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Fantástico mundo novo!-Volume III – Recomeço em Orient. Cap. IV – Colônias são implantadas.

  • Colônias são implantadas.
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    As providências para eleger os ministros encarregados da administração civil de Orient, sob supervisão de Mink e seus dez auxiliares, desde Urantia foram tomadas. Diversos candidatos, todos eles com experiência comprovada em administração e conhecedores dos assuntos que iriam gerir, foram propostos. Em uma reunião geral no anfiteatro, eles apresentaram seus projetos de trabalho, para que o povo pudesse fazer sua escolha, de modo mais acertado. No dia marcado, todos que puderam estar presentes, participaram do pleito. A apuração foi feita sem demora, indicando, para ministro da mineração e indústria, um homem de nome Gamal, que fizera parte da administração de Kibong. Ali aprendera os segredos de uma administração eficiente e segura. Para dirigir os negócios da agricultura foi escolhido Cassiel, um dos primeiros discípulos das escolas de agricultura em Kibong.

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    O serviço administrativo ficou instalado provisoriamente na mesma edificação do anfiteatro, que dispunha, nas laterais, de salas amplas e que serviam perfeitamente para a finalidade que se tinha em mente. Os ministros, uma vez investidos de suas funções, formaram as equipes de trabalho, na forma mais simples e enxuta possível. Nada de ostentação, tampouco de cargos sem finalidade, apenas para dar ocupação aparente a gente interessada em honrarias. Os titulares dos ministérios eram os mais dedicados, dando a todos o exemplo de empenho. Entre as primeiras providências tomadas pelo sistema administrativo mínimo implantado, foi organizar seis contingentes para formar colônias nos locais indicados pelos comandantes das expedições. Em cada uma delas haveria uma equipe encarregada de administrar as atividades. Teriam autonomia em suas decisões, mas deviam prestar contas à administração central.

    Havia a preocupação de delimitar as áreas de terra cultiváveis, destinando a cada família ou grupo familiar, a área competente, além de fornecer ferramentas e recursos, dentro das disponibilidades, para iniciar suas atividades. Seria um ano trabalhoso em todos os sentidos. Dessa forma, uma atividade frenética tomou conta de toda população. Haviam passado um ano praticamente dedicados a cuidar da vida, aglomerados em abrigos comunitários, vivendo muito próximos uns aos outros. Isso gerara frequentes atritos, próprios em grupos humanos convivendo em um espaço limitado e privados de grande parte da privacidade que todos gostam de ter em suas vidas particulares. Mesmo com a delegação de poderes aos ministros, Mink viu suas atividades aumentar aparentemente. Constantemente estava em reuniões com as equipes de trabalho, ouvindo os planos, apreciando a formação das equipes de trabalho, enfim, dando a última palavra em quase tudo. Gradativamente ele foi se desligando, deixando mais responsabilidades aos ministros e seus auxiliares.

    Após seis meses de atividades constantes, as duas primeiras colônias, uma a oeste, outra a leste, tiveram seus integrantes despachados. O começo da viagem foi feito em um conjunto de barcos desenvolvidos, em regime de urgência, pelos especialistas. Levavam todo material que era possível dispor para permitir o desenvolvimento das atividades. Em cada grupo ia um membro da expedição, encarregado de localizar o primeiro sítio projetado para receber a colônia. Havia um local apropriado para a ancoragem dos barcos e realizar o desembarque das pessoas e do material que levavam. Parelhas de animais de tração, domesticados, carros de duas rodas e também uma espécie de trenó, desenvolvido para levar cargas mais leves, por caminhos menos apropriados. O momento da partida foi um misto de alegria, pois quem ia estava ansioso por chegar ao destino e iniciar o trabalho. Os que ficavam, se entristeciam com a distância que passaria a existir entre eles e os amigos, parentes e conhecidos que faziam parte dos colonos.

    Enquanto os barcos singravam as águas ainda pouco conhecidas, próximas a costa, a atividade na sede não cessava. Mais duas turmas de colonizadores estavam sendo preparadas. Tão logo os barcos retornassem, seriam carregados novamente e seguiriam para o local das próximas colônias. Estava projetado que, até o início do próximo ano, estariam implantadas as seis primeiras colônias. Feito isso, aguardariam pela consolidação desses empreendimentos, preparando os outros, já mais distantes, para realização posterior. Ao mesmo tempo, na região onde estava a sede, foi dado continuidade à colonização. Até aquele momento, pouco havia sido feito ali, em termos de implantação de uma colônia. A existência dos abrigos preparados pelos seres intermediários, a provisão de rebanhos para fornecimento de carne e outros alimentos, acabara deixando o povo, de algum modo, acomodado. Era importante colocar todos em atividade, além da manutenção do que se fazia em termos de escolaridade e adoração ao Pai Universal.

