vejam, estaremos sempre por perto e alertas. Nos casos extremos, entraremos em ação, contanto que não seja para interferir no vosso livre arbítrio. Repito novamente. Sede bem-vindos a Orient. Sintam-se em casa.

Os presentes estavam ainda em um estado de semiconsciência. Os acontecimentos das últimas horas haviam sido fortes demais, para não provocar um estado de perplexidade, especialmente nos mais velhos. Mink trouxera com ele a família dos pais, irmãos e também dos sogros. Eles, haviam sido avisados do que aconteceria e aceitaram participar da aventura. Deixaram para trás sua vida na Terra. Ninguém quisera ficar, enquanto alguns membros da família participariam da grande aventura. Isso era confortável, pois muitos haviam vindo, deixando em Kibong boa parte de suas famílias. Certamente sentiriam a falta dessas pessoas e teriam necessidade de apoio por parte dos coirmãos de aventura.

Os dez novos orientadores levaram consigo os chefes dos grupos, que se encarregaram de chamar para si os membros de seu contingente. Havia integrantes da mesma família participando de grupos diferentes, o que não causaria problemas. Estariam inicialmente separados por pequenas distâncias. Os grupos se aglomeraram em torno dos chefes e os acompanharam aos alojamentos. Havia o necessário em cada acomodação. Os pavilhões, construídos com a mesma técnica do anfiteatro, em escala reduzida, eram divididos em áreas comuns a grupos de várias famílias e suas respectivas partes íntimas, destinadas ao repouso e vida privada de cada uma. Os construtores que acompanhavam os povoadores, olhavam para as formas construtivas usadas, tentando divisar como a madeira fora trabalhada. Desconheciam o processo. Deveria ser coisa dos seres de outra esfera. Tentariam desvendar o processo de edificação, para tentar aplicar os conhecimentos em edificações futuras.

As paredes eram pintadas de cores suaves e repousantes, sem deixarem de ser alegres. O primeiro dia foi consumido na acomodação de toda gente. Havia alimentos previamente preparados. Inicialmente todos ficaram receosos, pois não conheciam do que se tratava. Os orientadores lhes disseram que poderiam comer sem problema, incitando os chefes a dar o exemplo. Estes seguiram a orientação e aprovaram. Mesmo não sabendo o nome, o sabor era ótimo e estimulava o apetite. O longo período de vigília, desde a véspera na Terra, chegou ao fim. O sol, cujo nome cósmico era Espectron, se aproximava do horizonte, proporcionando um espetáculo de luz e cor nas nuvens existentes na atmosfera. Muita gente se colocou em observação, assistindo o ocaso do sol que lhes iluminava.

Ninguém ficou sem admirar o ocaso de Espectron. Muitos haviam passado longo tempo sem dar atenção a esses momentos de beleza que acompanham o pôr do Sol na Terra. Era ótimo recordar esses momentos e apreciar as imagens formadas na atmosfera. Por fim, chegou o momento de descansar. Os filhos menores foram os primeiros a encontrar um lugar qualquer para deitar e logo adormeceram. O dia fora pleno de novidades e estavam cansados. Foi preciso levá-los ao lugar adequado para isso. Havia um sistema de iluminação, que não era possível detectar exatamente de onde vinha. Na medida em que as pessoas se recolhiam, a intensidade diminuía, até o ponto de estabelecer a semiobscuridade.

Havia um grupo de aficionados pela observação do céu. Não perderam a primeira noite. Não havia nuvens e o firmamento, de um tom de azul profundo, ligeiramente mais pálido do que na Terra, oferecia um raro espetáculo de pontos luminosos de diferentes tamanhos. Aglomerados, ao ponto de misturarem suas luzes, confundindo o observador. Em outros a concentração era menos densa, permitindo a nítida observação. Os mais entendidos, conhecedores das constelações visíveis da Terra, tentaram identificar essas formas em algum lugar, mas era impossível. Não tardaram, porém, a identificar diversas formas peculiares. Restaria repetir a observação em noites sucessivas para verificar se eram mesmo constelações, ou apenas uma configuração momentânea. Cansados das atividades do dia, recolheram-se. O próximo dia lhes reservaria, provavelmente, o início dos trabalhos. Afinal não haviam vindo passear.

