Foto de uma fazenda típica de Minas Gerais. |
Processo é encaminhado
Naquela noite, antes de adormecer, José passou um longo tempo lembrando do rosto, silhueta, os longos e sedosos cabelos de Isabel. O conjunto era estonteante e ele estava irremediavelmene apaixonado. Fez um propósito firme de fazer o máximo empenho em todas as causas que ficassem sob sua responsabilidade. Alcançaria sucesso e posição de destaque dentro da empresa. Isso o colocaria em posição vantajosa do ponto de vista da opinião de coronel Onofre. Não teria como se opor ao romance, dele José Silvério, com a bela filha. Em especial colocou como questão de honra alcançar uma sentença favorável ao cliente no processo que iria encaminhar no decorrer dessa semana.
Um ganho de causa, com sentença vantajosa para Onofre, daria ao advogado um trunfo importante na consecução de seu objetivo maior: conquistar as boas graças da filha. Não esqueceria de mandar reveler as fotografias na manhã seguinte, pois queria tê-las em mãos para serem anexadas ao processo como prova documental das transgressões cometidas pelo vizinho de seu cliente. Havia aproveitado para fazer uma sequência de exposições, gastando todo o filme. Assim teria imagens para lembrar do lugar onde a razão de suas aspirações afetivas passava seus dias. Pensando em tudo isso, adormeceu e sonhou com encontros românticos, passeios no cafezal, exposições de arte na capital, sendo a estrela a pintora que conhecera naquele dia.
A manhã de segunda feira o encontrou a postos no seu gabinete, cuidando de alguns processos prontos para encaminhamento, faltando apenas revisar, evitando alguma falha eventual que passara despercebida. Logo cedo, pediu a secretária para chamar o contínuo. Quando o jovem se apresentou colocou em suas mãos o filme e pediu que o levasse ao laboratório mais próximo para reveler. Insistiu para que pedisse urgência no trabalho, pois havia ali provas importantes para um processo. O rapaz saiu e em questão de meia hora entregou à Roberta o comprovante de entrega do filme para processamento. Ficaria pronto ao final da tarde de quarta feira. Havia pedido que fosse terminado antes, mas não houvera jeito.
Um pouco contrariado José, pensou um pouco e concluiu que, se deixasse tudo pronto, faltando apenas anexar as imagens, poderia encaminhar o processo na quinta feirra. Com um pouco de sorte dentro de uma semana ou no máximo duas, a data da audiência estaria fixada. As intimações seriam expedidas e entregues, para que ninguém pudesse alegar ignorância do fato.
Em meio a uma série de processos, uns em fase de instrução, outros coletando documentos e informações, estava agora o processo de Onofre Pires contra Jerônimo de Alcântara. Os nomes das testemunhas do queixoso haviam sido arrolados e identificados, indo fazer parte do processo. Inicialmente teria algumas páginas com a descrição dos fatos relatados e constatados in loco pelo advogado, tendo como prova as fotografias tiradas.
Pontualmente na tarde de quarta feira os negativos e uma cópia de cada uma das fotografias chegaram às mãos de José Silvério. O processo estava pronto, faltando apenas anexar as imagens. Apressou-se em fazer sua parte e encaminhou à secretária para concluir a montagem do processo. Olhou rapidamente as demais fotografias e depois guardou tudo em sua pasta para ver mais detalhadamente à noite quando estivesse em casa.
Antes de fechar o gabinete, teve tempo de revisar o processo, aliás eram dois. No primeiro estaria em julgamento o ato de violação do limite das propriedades e no outro um pedido de indenização pelos danos causados nos cafeeiros pelos animais de Jerônimo. Onofre fazia questão absoluta de ser indenizado até o ultimo centavo. Onde já se viu perder algumas sacas de café por causa das vacas do vizinho. Era causo fora de questão. Mostraria ao turrão do vizinho o quanto doia desrespeitar a propriedade alheia.
No outro di aos processos, junto com vários outros, seguiu pelas mãos do contínuo, para o cartório do distribuidor público. Dali seriam encaminhados para as respectivas varas de justiça, muito embora não houvesse grande diversidade de juízes. Cada um deles acumulava mais de uma vara. O número de processos a serem julgados não era ainda tão elevado, permitindo aos três magistrados da comarca dar conta da tarefa.