    Os agricultores interessados foram aquinhoados com lotes de terra, onde poderiam cultivar as plantas para alimentação, criar animais já domesticados, bem como domesticar outros que porventura pudessem encontrar. Um local foi projetado para receber a implantação de uma cidade. Nas proximidades havia rochas, passíveis de corte adequado, para a construção, bem como solo apropriado para a confecção de tijolos para alvenaria e telhas para cobertura. Havia trabalho para todos. Até mesmo os que iriam participar da implantação das colônias, enquanto aguardavam sua vez de partir, ajudavam no trabalho de preparação do terreno para cultivo, ou implantação da infraestrutura para a edificação das primeiras casas e edifícios na área que seria a capital do planeta, neste início de atividade. O trabalho realizado, além de somar com o dos demais, servia de aprendizado de novas atividades para muitos.

    Trabalhava-se muito neste começo no planeta Orient. A jornada de trabalho era, em geral, de dez horas ou mais, sem contar o tempo despendido em atividades educativas e orientações diversas. Mink estava visitando as obras na colônia modelo implantada nas proximidades do lago que ele mesmo ajudara a explorar. Os trabalhos estavam adiantados e dava gosto ver o povo empenhado na atividade. Desde os mais jovens, aos idosos, todos tinham suas tarefas a cumprir, visando o máximo de eficiência. No entanto, ninguém esquecia de dedicar, alguns momentos que fossem, à adoração e agradecimento ao Pai. Em todo lugar era possível observar a ação de pessoas na busca de fazer o melhor ao seu alcance, para benefício comum. Isso não deixava dúvida de que todos estavam imbuídos do desejo de realizar a vontade de Deus. Sentiu-se imensamente grato por fazer parte desse projeto grandioso.

    À noite, após o jantar, aproveitou um momento para caminhar à beira do lago, iluminado pela lua menor de Orient. Queria meditar sobre os mais de vinte anos que haviam transcorrido desde aquela noite no alto do penhasco. Sentiu saudade daquela estrela que parecia sorrir, dançar e depois lhe enviar o anjo Arki, transportado nas asas de um raio de luz azul. Nesse momento, seus olhos foram ofuscados por um reflexo que o fez retroceder no tempo. Em segundos ouviu o anjo saudando-o:

    – Salve, amigo Mink!

    – Salve, Arki. Pensei que tivesse me abandonado, mas vejo que está aqui. Mesmo distante, sempre providencia para que nada nos falte.

    – Não queremos deixar perecer um grupo precioso de vidas que decidimos trazer para cá. Estive vendo que estão fazendo progressos consideráveis. As duas primeiras colônias já estão sendo implantadas. Os barcos devem chegar nas próximas horas para levar novos contingentes. Aqui mesmo estão fazendo progressos significativos.

    – Sabemos que não teremos para sempre a ajuda especial. Precisamos alcançar a autossuficiência em tudo. Isso só se torna possível com muito trabalho.

    – Não resta dúvida, amigo. Vejo que estão criando um começo de sistema de governo central, enquanto cada colônia tem sua administração independente, subordinada ao controle geral. Vamos ver se isso se mantem. Se não houver predominância de orgulhos e vaidades pessoais, pode ser um passo importante para avançar rapidamente na direção do desenvolvimento mais acelerado.

    – Sempre fico preocupado com o avanço exagerado na técnica, indústria e ciência, sem que isso seja acompanhado pelo aspecto religioso. Não há como manter todas as pessoas sempre sob controle e isso favorece ao distanciamento da fé no Pai Universal.

    – Não esqueça que todos têm livre arbítrio. Não podemos obrigar ninguém a fazer nada. Por maiores que sejam os problemas, é preciso usar os meios pacíficos para convencer. Instruir pelo exemplo, jamais recorrer à imposição.

    – Nemur nos avisou de que, em pouco tempo, irão se afastar e ficar na invisibilidade, como lhes é comum. Sabemos que estarão sempre por perto, mas será necessário nos prepararmos para esse momento. Infelizmente nos acostumamos a vê-los sempre por perto, durante esse ano e meio que passamos aqui. É confortador poder contar com a presença deles, mas não é normal esse estado de coisas.

    – Vocês irão, aos poucos, ocupar o território de Orient. Fazer o solo produzir, criar indústrias, desenvolver a ciência, enfim, criar uma civilização, como se sempre tivessem vivido aqui. É para isso que vieram. A tutela temporária dos seres intermediários, representados pelo Nemur e seus ajudantes, tem a finalidade de dar suporte para tornar menos difícil o começo de vocês aqui.

    – Nós estamos cientes disso, Arki. Estamos nos esforçando para que, quando eles se retirarem, possamos caminhar sem grandes problemas. Muita gente está mais animada agora que começamos a implantar as colônias. Não sei quanto tempo isso vai durar. A vida que irão enfrentar não é fácil.

