A GALINHA DOS OVOS DE OURO
Um certo casal foi a uma granja e comprou uma galinha. Aparentemente era uma galinha como outra qualquer. Tinha bico, penas, pés e um jeito de bobalhona.
Na manhã seguinte, quando a mulher foi ao galinheiro para recolher os ovos, levou um susto enorme. Em frente aos seus olhos, no meio do ninho, havia um ovo muito diferente, era um ovo de ouro!
A mulher pegou o ovo com a mão direita, cheirou-o, lambeu-o, examinou-o detalhadamente e não teve mais duvida, era mesmo um ovo de ouro verdadeiro.
Saiu correndo e foi acordar o marido para contar-lhe a novidade.
– Querido, acorde. Olhe o que eu encontrei no ninho da galinha que compramos ontem.
O marido acordou, olhou o ovo dourado, pegou, mediu, lambeu, pesou e, finalmente, soltou um grito:
– Mulher, isso é ouro puro! Estamos ricos!
Diante do fato, a mulher foi logo dizendo:
– Se estamos ricos com um único ovo, imagine como ficaremos com o resto de ovos que essa galinha traz na barriga. Vamos logo abrir seu corpo para pegarmos logo essa fortuna.
O marido, cego de ambição, não perdeu tempo. Correu até a cozinha, pegou uma faca e decepou a cabeça da galinha.
Ao abrir o corpo, qual não foi sua decepção, dentro dela só havia o que há dentro de todas as galinhas: tripas, coração, moela, rins e sangue.
O ovo de ouro foi logo gasto e os dois continuaram pobres e passaram o resto da vida se acusando:
– Continuamos pobres por sua culpa.
– Não, a culpa é sua que não teve paciência.
– Minha não, foi sua.
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Moral da história: O excesso de ambição, leva à precipitação e, quem tudo quer tudo perde.
Nicéas Romeo Zanchett
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Tomei a liberdade de compartilhar essa fábula, por vir de encontro a uma questão que desejo abordar. Ela remonta ao fabulista grego Esopo e, ao longo do tempo, passou por várias adaptações, porém o seu conteúdo moral e ético continua sendo o mesmo.
Para ilustrar meus pensamentos, vou fazer uma adaptação dessa fábula, numa versão moderna, situando-a nos dias de hoje.
Era uma vez um jovem de nome João. Seus pais eram pobres e lutavam com dificuldades para alimentar os filhos, cultivando um naco de terra que haviam herdade da família. Outros parentes haviam partido para outros lugares em busca de melhores condições de sobrevivência. Um belo dia João decidiu partir também. Despediu-se dos pais e irmãos, indo para São Paulo, onde, depois de vários dias dormindo sob marquises, em vãos de portas de entrada de edifícios, pedindo esmolas na rua, encontrou uma alma generosa que o acolheu. Como ainda era bem jovem, a bondosa senhora, Maria das Graças, logo se afeiçoou a ele e passou a tratá-lo como seu fosse seu filho, coisa que ela não tivera a graça de ter por suas forças.
Percebendo que o menino era analfabeto, providenciou para que fosse matriculado em um curso de alfabetização, onde sua natural vivacidade e desenvoltura adquiridos na vida rude na roça, logo o destacaram como excelente aprendiz. Em pouco tempo havia dominado a arte da escrita e leitura. Aprendeu os números e logo sabia operar com eles habilmente. A professora recomendou que ele fizesse um exame de suficiência e ingressasse em uma escola de ensino fundamental, o que foi providenciado no momento oportuno.
Os anos passaram e João, ávido leitor, devorava com os olhos todos os livros que encontrava pela frente, desde romances, contos e poesias, até os compêndios de ciências, no começo pouco confusos para sua cabeça ainda despreparada. Mas a curiosidade fora despertada. Demonstrou que queria mais. Queria desvendar os mistérios ocultos naqueles livrões enormes que via nas prateleiras da biblioteca. Foi assim que, terminado o ensino fundamental, ingressou no ensino médio e logo estava às portas da Universidade. Ficou em dúvida. As possibilidades eram tantas, mas terminou optando por engenharia industrial. Submeteu-se aos exames vestibulares e foi aprovado com ótima colocação.