Nos momentos de relativa folga, José Silvério aproveitava para investigar a questão das pinturas de Isabel. Contatou vários amigos, ligados ao setor artístico para obter informações sobre eventuais especialistas na área de pintura na cidade. Ficou sabendo que existiam alguns, mas entre eles havia dois apenas que tinham algum renome no ramo. Os outros eram mais agenciadores de exposições do que experts em pintura. Pediu a quem lhe deu essas informações o endereço, telefone e alguns detalhes pessoais para poder fazer um contato mais personalizado. Julgou que, se a conversa fosse mais informal, teria meior chance de conseguir que um deles ao menos, se dispusesse a fazer uma avaliação dos quadross de Isabel.
Se houvesse necessidade aproveitaria o final de semana para fazer uma visita pessoal aos dois. Isso permitiria formar uma opinião melhor sobre a capacidade de cada um. Na sexta feira conseguiu falar, primeiro com um deles e depois com o outro. Expôs a questão e encontrou receptividade de parte de pelo menos um deles, enquanto o outro ficou numa posição de neutralidade. Não se negou, mas não ficou entusiasmado. Sabendo que o interlocutor era membro do escritório de advocacia que os representava em algumas situações legais, predispuseram-se a recebê-lo em sua casa. Seria bom se tivesse uma ou duas amostras para levar. Dependendo da primeira impressão, fariam uma avaliação mais abrangente num momento posterior.
As visitas ficaram marcadas para sábado à tarde. José aproveitaria a manhã par air até a fazenda e traria dois ou três quadros que Isabel se dispusesse a ceder. Assim teria, já na segunda feirra, uma ideia da opinião que os dois especialistas faziam do trabalho. Ele mesmo os achava encantadores, mas havia que levar em conta o fato de seu envolvimento emocional na questão. Isso altera a percepção da realidade. Não estava predisposto a notar imperfeições, falhas na execução das técnicas de pintura e outros pequenos detalhes.
Ao chegar em casa na sexta à tarde, conversou com o pai sobre a possibilidade de usar o automóvel no sábado pela manhã. O pai quis saber qual era o objetivo e ele falou de que se tratava, recebendo de volta um olhar interrogador, como que a dizer:
– Você está ficando apaixonado pela filha de seu cliente. Tome cuidado.
Ficou com as chaves e documentos do automóvel desde aquele momento. Pretendia sair bem cedo e nesse momento o pai estaria provavelmente envolvido no processo de abrir o mercado. Qualquer coisa seria suficiente para atrasar e sabia da preocupação do seu genitor em ser pontual. Costumava abrir às 7 h 30 min, nem mais nem menos. A noite transcorreu sem novidades e sábado, logo aos primeiros raios de sol, o Ford Corcel GT, iniciava nova viagem até a fazenda de coronel Onofre. José ia alegre, cantarolando canções da bossa nova, Roberto Carlos, Ronie Von, Vanderleia e outros. Assim, quando menos esperava, chegou ao portal de acesso à fazenda. Percorreu a alameda ladeada de cafeeiros, onde agora estava ficando visível o avanço na maturação ocorrido ao longo da semana.
Cafezal florido. |
Ladeiras cobertas de cafeeiros. |
Cafezal sem fim, cobrindo morros e baixadas. |
Montanha ao fundo e plantio nas proximidades. |
Estacionou na mema posição em que deixare o veículo no domingo e desembarcou. Logo se fez ouvir a voz de Onofre, parado na varanda que dizia:
– Uai, doutor! Mas já de vorta?
– Bom dia, coronel. Vim lhe comunicar que os processos já foram para as mãos do juiz e vamos aguardar a marcação das datas, expedição das intimações e tal.
– E os retrato que tirou, ficaram bom?
– Ficaram perfeitos. Acho que não vai sobrar dúvida quando o juiz pegar nas mãos. Mas só podemos cantar vitória depois da sentença.
– Qui espero seja favorável!
– Vai ser favorável, sim coronel.
– Vem pra dentro. O café tá saindo agorinha mesmo do coador.
Entraram e logo saboreavam uma ótima xícara de café fumegante. Quando Isabel trouxe o bule e as xícaras, ele aproveitou para dizer:
– Em primeiro lugar, bom dia senhorita.
– Bom dia doutor! Como tem passado?
– Tudo ótimo e trago boas notícias para seus quadros.
– Sim!
– Vim ver se pode me emprestar dois ou três que estejam prontos para server de amostra para dois especialistas no assunto. São de Sete Lagoas mesmo.