    – Há necessidade de sempre reforçar a fé e confiança do povo. O desânimo é algo normal na vida das pessoas, especialmente quando as dificuldades aparecem. E elas vão aparecer com toda certeza. Vou sugerir ao chefe alguma providência especial, para manter o ânimo de seu povo no alto. Mas tem que ser imperceptível, para não se tornar um vício. Haveremos de encontrar uma saída para isso. Não devemos deixar o povo se abater ante os problemas.

    – Se puderem me inspirar algumas ações para remediar essa questão, estou às ordens. Minha vida pertence à missão. Minha esposa e filhos sabem disso e eles saberão enfrentar qualquer dificuldade.

    – Sua família é importante demais para ser negligenciada, Mink. É sua missão, antes de mais nada, cuidar muito bem de seus filhos e filhas. Quando você se for dessa vida material, haverá necessidade de quem ocupe o seu lugar. É correto pensar que haverá gente experiente para dar prosseguimento, mas seus filhos, certamente terão um lugar na história de Orient. Quanto melhor preparados estiverem, mais úteis serão na vida das gerações que virão depois.

    – Nemur orientou que os homens que tenham disposição, desposem mais de uma mulher, para gerar mais descendentes. Vieram muito mais mulheres do que homens, no final das contas. Estava havendo mulheres ficando solteiras. Algumas não gostaram da ideia, mas outras aceitaram bem e já há casas em que um homem vive com duas mulheres. Algumas inclusive já estão grávidas. Eu, por enquanto, estou deixando essa questão como está. Tenho ocupações suficientes. Se colocar mais uma mulher na minha vida, vou ficar maluco.

    – A tendência futura, vai ser retornar à monogamia. Agora, para acelerar o povoamento, é conveniente que o homem, com disposição a manter mais de uma esposa, seja livre para fazê-lo. O casamento é mesmo uma relação puramente humana, não tem nada a ver com a religião, com o Pai Universal. O importante é manter o respeito e a ordem. Não é justo que um homem gere filhos e depois os deixe passar necessidades. Eles devem ser advertidos desse detalhe. Há sempre o risco de pensarem apenas na gratificação do prazer sexual e esquecer da responsabilidade paterna. O amor do pai deve estar sempre presente na vida dos filhos, quer sejam eles gerados por uma ou mais mulheres. O amor paterno serve de base para entender o amor do Pai Universal pelos seres humanos.

    – Isso coloca a questão do divórcio nas mãos das autoridades humanas, não tendo relação alguma com o aspecto religioso.

    – Exatamente, amigo. O homem e a mulher se conhecem, se enamoram e casam. Deus não se intromete nessa questão. Apenas o amor jamais deve ser esquecido. Para amar os filhos, os pais devem amar-se antes e dar o exemplo. Ninguém aprende a amar, sem o exemplo dos mais velhos. Esse amor dos pais pelos filhos, induz os filhos a amar o Pai Universal com mais facilidade. Isso os ajuda a aceitar a paternidade e o amor de Deus com mais entusiasmo.

    – É esse o motivo que conduz à monogamia. Duas mulheres vivendo na mesma casa, sob a tutela de um mesmo homem como marido, é sempre motivo para intrigas e confusão. O resultado é que os filhos acabam envolvidos nesses desentendimentos, levando-os ao desamor entre eles mesmos.

    – O homem que se propõe ter mais de uma esposa, precisa estar preparado para manter a harmonia entre elas. A natureza feminina costuma ser possessiva e o resultado é o surgimento de pontos de atrito. Se essas arestas não forem devidamente aparadas, tenha certeza de que haverá momentos de grande confusão. Salvo se uma delas for submissa. Mas isso cria um clima de dependência, que não é conveniente aos filhos que virão. Outra questão comum é elas interferirem no relacionamento dos filhos delas com os da outra. Isso gera conflito entre os irmãos e não é bom. Mas faz parte da vida, amigo.

    – Vou ficar com a que eu tenho e deixar que os outros se ocupem com essa parte. Não pretendo perturbar a paz do meu lar.

    – Mas há homens que gostam de uma boa intriga. Eles entram no meio e se sentem como um rei. Dão ordens e distribuem, o que eles pensam ser justiça. Na maior parte das vezes, eles é que se tornam objeto de manipulação. Mas isso é coisa que cada um precisa viver e administrar em sua própria casa. Deve-se intervir somente no momento de alguma crise mais severa.

    – Nesse ponto, poderíamos dizer, que vocês, seres angelicais, são felizes por não estarem sujeitos a essas coisas. Mas certamente têm outras preocupações e motivos de aborrecimento, ou não?