O amanhecer os brindou com um intenso chilrear de diversas espécies de aves canoras. Na tarde anterior, algumas haviam sido vistas, mas pareciam assustadas com as novas figuras que surgiram em seu habitat. Ao raiar do dia, puseram-se a saudar Espectron, cujos primeiros raios de luz se anunciavam no horizonte. Alguns madrugadores levantaram e foram apreciar o amanhecer. Umas poucas nuvens eram visíveis na área sobre o oceano que se estendia para o lado oposto de onde Espectron surgia. Quando o astro surgiu, novo espetáculo de luz e cor se formou. Muitos correram chamar os familiares para ver. Em pouco tempo a área exterior aos pavilhões se encheu de gente, observando o astro da luz que lhes brindava com seus raios de energia benfazeja.

Imediatamente os orientadores surgiram, sem ninguém saber de onde, para orientar os colonizadores na busca pelos alimentos adequados para quebrar o jejum da noite. Pouco depois, todos satisfeitos, ficaram aguardando o próximo passo que seria dado. Os orientadores falaram aos chefes e estes levaram consigo grupos de homens, dirigindo-se na direção de uma planície, existente logo após uma densa área de floresta. Ali lhes foi apresentado um enorme lote de animais. Tinham alguma semelhança com bovinos e também com caprinos. Cada grupo deveria se encarregar de abater um determinado número de animais, para servir de alimento ao seu grupo, nas próximas vinte e quatro horas.

Sobre uma espécie de mesa havia instrumentos, semelhantes a facas, além de uma imitação de cordas para capturar os animais. Os mesmos, apesar de mansos, não eram inofensivos. Era importante imobilizá-los antes de tentar matá-los. Os homens escolhidos eram hábeis e logo havia um grande número de animais sendo esfolados e esquartejados. O lote diminuíra imperceptivelmente. Estas espécies eram indicadas para a domesticação. Na verdade, haviam sido domésticas durante a existência da civilização extinta. Haviam se multiplicado, miscigenado, voltando ao estado semisselvagem. Traziam, porém, o gene da docilidade, tornando mais fácil o manejo. Era possível constituir uma fonte de proteínas abundante para a alimentação do povo.

Enquanto o primeiro grupo providenciava a carne, os outros integrantes, provenientes da área agrícola, eram levados para conhecer as diversas plantas, próprias para o consumo humano. Um amplo pomar, com grande diversidade de frutas fora meticulosamente plantado em uma área de terreno fértil. Havia, no momento, em torno de 10 variedades de frutas maduras e atingindo o ponto de maturação. Outras estavam em desenvolvimento, bem como havia flores onde se formariam novos frutos para os dias futuros. Depois viram os cereais, as plantas com tubérculos, raízes comestíveis, folhosas próprias para alimentação. O novo planeta era rico em alimentos. Pela forma como cresciam as plantas, podia-se prever que, na região onde se encontravam, o solo era fértil. Com certeza haveria áreas menos amenas. Talvez desertos, rochas e montanhas que se divisavam a curta distância.

A quantidade de informações que os agricultores trouxeram de sua excursão era vasta. O que os preocupava eram as ferramentas que usariam para cultivar a terra e plantar. Os metalurgistas e construtores queriam saber como obter metais com que fabricar as ferramentas e outros objetos. Logo depois do almoço, os orientadores novamente chamaram os chefes, que se encarregaram de reunir o pessoal apropriado. Conheceriam um edifício que ficara preservado da destruição e ali existia vasto material que pertencera a um museu. Ferramentas primitivas feitas de pedras e outras de metais. Seriam fonte importante de informações sobre a natureza do que seria possível encontrar no solo de Orient. A civilização extinta, nos anos finais de sua existência, não mais utilizava esses equipamentos. Desenvolvera novas formas de fazer as coisas. Nada restara de tudo isso e nem serviria aos colonizadores.  Não saberiam usar tais máquinas.

Os metalurgistas, bem como os construtores e alguns curiosos, se prontificaram a caminhar alguns quilômetros até o local. Lá chegando, encontraram ferramentas de metal e constataram ser de boa resistência. Davam a impressão de que o metal empregado era semelhante ao ferro, talvez uma liga diferente, dando-lhes uma resistência mecânica ótima, além de aceitar afiação para cortar. As jazidas do minério principal existiam em minas não muito distantes. Era possível que ali a reserva estivesse próxima do esgotamento, mas certamente ainda haveria suficiente para o começo. Depois haveria tempo para identificar novas jazidas, bem como outros materiais que pudessem ser usados.