– Vamos ter que escolher. Tem uma porção ali no depósito. O difícil é escolher os menos ruins.
– Não pense assim, senhorita. Pense em escolher os melhores. Pensamento positivo faz bem.
– Vou ver com a mãe. Ela vai me ajudar a separar uns.
– Não podem ser muito grandes para caber no carro.
– Grandes mesmo só pintei os dois que estão na sala da lareira. Os outros são todos pequenos ou médios.
– Se quiser, posso ajudar na separação. Apesar de não entender muito do assunto, posso ser uma opinião mais isenta.
– Eu vou lhe chamar, depois que limparmos um pouco o lugar. Com licença, vou falar já com a mãe.
José lançou um olhar para as paredes da sala de refeições onde se encontravam e percebeu novas nuances nos detalhes dos quadros ali expostos. Estava vendo de outro ângulo e isso lhe fez ver coisas que não percebera no domingo anterior. Estavam mais vigorosos os traços. As pinceladas pareciam mais perfeitas do que conseguia lembrar de ter visto antes. Até dava impressão de terem sido retocados desde a primeira vez que os vira.
– O doutô fico mermo impressionado com os qudro de mia fia. Eu também gosto, apenas não tinha pensado em ser isso um meio de ganhar algum dinheiro.
– Sou suspeito em falar, mas creio que cada um deles vale bom dinheiro, principalmente no momento em que a autora ficar conhecida no meio artístico.
– Mas isso não vai faze ela viajar mundo, atrás de exposição?
– E que tem isso, coronel? O mundo está cheio de gente que viaja levando seu trabalho para todos os lugares. É o mundo moderno. Estamos em l977 e o homem já foi até na luz.
– Voismecê me conte outra, que nessa eu não credito não! Isso é tudo inventação desses americano. Só pra faze inveja nos russo.
– Mas eles foram mesmo. Tem filme mostrando tudo. Trouxeram até umas pedras de lá.
– Pedras da lua! Mais essa agora. Já num tem pedra qui chegue aqui na terra, tem que buscar umas na lua.
– Não é por isso. É para estudo, análise de composição. Ver se lá tem os mesmos minerais que aqui na terra.
– I pudera ser deferente? Homessa! Materiar é tudo a mesma coisa, num importa de onde vier.
– Mas é possível existirem diferenças, detalhes não vistos aqui. É preciso investigar.
Nisso dona Maria Luiza chegou à porta e falou:
– Bons dias doutor. Que bons ventos o trazem aqui hoje?
– Bom dia dona Maria. Eu vim dizer ao coronel que os processos estão na mão do juiz. Também vim ver se Isabel quer me emprestar uns dois ou três quadros para levar aos especialistas. Eles queremo ver para fazer uma avaliação prévia.
– Ela está no depósito lhe esperando. Venha comigo, deixe o Onofre um pouco aí.
Seguiram por uma porta lateral, passando por uma área coberta e logo à frente encontraram uma porta, onde já havia uma porção de quadros encostados, enquanto Isabel trazia mais dois para colocar ali. José olhou para dentro e viu ali uma quantidade enorme de quadros. Deveriam ser fruto de anos de trabalho incessante. Ficou admirando um a um os que estavam ali a mostra e, para ser sincere, ficou com uma dúvida atroz sobre qual escolher para levar. Cada um trazia novos detalhes. Os motivos eram variados sendo que em todos estava presente o vigor do traço da mão de Isabel. Pareciam traduzir simultaneamente a leveza e a força existente naquelas mãos. Como era necessário escolher, sugeriu alguns, meio a esmo e pediu que Isabel fizesse a seleção final. Por ele levaria todos eles, mas não tinha espaço para tanto e combinara levar no máximo três.
Feita a separação, fizeram o envolvimento dos mesmos em mantas de lá para poupar de eventuais atritos e choques. Depois levaram até o carro, onde foram colocados no porta malas, tomando precaução para não ficarem encostados em nada que os pudesse danificar. O espaço que sobrou nos lados foi preenchido com acolchoados e assim evitariam o deslizamento uns sobre os outros. Depois de se certificar da imobilização total das obras, o porta malas foi fechado e José despediu-se de coronel Onofre, Isabel e dona Maria Luiza. Queriam que esperasse pelo almoço, mas não haveria tempo. A primeira visita estava marcada para as 14 horas e não queria se atrasar.