Ao final de alguns anos, tendo aprendido todos os segredos das máquinas, os cálculos necessários, os desenhos das peças, recebeu finalmente seu diploma de engenheiro industrial mecânico. Havia feito diversos estágios, sempre seguidos de elogios efusivos de seus chefes nesses eventos. Os professores viam nele um expoente significativo para contribuir no desenvolvimento industrial do pais. O que ninguém sabia, era que João, secretamente vinha trabalhando há tempo, no desenvolvimento de uma máquina revolucionária. Tinha a característica de ser robusta, o que a tornaria durável, podendo servir ao comprador por longos anos. Por outro lado era versátil e capaz de ser adaptada para várias utilizações, servindo dessa forma para substituir várias máquinas, reduzindo o investimento de seus proprietários. Era uma máquina agro-pastoril. Ela preparava o solo, plantava, colhia e ainda era capaz de proceder ao processamento básico de vários produtos.
Com o projeto pronto e detalhado, conseguir registrar seu invento no INPI e partiu em busca de financiamento para produzir sua máquina. Nesse momento descobriu que havia um tal BNDES, banco oficial de financiamento do desenvolvimento, no território nacional e das empresas do país que executavam obras no exterior. Precisou ser bastante convincente, apresentar referências de seus professores e também dos supervisores de seus estágios, para finalmente conseguir o capital que lhe permitiria começar uma pequena indústria. Quando ela ficou pronta, contratou torneiros, soldadores, pintores, ajustadores, eletricistas e demais profissionais necessários para a produção de seu invento. Com todos reunidos, apresentou seu projeto e lhes fez ver que seriam parte de um trabalho inédito. Se fossem dedicados e trabalhassem com afinco, iriam ter, no futuro participação nos lucros que certamente viriam.
Na primeira oportunidade duas unidades foram levadas a uma exposição, das várias que são realizadas anualmente por todo país. Foram realizadas demonstrações e o resultado foi tão impressionante que, em poucas horas, haviam recebido tantas encomendas que demorariam mais de um ano para entregar. Estabeleceram uma agenda de entregas, receberam pagamentos de entrada como sinal de negócio e voltaram para a indústria. Aos poucos, as máquinas foram ficando prontas e uma a uma iam sendo entregues, na ordem exata em que os pedidos haviam sido recebidos. Os felizes proprietários, em pouco tempo, alardearam pelos quatro cantos as qualidades incomparáveis da máquina, despertando nos outros o desejo de também possuir uma delas.
Os fabricantes das máquinas que eram substituídas pela nova invenção, viram-se em dificuldades e tentaram encontrar formas de desfazer a concorrência. Mas a máquina de João, parecia mesmo ser resistente até a sabotagens. Dessa forma em pouco tempo, o menino pobre que saíra do interior, onde levava vida miserável, transformou-se em industrial próspero. Cumpriu à risca a promessa feita aos colaboradores, dando-lhes uma generosa participação nos lucros, além de seguir à risca todos os preceitos trabalhistas, de modo a proporcionar a todos uma vida digna e próspera. Houve quem quisesse que ele aumentasse a indústria, pegando dinheiro emprestado em um volume elevado, de modo a inundar e dominar todo o mercado. Mas ele não aceitou. Sua resposta era:
– Daqui para frente vou caminhar com as próprias pernas. Deixe o sol brilhar também para os outros. Eles estiveram no mercado antes de mim.
Alguns anos passaram e a indústria cresceu naturalmente com sua própria produção. Foi necessário contratar gerentes, administradores e outros profissionais específicos, não ligados diretamente à área de fabricação. Entre eles havia um grupo que chegou com ideias que diziam ser revolucionárias. Um deles, liderando os demais insistia com João:
- Seu João, os salários e benefícios dos operários são muito altos. Podemos demitir estes que estão trabalhando, contratando outros por menos da metade e reduzir os outros benefícios. Esse dinheiro pode ser economizado e aplicado em outras áreas.