Para começar o processo de industrialização da nova sociedade, haveria suficiente.  Na medida em que a ocupação avançasse, certamente encontrariam novas jazidas e outros materiais. Estavam começando bem. As ferramentas preservadas, serviriam para começar a produzir as outras, mais avançadas de que necessitariam. Era questão de organizar a extração do minério e construir os locais para a fusão. Na sequência viria a preparação das ligas, permitindo a obtenção de diferentes graus de dureza, conforme a finalidade.

O retorno ocorreu quando já começava a escurecer. Vinham carregados de muitas ferramentas. Uma parte havia ficado no local, pois seria inviável carregar tudo. Se houvesse necessidade, poderiam voltar e trazer o que fosse necessário. Isso de fato ocorreu nos próximos dias. As habitações eram providas de reservatórios de água. Esta era coletada das chuvas, de modo que não faltaria o líquido importante, enquanto ela continuasse a cair do céu na quantidade adequada. Para o primeiro dia, depois da chegada em plena manhã, haviam feito progressos importantes. Tinham alimentos que poderiam ser preparados de modo semelhante ao usado na terra. Plantas com raízes parecidas ao inhame e outras, existiam em abundância. Pelo menos atenderiam à demanda inicial. Depois seria importante preparar a terra e plantar, para haver produção, capaz de alimentar tanta gente.

Havia falta de leite. As crianças, em grande quantidade, ainda estavam na fase em que sua alimentação se baseava, em boa parte, nesse produto. Coube aos criadores de gado a tarefa de cuidar da provisão de leite. No rebanho de animais, havia um bom número de fêmeas, tendo com elas filhotes em fase de amamentação. Se conseguissem capturar um bom número delas e as domesticassem, poderiam fornecer o precioso alimento. O trabalho foi árduo. Para facilitar a captura, era preciso separar esses animais da manada e conseguir lhes colocar uma corda no pescoço. Eram desprovidos de chifres. Um jovem, acostumado a lidar com vacas sem chifres, preparou uma espécie de arnês ajustável. Assim seria possível dominar os animais, sem lhes causar sofrimento ou correr o risco de sufocação com as cordas no pescoço.

Depois de algumas semanas, conseguiram trazer os primeiros recipientes cheios de leite para as moradias. Ele foi entregue às mães com maior necessidade do produto. Depois de iniciada a domesticação, os animais se tornavam dóceis com rapidez. Assim, em algum tempo, havia um número suficiente de fêmeas em lactação, fornecendo leite em quantidade suficiente para todos. Serviriam ao mesmo tempo de começo da criação dessa espécie de animais, para o abastecimento de carne, sem necessidade de caçar em lugares distantes. Economizariam muito tempo e esforço.

Também outras espécies começaram a ser domesticadas. No futuro seriam o suporte do sistema de alimentação da população. Os cereais foram colhidos e separados em suas espécies. Além de produzir alimentos deles derivados, o objetivo principal era a obtenção de sementes para plantar. Quando houvessem estabelecido áreas de cultivo em tamanho adequado, teriam alimentos vegetais garantidos. Cada um dos dez grupos, dispunha de um depósito onde armazenavam as sementes e também o excedente para consumo. Os intermediários residentes, tinham sido previdentes ao extremo. Gradativamente eles se afastaram, enquanto os líderes assumiam o comando de seus grupos, tudo coordenado e liderado por Mink.

 

 

Enquanto tudo isso acontecia em Orient, Kibong passava por um grave cataclismo. Os transportadores mal haviam partido na direção do espaço, quando irrompeu, em um monte mais elevado das proximidades, um vulcão, sem ao menos ter dado um sinal prévio. Pelo menos ninguém havia notado nada. Junto com um forte tremor de terra que modificou sensivelmente toda topografia da região.  Parte da cidade submergiu no oceano, as lavas do vulcão escorreram por fendas abertas no solo. Assim, casas e ruas foram engolidas e submersas nas entranhas da terra. Outras edificações desmoronaram, caindo sobre seus ocupantes. Um grande número de mortos e feridos foi encontrado pelos sobreviventes. O fato de haver um enorme número de casas, edifícios e logradouros públicos que sumiram completamente, levou à convicção de que todos os habitantes desaparecidos, haviam sucumbido no evento.