    – Eu não diria aborrecimento, mas constantemente somos obrigados a fazer uso de nosso livre arbítrio para nos mantermos fiéis no serviço, para o qual fomos criados. Toda criatura tem suas tribulações em algum momento da existência.

    – Eu ia perguntar se pode me dizer alguma coisa sobre nosso antigo lar, Kibong, mas acho que não é conveniente.

    – Vocês hoje não reconheceriam mais Kibong. Poucos minutos depois da partida, um vulcão explodiu naquele monte mais elevado que havia perto e um violento terremoto abalou toda região. A destruição foi grande. Muitos mortos e desaparecidos. Dessa forma, vocês todos que vieram para Orient, foram dados como desaparecidos. Ninguém sabe o que houve com vocês. Para todos os efeitos foram sepultados pela movimentação de terra e lava vulcânica que cobriu boa parte da cidade. O que sobrou está tentando sobreviver, às duras penas.

    – Mas isso não ocorreu propositalmente, para esconder nossa saída?

    – O Pai jamais permitiria que algo assim acontecesse. Tudo isso iria acontecer de qualquer maneira e, se vocês não viessem para cá, estariam mesmo desaparecidos sob a lava. Foi um acontecimento da natureza do planeta.

    – Imagino o sofrimento das pessoas que perderam seus entes queridos. A cidade destruída. E apenas estava começando a ficar grande e bonita. Uma pena mesmo.

    – Pense nas cidades bonitas e modernas que poderão construir aqui, com o tempo. Quando a população crescer bastante e ocorrer a geração de riquezas, haverá como construir muita coisa bela. Mesmo que isso não seja o mais importante. Mas a beleza artística faz parte do desenvolvimento do ser humano no geral. Os artistas, os músicos, poetas e escritores, criam suas obras de arte para o enriquecimento da vida da população.

    – Creio que teremos tempo bastante para isso. A pressa, lembro quantas vezes me falou sobre isso, não combina com a perfeição, com a harmonia.

    – Você demorou para entender, mas é isso mesmo.

    – Eu ainda era criança e ficava ansioso por ver as coisas acontecer. Hoje estou mais maduro. Quem agora está nessa idade, são meus filhos mais velhos. Sempre estão apressados e dá um trabalho acalmar para que aprendam a esperar a hora certa de tudo.

    – Valeu a pena aprender a lição. Não acha?

    – Se valeu! Como valeu. Hoje sei dosar minha ansiedade, controlar os nervos e manter a calma, mesmo nos momentos mais graves. Tudo isso devo às suas lições sobre paciência, calma, fé e confiança.

    Nesse momento a lua começou a descer atrás dos montes próximos. Arki disse:

    – Fique em paz, amigo. Até um outro dia.

    Sem tempo de despedir-se, Mink viu o anjo sumir naquele raio de luz azul, que desapareceu pouco acima do horizonte, agora para o lado do poente, um pouco para o norte. Caminhou mais um pouco na beira da água, molhou os pés, sentindo um leve arrepio. O ar estava gelado e soprava uma brisa vinda do lago. Perscrutou o céu, coalhado de estrelas. Ainda não houvera tempo para a identificação de constelações. Isso iria acontecer com o passar do tempo, na medida em que astrônomos surgissem e se dedicassem ao estudo dos astros. Elevou uma prece ao Pai do Paraíso, depois caminhou para a tenda que lhe servia de abrigo, onde deitou para dormir. No dia seguinte empreenderia o retorno à sede. Havia constatado que na colônia experimental caminhava tudo em boa ordem. Uma e outra correção de postura fora necessária, mas nada de grave. Teria pouca coisa a relatar de importante aos ministros da administração central, além de elogios sobre o bom andamento dos trabalhos.

    Dormiu, sonhando com a esposa e os filhos. Sabia que Edith estava novamente grávida, do que seria seu sétimo filho. Havia três meninos, depois duas meninas e o menino caçula. Seria bom se viesse mais uma menina, mas aceitaria o que fosse a vontade do Pai. Não tinha nada a reclamar da bondade divina. Até aquele momento sempre fora bem-sucedido em tudo que intentara na vida. Talvez ainda houvesse uma cota de dor e sofrimento reservada para eles. Até o velho mestre Zósteles viera com ele para Orient. Era realmente um espírito aventureiro e não quisera perder por nada a chance de ser um dos colonizadores do planeta desabitado. Continuava a ensinar filosofia aos mais jovens. Vivia rodeado de adolescentes e mesmo jovens adultos. Sempre dispunha de um momento para lhes dar atenção.