Sem mais demora pegou a estrada e seguiu para casa. Chegou pouco antes da hora do almoço. Deu tempo de mostrar aos pais os trabalhos de Isabel. Ficaram vivamente impressionados com a beleza e imaginaram como ficariam bem uns quadros daqueles na sala de estar, próximo à mesa de jantar e outras dependências. José recolocou tudo no devido lugar e deixou assim. Almoçaram e pouco depois ele se dirigiu ao encontro do primeiro endereço constante em sua agenda. Era relativamente perto e se deparou com uma casa ampla, mas despretensiosa à primeira vista. Só depois de ver os detalhes se percebia a harmonia do conjunto.
Foi recebido amavelmente por um homem de cabelos grisalhos, ostentando no rosto os sinais da idade. Deveria estar beirando os sessenta anos de idade, mas ainda dono de um admirável vigor físico. Caminhava com desenvoltura e convidou José a entrar. Após a troca de algumas amabilidades, foi o momento de apresentar o trabalho que vinha trazer. Foi até o automóvel e o dono da casa estava ao seu lado, curioso por ver o que dali sairia. Viu com satisfação o cuidado com que os quadros estavam acondicionados, demonstrando a preocupação com a manutenção da integridade física deles.
José retirou o primeiro quadro e o passou às mãos do dono da casa, que o levou para dentro, colocando-o em um cavalente existente num canto da sala. José chegou com o Segundo que foi colocado em outro cavalete, ao lado do primeiro. Depois foi buscar o último que foi colocado no canto oposto. Enquanto isso o dono da casa ficou observando detidamente o primeiro, depois o segundo e por ultimo do terceiro. Caminhou até ficar a dois passos de cada um e mirou demoradamente os traços firmes, o contraste das cores, a suavidade do conjunto. Fez o mesmo com os outros dois, depois sentou-se na poltrona, em frente de José. Perguntou há quanto tempo a autora pintava e a pergunta foi negativa pois José esquecera de perguntar. No entanto era possível depreender que isso era algo que Isabel fazia desde vários antos precedentes, pois no canto inferior direito, abaixo da assinatura constava a data de conclusão.
Um deles era de 1971, outro de 1975 e o outro de 1977. Portanto há pelo menos seis ou sete anos ela se dedicava a arte da pintura. Quis saber onde fizera seus estudos e as respostas foram vagas, pois não houvera tempo de entrar em muitos detalhes a respeito da vida de Isabel. O especialista foi bastante objetivo em fazer sua avaliação. Disse:
– É nítidamente perceptível a evolução da técnica da autora. Temos aí três trabalhos de um intervalo de vários anos e sem dúvida o último é bem mais perfeito que o primeiro. Isso ao contrário do que possa parecer em primeiro momento, é sinal de que ela está cada dia evoluindo, aperfeiçoando a técnica. O traço fica mais definido, a harmonia aumenta. Para encurtar a conversa, ela é uma artista de futuro sem sombra de dúvida.
– Fico satisfeito com isso. Quer dizer que valeria a pena tentar levar a coleção inteira ou parte dela para uma exposição em uma galeria, primeiramente aqui em Sete Lagoas e depois talvez na capital.
– Estou disposto a organizer essa exposição. Queria apenas ter acesso ao acervo complete para fazer uma seleção dos melhores trabalhos e mesmo fazer um escalonamento por época. Evidenciar a trajetória evolutiva do artista é importante num primeiro momento. Pelo que me disse, ela é totalmente desconhecida.
– Sim. Os únicos quadros expostos estão na casa da fazendo do pai, próximo a região dos lagos.
– Faz ideia de quantos trabalhos ela tem ao todo?
– Não tive tempo de contar, mas pelo que observei no espaço em que estão guardados, devem ser perto de cem, se não mais.
– Ufa! Isso é coisa. Como ela nunca tentou uma exposição?
– Sabe como é. O pai é fazendeiro, daqueles severos ao máximo. Ela é um pouco tímida. Tinha vontade de ser arquiteta, mas o pai só deixou ela cursar magistério. Ela aproveitou e fez o curso de pintura. É onde ela busca compensação da frustração de não poder fazer o que realmente queria.
– Perdemos uma arquiteta, mas ganhamos uma ótima pintora. Quem pode saber o que é melhor!
– Vamos combiner o seguinte. Eu falo com ela e inform sobre sua impressão. Talvez o senhor gostaria de escrever algumas linhas dizendo a ela de sua intenção?