Os atuais administradores cuidaram de dar destino aos mortos, cuidar dos feridos e iniciar a lenta reconstrução. Inicialmente de modo temeroso. Poderiam confiar na natureza nos dias futuros? Não seriam surpreendidos novamente com outros acontecimentos desastrosos? Isso levou muita gente a tomar o caminho de volta aos locais de onde haviam migrado anos antes. Os dias passaram, não havia mais corpos encontráveis nos escombros e os feridos haviam se recuperado. Alguns sucumbiram aos efeitos do acontecido. Uma leve esperança ressurgiu e a cidade retomou a atividade. Um bom número de mutilados pelo cataclismo, vivia a nova realidade e procurava forma de desenvolver alguma atividade produtiva, para contribuir na produção de bens necessários.

Era evidente que o cataclismo permaneceu na ordem do dia por muitos anos. Qualquer ruído diferente, era interpretado como possível catástrofe. O vulcão entrou em repouso, permanecendo por séculos sem dar sinal de sua existência, além de um tênue fio de fumaça que se elevava de seu pico. As encostas estavam cobertas de lava endurecida. Apenas alguns pontos mais salientes haviam ficado expostos. Serviram de recomeço da natureza em cobrir o resto com vegetação. Isso ocorreu depois de diversos séculos se passarem, quando o ocorrido estava em vias de cair no esquecimento. Pelo menos não passava mais de uma lembrança distante, perdida no passado. Vez ou outra surgia algum alarme sobre a possibilidade de reativação da atividade vulcânica. Os dias passavam e logo começava-se a esquecer o fato, voltando a vida ao normal.

A cidade de Kibong nunca mais atingiu o nível de florescimento de antes. A sede do clube dos Três Círculos estava entre os imóveis desaparecidos, levando a um gradual esquecimento da doutrina ali difundida. A família de Mink caiu no esquecimento, bem como a de Abud. Apenas os estrangeiros que ali haviam estado para aprender, se encarregaram de difundir, em suas regiões de origem, o que haviam aprendido. Muita coisa foi distorcida no correr do tempo, de modo que, quando da vinda de Micael, Filho Criador de Nébadon e seus mundos, como Jesus de Nazaré, pouca coisa era lembrada. Os grupos que seguiam a doutrina estavam geograficamente distanciados, o que impedia a comunicação fácil. Na maior parte das vezes, sequer sabiam da existência dos demais. À medida em que os discípulos vindos de Kibong chegavam ao final de sua vida, os seguidores lentamente perderam o vigor e brilho da fé. Gradativamente os seguidores retornaram às antigas práticas pagãs e idólatras.

Mesmo assim permanecia em suas práticas algum resquício da verdadeira fé. De tempos em tempos surgia algum descendente dos antigos propagadores, que tentava resgatar o verdadeiro sentido da fé no Pai Universal, mas era difícil remover décadas e mesmo séculos de costumes desvirtuados. Assim surgiam alguns grupos de crentes, cada um com alguma coisa em comum com os demais, porém, nunca exatamente a mesma fé. Os nomes e detalhes sempre sofriam modificações.

 

 

Com a aprovação de Nemur e seus auxiliares, Mink e seus dez comandantes, estabeleceram uma administração para a população. Inicialmente ficariam encarregados de gerir os negócios da colônia. Com o tempo, grupos de colonização seriam assentados em locais mais afastados. Primeiro havia necessidade de construir embarcações para viajar de um ponto a outro pela água do oceano.  Na verdade, a sede ficava localizada em um braço de mar, não muito amplo. A outra margem era vislumbrada por sobre a linha do horizonte, quando a atmosfera estava transparente o bastante. Belas praias existiam onde se localizava a sede. Para servir de ancoradouro, seria preciso encontrar um local mais adequado, que parecia estar alguns quilômetros para o norte de onde estavam.