    Na realidade, todos os velhos mestres, chegados de longe, estavam ali em Orient, continuando a fazer o que haviam feito por cerca de vinte anos em Kibong. Sua sabedoria era valiosa nos momentos mais difíceis. Sempre tinham uma contribuição a dar aos mais jovens. Tudo isso tornava esse começo menos árduo. Antes de adormecer, Mink pensou sobre a conveniência de revelar aos demais sobre o que ocorrera em Kibong. Era possível que alguns tivessem deixado amigos e parentes para trás. Sabendo da ocorrência do cataclismo, com muitos mortos e desaparecidos, poderiam ficar angustiados em saber o destino dos entes queridos. Isso seria pouco conveniente. Sabiam todos que não haveria viagem de volta. Decidiu não dizer nada, pelo menos no primeiro momento. Talvez um dia, num futuro mais distante, poderia revelar alguma coisa, sem causar transtornos, quando tudo já tivesse se transformado em saudade.

    Acordou cedo e pouco depois partia com a comitiva que o acompanhara na curta viagem. Ao chegar em casa, encontrou a esposa ligeiramente adoentada e ficou preocupado. Temeu pela sua vida, pensando nos filhos, ainda pequenos que tanto necessitavam da presença da mãe nessa fase. Esperou um pouco e logo percebeu que na verdade era apenas indisposição, ocasionada pela gestação, ainda nos primeiros meses. Os filhos queriam saber de tudo que acontecera na viagem. Se o pai lhes tinha trazido alguma coisa diferente, fato comum. Mink quase sempre arranjava algum mimo, por mais insignificante que fosse, para trazer a cada um. Nem que fosse uma pedra colorida, uma mudinha de flor diferente, uma semente exótica. Imediatamente começou a distribuição de presentes. O mais velho era colecionador de pedras coloridas e acrescentou mais dois espécimes à sua coleção. E assim foi, até todos terem seu presente. O caçula, por sua idade, era o menos exigente em questão de presentes. Ganhou um boneco de madeira feito por um artesão residente na colônia.

    Edith foi agraciada com uma bela muda de flor. Estava plantada, em um vaso de barro e seu porte era reduzido. Agora foi a hora de contar as novidades. Cada uma das crianças queria ser a primeira a contar. Mink determinou que começariam a ouvir os relatos pelo mais jovem. O mais velho era provavelmente o mais demorado, pois sempre tinha uma boa coletânea de novidades para contar. Enquanto a mãe preparava a refeição da noite, o pai ouvia as histórias dos filhos. Nesse momento sentiu como deveria ser prazeroso ao Pai do céu, ouvir os filhos relatando suas venturas e desventuras, no decorrer da vida. Cada um teria as histórias mais complicadas, em sua opinião, para relatar ao ser amado. Realmente não seria possível compreender o amor do Pai celeste, sem passar pela experiência da paternidade humana. Essa era, sem dúvida, a razão para a existência da família.

    Era algo notável como os progenitores animais, também eram dedicados e amorosos com os filhotes, enquanto estes dependiam deles para serem alimentados. Uma vez capazes de prover minimamente o próprio sustento, eram geralmente enxotados para cuidar de sua própria vida. Terminava ali a relação familiar, o que, em alguns casos, podia significar algumas semanas depois de nascer como meses, dois ou três anos. Os seres humanos, nesse aspecto, eram superiores.

    Os barcos para levar os colonizadores estavam ancorados no porto improvisado. Em alguns dias, depois de uma revisão prévia nas embarcações, começaria o carregamento dos equipamentos para o envio dos novos grupos. Iriam enviar dois grupos para o leste primeiramente e depois dois grupos para o oeste. A viagem seria mais longa e não era conveniente dispersar muito os navios. Estando mais próximos, poderiam se socorrer mais facilmente em caso de necessidade. A turma de colonos estava em preparação para o embarque. Em breve embarcariam para iniciar mais uma aventura. No dia determinado, uma frota de 50 embarcações, levando a bordo em torno de 80 pessoas cada, além de vasto material para o começo da colônia. A alimentação para a viagem, além de um suprimento para os primeiros meses também seguia com cada grupo.

    Os que permaneciam no local, cantavam em despedida, enquanto os embarcados acenavam em adeus, que poderia ser para sempre. Nunca se pode saber o que irá acontecer em tais circunstâncias. Os marinheiros e comandantes dos barcos manobraram habilmente e puseram as naus uma a uma ao largo para o início da viagem. Em algum tempo se transformaram em pontos no horizonte, para logo depois desaparecer de vista. Em seu caminho passaram pela colônia implantada pouco tempo antes, constatando que os trabalhos estavam em pleno andamento. Ninguém dormia no ponto. Era preciso providenciar abrigos bons o suficiente para enfrentar o frio, pois estavam em posição mais ao norte, na direção do polo, onde as temperaturas eram mais rigorosas no período do inverno, que viria em alguns meses.