– Só um instante. Já faço isso e o senhor leva a ela minha proposta.
– Enquanto isso eu torno a acondicionar os quadros no carro.
– É uma pena, mas eu até gostaria de ficar com um deles pelo menos.
– Eu agendei com outro especialista e tenho que levar a ele. Não sabia qual seria sua avaliação e por isso não posso deixare de levar. Mas depois eu converso com ela e podemos chegar a um acordo.
José acomodou os quadros novamente, tomando cuidado para não esquecer de nenhum canto descoberto ou desprotegido. Nisso o homem lhe estendeu um envelope onde estava a folha de papel timbrado transmitindo à Isabel o desejo de organizar uma exposição com seus trabalhos. Agradeceu a atenção e se despediu. Havia cerca de uma hora até o momento marcado para a segunda visita. Essa transcorreu de modo semelhante à primeira, com a diferença de que o novo especialista era sensivelmente mais jovem. Tinha preferência por trabalhos em linha mais modernista, menos conservadora. Gostou dos trabalhos, apenas deixou clara sua predileção por pinturas mais abstratas, naturezas mortas e coisas assim. José agradeceu a atenção e, levando sua preciosa carga, voltou para a casa dos pais.
O envelope que levava não estava fechado e ele olhou o que o homem escrevera. Em letra bem traçada dizia primeiramente sentir-se encantado em servir de intermediário para encaminhar tão promissora artista ao mundo da pintura. Depois detalhava os passos que deveriam ser seguidos para a realização de tale vento. José mostrou aos pais e à irmã a carta, depois a guardou cuidadosamente. Tinha motivo para nova viagem até a fazenda e faria isso no dia seguinte. Tinha receio de deixar os quadros no carro ou guardados em algum lugar. Eles poderiam sofrer algum dano e não se perdoaria por isso.
Por isso, na manhã seguinte refez o caminho e, quase à mesma hora de sábado, chegou à fazenda. Sua volta em tão curto espaço de tempo, causou estranheza, mas ele logo avisou;
– Venho trazer boas notícias para Isabel.
– Bom dia, doutor, – disse Maria Luiza.
– Bom dia, senhora.
– Isabel! Isabel! – chamou virada para o interior da casa.
– O que é mãe? – indagou essa chegando à porta.
– Escuita o que o doutor tem para dizer pra você.
José pegou o envelope e o estendeu à jovem. As mãos trêmulas pegaram no objeto com respeito, abriram e retiraram uma fina folha de papel, onde leu palavras de elogio e proposta de realizer uma exposição. Estava assinado com um belo Antônio B. Lemos.
O primeiro impulse foi gritar, mas se conteve e estendeu a folha para a mãe. Esta demorou um pouco a ler, pois era pouco menos que analfabeta e havia muitos anos não lia nada, além de uma ou outra bula de remédio, isso quando a lia. Depois de decifrar a mensagem, olhou firme para a filha e falou:
– Eu não falei! Um homem entendido ia dar valor ao seu trabalho.
Nisso Onofre veio saindo do interior e falou:
– Uai! O doutor tá querendo afundá o trilho da estrada aqui di casa!
– Quero não, coronel. Vim devolver os quadros de Isabel e trazer a boa notícia para ela.
– Boa notícia? Qui é qui o senho tá dizendo?
– Um dos especialistas ficou encantado com os quadros de Isabel. Quer conhecer todos eles, classificar em ordem de data, depois fazer uma exposição. Primeiro em Sete Lagoas e dependendo do resultado, levar para Belo Horizonte.
– Oi! Nossa fia ficano famosa, muié! Entonce quer dizer que us quadro qui ela pinta tem valor! Mia Nossa Sinhora!
– Fique contente, coronel. Estamos diante de uma grande artista.
– Mais hoji sinhor vai almuçá cu a gente! Ah si vai!
– Pensando bem, não tenho pressa em voltar para casa. Não vai ter problema nenhum em voltar mais tarde.
– Vamu prosear aqui na varanda enquanto as miué prepara a boia.
– Vou primeiro descarregar os quadros. Eu trouxe para evitar acontecer algum dano a qualquer um. Ah! Ia esquecendo Isabel. O seu Antônio Lemos queria ficar com um dos seus quadros. Não deixei pois tinha que levar para o outro. E depois isso vocês acertam depois quando forem preparer a exposição.
– Minha nossa! Imagine um quadro meu, na sala de um especialista em arte!