Os metalurgistas estavam em plena atividade, extraindo minério da jazida, já bastante explorada. Cavando com ferramentas obsoletas, conseguiam retirar apenas pequenas quantidades. Era o suficiente para fabricar os primeiros equipamentos, necessários para a instalação da metalúrgica. Só depois poderiam começar a produzir ferramentas mais modernas e aperfeiçoadas. Os chefes das equipes de trabalho planejavam o local da indústria, providenciavam madeiras para a construção e também material para cobertura. As ferramentas de que dispunham não ajudavam muito, mas era o que havia à mão. No devido tempo tudo tomaria novos caminhos. O importante era o empenho de todos no trabalho de acelerar o progresso.

No grupo de povoadores, havia um significativo número de mestres de escrita, leitura, matemática, geometria, bem como as demais atividades. As primeiras salas de aula começaram a funcionar poucos dias após a chegada. Foram formadas turmas de iniciantes, bem como os demais níveis. Um dos objetivos mais importantes era privilegiar o desenvolvimento cultural. Dessa forma haveria maior possibilidade de atingir o nível de conhecimentos científicos e tecnológicos desejáveis. Povo culto, é povo que pensa, questiona e faz propostas. O conhecimento estimula a pesquisa, que por sua vez leva a novas descobertas, sedimentação de novos conhecimentos. O resultado final é o nível científico e tecnológico mais avançado. Em todas as turmas fazia-se presente a discussão filosófica, os conceitos do Pai Universal, da Trindade, do Filho Criador e todos seus auxiliares. Era importante manter o povo pelo maior espaço de tempo no caminho da verdadeira fé. Se possível, aperfeiçoar, em lugar de seguir por caminhos errados.

Os agrônomos trazidos se dedicaram a projetar e preparar o solo em áreas que lhes pareceram mais adequadas para plantio das primeiras sementes, segundo indicação dos orientadores intermediários. Suas indicações foram preciosas, pois impediram-nos de plantar em terrenos inadequados, bem como na época imprópria. Era possível saber o tipo de terreno em que cada espécie medrava naturalmente e assim adaptar as áreas de cultivo. Testes foram feitos com sementes colhidas em áreas semialagadas, que foram plantadas em solo menos úmido, para verificar seu desenvolvimento. Sabiam de sua experiência ser possível selecionar, no meio de uma série de plantas, as sementes daquelas que demonstrassem melhor adaptação às condições diferentes das que lhes eram características. Com isso poderiam conseguir cultivares que permitissem o plantio em terrenos menos inóspitos.

Com o decorrer dos anos, seria possível desenvolver drenagem de terrenos pantanosos, mas no momento isso estava fora de cogitação. Um grande contingente de trabalhadores se juntou aos agrônomos para acelerar o preparo e plantio. Alguns eram provenientes de atividades diversas, mas, no início, estavam sem ocupação e foram contribuir com sua força. Para não ficarem ociosos, foram dirigidos aos campos de cultivo. Ninguém se negou ao trabalho. Estavam ali para ser agentes ativos na grande aventura. Seriam para sempre registrados nos anais da história do planeta, em seu futuro, que vislumbravam seria glorioso. Carregavam no coração o desejo de alcançar a sobrevivência na vida após a morte. A fraternidade fazia parte de suas ações diárias.

Zósteles, viera com a expedição e era um dos mais ativos participantes. Seu corpo já estava desgastado, mas sua mente mantinha pleno vigor. Sempre se fazia presente nas reuniões dos mestres, contribuindo com sua experiência e domínio dos conceitos filosóficos mais avançados. Dessa maneira, os jovens discípulos adquiriam cedo a desenvoltura desejável nesses conceitos. As reflexões filosóficas levam ao desenvolvimento de mentes capazes de analisar as questões, antes de decidir. Tornam o indivíduo apto a dialogar, debater e aperfeiçoar conceitos, teorias ou resultados de pesquisas levadas a efeito. Era evidente que o grau de desenvolvimento não seria uniforme, devido às características hereditárias, personalidade própria como uma dádiva do Pai. Desejava-se levar cada um a desenvolver ao máximo suas potencialidades, que nunca são únicas ou exclusivas.