    Depois de algumas horas de descanso, permitindo a confraternização entre os ali residentes e os que iam para as novas povoações, retomaram o caminho. Em alguns dias chegariam aos pontos escolhidos para as novas colônias. Ficariam próximas uma da outra, distando entre si um dia e meio de viagem pelo mar. Ao alcançarem o primeiro ponto de desembarque, os que iriam para frente, receberam a orientação e seguiram. Pretendiam retornar juntos em poucos dias. Ainda lhes restava outra viagem, dessa vez para oeste, levando mais duas turmas de colonizadores. No meio dos grupos, havia mulheres grávidas, outras com crianças pequenas, todas enfrentando as agruras da viagem, bem como as dificuldades dos primeiros tempos na nova moradia. Tudo era estranho e tudo era novidade.

    Depois de se fixarem com suas cabanas provisórias e iniciar a demarcação dos lotes e também da área para a implantação do povoado, os barcos iniciaram a viagem de retorno. Agora, mais leves, os ventos favoráveis e, na falta deles, os grupos de remadores se revezando, o percurso era realizado em metade do tempo da ida. Com apenas um mês e meio depois da partida, estavam retornando a sede. Ali o trabalho fora incessante para preparar os equipamentos que seriam levados pelas novas turmas de colonos. Havia ferramentas de corte do tipo de machados, outras mais leves como foices, enxadas, facões e arados. Os ferreiros se multiplicavam na produção. Havia revezamento de turnos. Sendo um trabalho pesado, que exige muito da musculatura do trabalhador, o período de trabalho era mais curto, intercalado com um período de descanso. Nesse intervalo outra turma ocupava as forjas e malhos para continuar a produzir. Isso permitiu que os barcos encontrassem o ferramental quase pronto para ser carregado.

    Em questão de duas semanas estavam novamente prontos para partir.  Dessa vez os remanescentes na sede, estavam reduzidos a menos de cinco mil pessoas. Cada turma de colonos, levava consigo um estoque de ferro pronto para ser transformado, malhos, forjas e acessórios para uso dos ferreiros. O número de profissionais ficou reduzido, pois boa parte havia partido para as colônias. Lá, além de se ocuparem da manutenção das ferramentas, fabricação de algumas outras coisas específicas que fossem necessárias, poderiam prospectar a existência de jazidas de minério. Caso as encontrassem, dariam início à extração e transformação. Isso evitaria a necessidade de transporte por barcos da matéria prima por longas distâncias. Representaria economia em todos os sentidos, além de prover as colônias de autonomia nesse particular. Quanto menor fosse a dependência de uma colônia em relação à administração central ou de outras colônias, maior chance tinha de alcançar desenvolvimento acelerado.

    Alguns dias antes de completarem dois anos de estadia em Orient, os barcos, tendo perdido uma unidade durante uma tempestade, estavam de regresso. Graças a Deus os tripulantes do barco naufragado, haviam sobrevivido, sendo resgatados por um dos outros que estava mais próximo. O vento da tempestade o arremessara contra os rochedos de um istmo que se projetava da costa para o mar, em um lugar onde navegavam a pouca distância. Serviria de alerta para próximas viagens. Aquele local era perigoso e deveria ser evitado ficar muito perto dos rochedos. Ali, frequentemente se formavam tempestades que colocavam as embarcações em perigo. Estando mais distantes, havia o perigo das tempestades, mas não o de ser lançado contra as pedras.

    Haveria agora um período de calma na questão das novas colônias, por falta de gente para isso. Em alguns anos, o crescimento populacional, permitiria a formação de novas colônias mais distantes, bem como a ampliação do alcance das já implantadas. Poderiam avançar para o interior do continente, onde havia possibilidade de solos mais férteis e ótimos locais de cultivo. A orientação dada pelos seres intermediários, eliminara a figura da mulher solteira na comunidade. Chegou a um ponto em que foi preciso estabelecer que os homens jovens, ainda solteiros, tivessem preferência na escolha de esposas entre as moças que alcançavam a idade adulta. Do contrário, o risco ficaria invertido. Existiriam numerosos homens solteiros, sem disponibilidade de uma mulher para ser sua esposa. Aquele momento inicial, com moças solteiras, envelhecendo sem terem filhos havia sido superado. Todas haviam encontrado o lugar de segunda esposa de algum homem e hoje estavam em vias de colocar no planeta, seus primeiros rebentos.

    Houve, ao final do segundo ano em Orient, o registro de um número significativo de nascimentos, tanto de meninos como meninas. A limitação necessária para garantir a todo homem jovem uma esposa, levou alguns pais a tentar negociar o casamento das filhas, ainda crianças, o que desagradou a Mink e ao grupo de líderes. Nemur e seus auxiliares, apareciam apenas esporadicamente. Em mais alguns dias deixariam de ser vistos. Agora todo peso da administração e todas as decisões caberiam ao povo. A maior preocupação era manter o equilíbrio entre o aspecto religioso e o desenvolvimento material da população. Os interesses materiais não deveriam suplantar o espírito religioso. O importante era o equilíbrio entre o material e espiritual.

    As colheitas começaram a se mostrar frutíferas. O volume recolhido ao final de cada ciclo era significativo. Isso iria garantir fartura de alimentos, tanto para homens como animais. Os pomares se multiplicavam, produzindo os primeiros frutos. Prometiam, na medida do desenvolvimento dos cultivares, uma produção abundante. As colônias implantadas na região mais quente para o oeste, identificaram novas plantas comestíveis e de fácil cultivo. Isso foi recebido com júbilo em todas as colônias, pois permitiria a disponibilização futura de maior variedade de alimentos para toda população, servindo de moeda de troca entre elas. Quanto mais rico o cardápio se tornasse, mais saudável seria a vida da população nas próximas gerações. Alimentação saudável, garante vida com menos doenças, menos afastamentos do trabalho para cuidar das doenças.

    Em meados do terceiro ano em Orient, as colônias estavam em plena atividade. As primeiras plantações estavam sendo realizadas, algumas descobertas minerais haviam sido feitas. Identificara-se novas espécies de animais, passíveis de domesticação, além de vegetais apropriados para alimentação. Havia tubérculos de alto valor nutritivo e sabor agradável, sementes que podiam ser cozidas para consumo com mistura de outros alimentos, folhas e frutos. Havia muito a ser descoberto nesse campo, pois era preciso determinar a possibilidade de conservação, modos de utilização diversos, visando retirar dessas plantas o máximo de seu potencial alimentar. Tudo viria no devido tempo. Não havia como atropelar o processo. Até mesmo alguns erros seriam cometidos, ocasionando intoxicações, ou então distúrbios digestivos. Em cada caso haveria o aprendizado a ser levado em conta.

    A família de Mink havia aumentado, sendo agora constituída de quatro meninos e três meninas. Os mais velhos estavam encantados com a irmãzinha recém-nascida. Queriam ajudar a mãe nos desvelos, onde ela tomava cuidado para evitar que eles cometessem erros. Isso poderia custar caro e ela, mãe zelosa, estava sempre atenta a tudo que envolvia a pequena filha. Vez ou outra, inclusive era necessário repreender os outros filhos, para não permitir que a pequena corresse riscos desnecessários. Nemur e seus auxiliares agora não eram mais vistos. O anfiteatro, inicialmente bastante cheio nos momentos de reunião, agora ficava quase vazio. O maior contingente de pessoas estava nas colônias, de onde vinham constantemente notícias de progressos realizados.

    Até esse momento ainda não haviam ocorrido mortes, apesar de alguns acidentes bastante sérios, as vítimas haviam sobrevivido e continuavam podendo trabalhar, embora com alguma limitação. Em suas preces ao Pai, Minck lembrava sempre de pedir pela preservação da saúde e integridade física dos seus liderados. Não pedia nada para si. Era ciente de que o Pai sabia de suas necessidades e as supriria na devida forma, enquanto assim fosse sua vontade. Quando julgasse que sua missão fora cumprida, ele adormeceria na paz, para renascer na vida moroncial, no Mundo das Mansões. Mas o Pai ainda lhe reservava grandes realizações. Tinha muito trabalho por fazer, antes de partir para a aventura evolucionária, rumo ao Paraíso.

    Depois que a filha alcançou a idade de um ano, Mink decidiu fazer uma visita pessoal às sete colônias implantadas, especialmente as seis mais distantes. Em acordo com os ministros que cuidavam da administração, preparou um par de barcos para fazer a viagem, primeiro para o oeste, onde as colônias estavam vivendo alguns problemas. Ele queria observar isso de perto. Levar uma palavra de ânimo e estímulo aos amigos tão queridos, que haviam deixado seus lares para acompanha-lo nessa aventura no espaço. Sentia-se responsável por todos eles pessoalmente, embora soubesse que estaria fora do alcance de suas mãos qualquer evento mais sério. Os filhos e esposa quiseram acompanhar o pai nessa viagem. Também queriam conhecer os lugares mais remotos onde havia pessoas que conheciam, vivendo e trabalhando. Mesmo sem ter certeza, intuíam que no futuro ocupariam posições importantes na condução dos destinos desse planeta, onde haviam vindo parar.