Era certo que ninguém, por mais bronco que seja, chega ao ponto de não poder ensinar nada a alguém. Por outro lado, ninguém é tão sábio que não é capaz de aprender novas coisas. Isso motivava o empenho de todos os integrantes da comunidade. Era vedado menosprezar quem fosse menos dotado. Ao contrário, fazia-se todo empenho em elevar o nível de capacidade de todos os membros da comunidade.

A versatilidade do indivíduo possibilita-lhe a sobrevivência em condições, as mais adversas que poderá encontrar ao longo de sua existência na carne. Para um contingente, mesmo numeroso, porém limitado, destinado ao repovoamento de um planeta inteiro, cada indivíduo deveria render o máximo de seu potencial. Gerar filhos, trabalhar, produzir e contribuir para o desenvolvimento da coletividade eram tarefas indissociáveis da vida de todos. Por isso, as crianças e adolescentes, deveriam receber o máximo de instrução, desenvolvimento intelectual e físico. A superação de seus limites era o objetivo último de todos. Manter esse nível de empenho e dedicação não seria tarefa das mais fáceis. Mink sabia disso. Arki o avisara inúmeras vezes dos desvios e distanciamentos que o tempo costumava causar nos humanos, em relação às revelações recebidas até aquele ponto.

A intensidade das atividades não deixou Mink sequer lembrar da ausência do amigo anjo. Estava constantemente envolvido com alguma atividade. Decisões vitais tinham que ser tomadas a todo momento. Havia tudo por fazer e ele estava se sentindo um pouco cansado. Os orientadores observavam esse estado de coisas, mas tinham a instrução específica de não interferir, salvo nos momentos de graves crises e não era o caso ainda. Foi nessas condições que, numa noite, depois de quase dois meses em Orient, estando ele em profunda meditação sobre a diversidade de questões pendentes pedindo solução, surgiu ao seu lado o amigo de tantos anos. Ao ser saudado, ficou momentaneamente assustado:

– Salve, amigo Mink! Trago a benção do Pai Universal, solicitada especialmente pelo meu mestre sobre você e sua gente.

– Salve, amigo! Você vem me trazer alento num momento de dúvidas e quase desespero.

– Vou ter que repetir novamente. Confie, tenha fé! Você nunca está sozinho. Há uma dezena e mesmo centenas de personalidades zelando por você e sua gente. Respeitam a vontade e decisão de vocês, mas interferem na proporção máxima permitida, para que riscos desnecessários sejam evitados. Vocês são preciosos demais para que seja permitido perder um sequer.

– Realmente, tenho notado que não aconteceu nenhum acidente, ninguém ficou doente, nem mesmo a mais leve indisposição.

– A alimentação está sendo controlada, até que vocês tenham o conhecimento suficiente das plantas e animais de Orient. Há algumas plantas que, na forma correta, podem ser consumidas sem problema. Se o uso for inadequado, são tóxicas e causam problemas sérios.

– Estou tendo dificuldades em colocar os auxiliares em posição de assumir realmente as responsabilidades. Sempre vem confirmar as próprias decisões e isso está me deixando extenuado. Não estou tendo tempo para minha família. Isso não é bom. Temo que meus filhos se afastem de mim, minha esposa perca seu entusiasmo habitual.

– Você precisa colocar claramente para eles que cada um tem que assumir a responsabilidade por suas tarefas. Apenas em dias determinados devem vir apresentar relatórios. Do contrário você vai realmente ficar maluco. Eles têm que confiar, ter fé. Não devem descarregar nos seus ombros todo o peso das decisões. Eles têm necessidade de serem independentes dentro de suas possibilidades. 7

– Isso é mais fácil de dizer do que fazer. Ao longo desses anos todos, criamos um estreito vínculo de amizade e isso dificulta a questão de ser mais enérgico com eles.

– Mas é preciso fazer ver a eles que estão sufocando você. Se realmente tem amizade, amor, confiança em você, devem se empenhar para facilitar sua vida. Eu poderia falar com eles, mas prefiro interferir o menos possível. Em algum tempo, os descendentes de vocês, deverão ser capazes de assumir e gerir os destinos desse planeta. Pelo menos no sentido da evolução. Não ficarão para sempre sendo tutelados como acontece agora.