    Dessa forma haviam sido preparados lugares para acomodar a família inteira e a viagem começou. Navegaram primeiro para a colônia mais próxima, demorando dois dias e meio na viagem pelo mar. Os barcos, levavam um carregamento de suprimentos, principalmente objetos de metal, encomendados pelos colonos. Aproveitavam a viagem para levar esses produtos. Ficaram encantados com o progresso feito no curto espaço de pouco menos de dois anos. Um povoado servia de moradia a todas as famílias, exceto alguns membros que permaneciam nas áreas ocupadas por criação de animais, para controlar e prevenir eventuais ataques de predadores selvagens. A escola funcionava regularmente, as crianças e adolescentes iam para a escola aprender a ler e escrever. Os mestres haviam encontrado formas de ensinar, mesmo na falta de alguns recursos ainda indisponíveis. A criatividade era a tônica em tudo. Isso alegrou Mink sobremaneira. Os filhos não se cansavam de bisbilhotar por todos os cantos da colônia.

    Quando terminaram a visita nessa colônia, rumaram para as outras duas, um pouco mais distantes, mas próximas entre si. Em questão de cinco dias de navegação, chegaram à primeira, onde permaneceram por uma semana. Ali havia algumas questões a resolver. Mink, com sua calma, especialmente treinada nos contatos com o anjo Arki, soube contornar as questões e deixar a harmonia fluir novamente. As crianças gostaram muito dessa colônia e, não fosse a necessidade de acompanhar a família, teriam de bom grado passado a residir ali.

    Em mais dois dias de viagem, chegaram à terceira colônia, onde o progresso parecia ser mais forte que na anterior. Ali não havia problemas a espera. Mesmo assim, a presença da família de Mink, o líder geral da missão colonizadora, foi tida como um acontecimento de grande importância. Os colonos sentiram-se valorizados e amados pelo homem que, em última análise, poderiam considerar responsável pela sua presença ali, naquele planeta perdido no espaço. O chefe da colônia organizou uma comemoração para celebrar a visita. Haviam construído um abrigo, ao lado da escola, que servia para hospedar a família de Mink e Edith neste momento. No futuro outros visitantes ali se hospedariam. Levou pessoalmente o líder e amigo a conhecer os lugares mais importantes da colônia; as descobertas de relevo, como uma provável jazida de ferro e cobre, numa montanha a poucos quilômetros da costa. Se confirmadas as expectativas, seria capaz de abastecer uma próspera indústria metalúrgica.

    Havia também plantas frutíferas de variedades diferentes, existentes apenas na região. Os frutos eram de sabor excelente e toda população os apreciava. Estavam desenvolvendo formas de conservação, para poderem ser transportados, na forma seca ou desidratada. Assim poderiam ser enviadas às outras colônias. Também plantas da família dos legumes e folhosas estavam entre as identificadas na região. Parecia, graças a alguns sinais e restos de objetos encontrados, que ali havia existido uma povoação da raça humanoide que se extinguira no planeta. Mink recomendou que ficassem atentos para eventuais descobertas de objetos. Seriam parte da história de Orient e também, em alguns casos, poderiam representar alguma forma de risco, dado o fato de a extinção ter ocorrido em consequência de uso de armas de alto poder destruidor.

    Depois de visitar tudo, estimular todos a perseverar na fé e confiança no Pai Universal, tendo desembarcado todos os objetos que haviam trazido para uso da população, voltaram levando um carregamento de uma quantidade não muito grande de frutas secas, alguns cereais para serem testados nas outras colônias. Passaram nas duas colônias anteriores, onde também receberam um pouco de carga para levar à sede da missão. Alguns integrantes estavam desejosos de fazer uma visita a familiares e foram aceitos a bordo. A viagem recomeçou e logo ancoravam diante da sede, onde havia uma pequena multidão a espera. Desembarcaram e depois foi feita a descarga de tudo que havia sido trazido. Foram separadas algumas sementes e produtos, que seriam posteriormente levados às colônias de oeste. Descansariam alguns dias antes de começar a segunda etapa da viagem de inspeção.

    As novidades trazidas tiveram sua aprovação por quem teve possibilidade de experimentar. Infelizmente não era possível que todos tivessem acesso a uma quantidade, mesmo que limitada. Depois de duas semanas recomeçaram a viagem, indo para as outras colônias. Essa etapa da viagem, demorou, ao todo, dois meses. Havia vários objetivos a serem vistoriados, especialmente no tocante à exploração de várias espécies vegetais, minérios e animais. Tudo deveria ser levado ao conhecimento dos ministros na sede e submetido à sua apreciação, antes de dar prosseguimento mais intenso das atividades. Quando faltavam dois dias para completar dois meses, os dois barcos chegaram ao ancoradouro da sede. Mink vinha com uma porção de projetos para discutir e apreciar com os ministros. Os auxiliares iriam esmiuçar os pormenores de cada empreendimento. Depois seria dado o aval ao desenvolvimento das atividades.

Curitiba, 05 de janeiro de 2016 (Atualizado em 23/08/2016)

Décio Adams

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