– A gente acaba mal-acostumado, não é verdade? Pensamos sempre em recorrer a quem pode nos ajudar a resolver os problemas que surgem. Tornamo-nos dependentes e é hora de começar a “desmamar”. No começo é um pouco sofrido, mas aos poucos nos tornamos independentes.

– Aí reside a questão. Você disse a palavra exata. “Desmamar”. Como a mãe desmama o filho, para que ele comece a se alimentar de coisas diferentes e variadas, substituindo o leite materno, vocês precisam tomar as rédeas nas mãos e guiar os destinos deste povo. Eles confiaram muito mais em vocês do que em nós. A grande maioria jamais havia visto um de nós, ou no máximo de longe. Deve notar que a equipe dos orientadores está ficando cada vez mais distante. Não é que eles não estejam atentos.  O objetivo é não estar à vista a todo momento, servindo de pretexto para pedir ajuda. Eles seguem ordens superiores. Não esqueça, amigo. Vocês são criaturas evolucionárias, volitivas que precisam alcançar a sobrevivência após a vida na carne. Isso depende de cada um. Basta sintonizar-se com a Fagulha. Ela aponta sempre para Deus, em qualquer ocasião.

– Nunca pensei que seria tão fácil esquecer de algumas coisas tantas vezes repetidas. Também não imaginei a quantidade de decisões que ficariam a meu cargo. Andei tentando carregar mais do que podia e o resultado é que estou à beira da exaustão.

– Determine aos seus auxiliares que organizem o trabalho em seus grupos, também delegando tarefas aos grupos menores, cobrando os resultados. Depois venham apenas trazer os relatórios. Tire uns dias de descanso. Talvez seja interessante reunir um grupo de pessoas mais destacadas e fazer uma pequena excursão para o lado sul, a partir daqui. Irão encontrar coisas interessantes. Pelo menos ficará por alguns dias longe das preocupações, recarregando sua energia. Conceda-se o direito de um pouco de descanso. Deixe aqui alguém encarregado de tomar as decisões em seu lugar. Se ele errar em algum ponto, procure corrigir depois, se for possível, ou então lhe dê o apoio que precisa para tornar-se menos dependente.

– Há mesmo necessidade de reconhecimento nessa área. Não sabemos nada ainda sobre o tipo de terreno, as plantas e animais da região. Certamente encontraremos muitas novidades.

– A cada passo encontrarão novidades, isso é certo. Atende a duas necessidades. Seu descanso e explorar essa área, para onde aconselhamos expandir a ocupação.

Mink ficou interessado. As palavras do anjo o deixaram curioso. Ele não costumava dizer nada por dizer. Se recomendava explorar o sul do lugar onde estavam, ali encontrariam alguma coisa importante. Poderia ser em questão de recursos naturais, madeiras, plantas de utilidades diversas ou mesmo alguma outra informação de interesse. Depois de pensar por um instante em que todas essas ideias passaram pela sua mente, falou:

– Vou seguir seu conselho, amigo. Estou tendo a impressão de encontrar algo novo e importante. Valeu muito pela sugestão. Tentarei ser o mais observador possível. Vou levar comigo uma equipe de pessoas aptas a identificar tudo que seja útil para a coletividade.

– Talvez devam situar ali uma colônia. Pode ser a primeira vila, fundada por vocês, talvez mesmo a capital. Aqui as instalações são coletivas e não tem a privacidade que pode ser desejável para as famílias. Com o passar do tempo, essa proximidade excessiva, as interferências, mesmo involuntárias na vida dos vizinhos, podem criar atritos desagradáveis, o que não convém de modo algum. Quanto mais harmônica for a convivência entre todos, melhor. Quando estiverem mais dispersos, isso se torna menos problemático, mas enquanto estão aqui juntos, é uma questão relevante.

– Isso é verdade. Alguns desentendimentos têm acontecido, devido à proximidade das residências. Os ruídos e movimentações por vezes perturbam os vizinhos.

– Vou deixar você dormir agora. Comece amanhã a praticar o que recomendei. Forme uma equipe e avance alguns quilômetros para o sul. Não irá se arrepender.

O anjo se retirou, deixando Mink pensando nas suas palavras. Havia esquecido de sua própria vida, em benefício do grupo.

Curitiba, 14 de dezembro de 2015 (Atualizado em 23 de agosto de 2016)

Décio Adams

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