- Eu comecei com um grupo pequeno, que foi crescendo com treinamento dado pelos mais antigos e a todos prometi dar uma vida digna. Não vou mudar isso.
- Mas seu João, eles estão ganhando muito mais do que o mercado em geral paga para o mesmo tipo de trabalho. Isso é exagero. Imagine quanto poderemos economizar, investir em outras máquinas, construir indústrias em outros estados, outros países. Podemos nos tornar uma multinacional. Afinal já temos pedidos sendo enviados para várias partes do mundo.
- Eu já falei e não vou repetir. Nessa história de salários e benefícios, fica como está.
Mas os novos gestores não desistiram. Manipularam, mentiram, maquiaram demonstrativos, caluniaram operários, fizeram intrigas de toda sorte, até que um dia João sentiu-se cansado. Já estava passando dos 40 anos e praticamente nunca tirara um mês de férias. Tanto insistiram com ele para que delegasse as decisões mais gerais aos seus subalternos, ficando somente no comando do que era realmente importante. E João concordou. Indicou um gerente geral, um gerente de fábrica, um administrador financeiro, o encarregado dos recursos humanos e outras funções. Ele iria aproveitar um pouco da vida. Era ainda solteiro e procurou por uma moça com quem pudesse se casar. Tendo-a encontrado, namorou, preparou tudo e casou-se.
Saiu em viagem de lua de mel e passou longo temo viajando. Ao retornar, encontrou uma situação bem diversa do que deixara ao sair. Sua indústria, onde foi para verificar o andamento de tudo, estava semi-paralisada. Os pedidos haviam sido cancelados em grande quantidade, as reclamações e gastos com assistência técnica estavam consumindo as reservas financeiras rapidamente. Uma pequena multidão de empregados fora despedida e acampara na porta de acesso, reivindicando o pagamento dos direitos trabalhistas. Na justiça se amontoavam pilhas de processos pedindo indenizações por danos materiais e morais causados por acidentes ocorridos com as máquinas defeituosas colocadas à venda enquanto ele se afastara do comando direto de tudo. Enfim, para piorar tudo, os velhos empregados que haviam iniciado com ele, ao serem demitidos, buscaram outras indústrias para se empregar.
O longo período de trabalho com a máquina de João, lhes revelara todos os segredos e possíveis aperfeiçoamentos. Dessa forma, em alguns meses surgiram máquinas bastante semelhantes e muito mais avançadas do que a original. Assim os antigos concorrentes se vingavam, colocando no mercado algo aperfeiçoado, com as informações que os operários demitidos haviam levado consigo.
A tentativa de processar por plágio não foi possível, pois haviam sido feito inovações que acrescentavam novas funcionalidades e funcionamento mais refinado. João constatou que sua “galinha dos ovos de ouro”, havia sido substituída por uma que agora botava ovos de barro. Estes se desmanchavam com a primeira chuva. O que o deixou ainda mais triste, foi saber que ao permitir que seu administrador transformasse a empresa em Sociedade Anônima de capital aberto, colocara as ações na bolsa de valores e agora estas estavam em grande quantidade nas mãos de seu maior competidor. Até mesmo uma emissão de novas ações para aumento de capital, havia sido maciçamente adquirida pelo mesmo grupo, ficando ele João, como acionista minoritário, o que lhe tomava até o direito de tomar decisões, visando recuperar o que fora seu. Permitira que matassem sua galinha dos ovos de ouro.
Triste com a situação, aceitou uma oferta do agora acionista majoritário e vendeu o resto da fábrica. Voltou para o interior, onde seus irmãos ainda viviam, e adquiriu um pedaço de terra com o que restava de seu pequeno império desmoronado. Ali se instalou e voltou a trabalhar na terra, lembrando diariamente dos erros que cometera. Deixara-se seduzir pela sereia de ideias tidas como modernas, pisara sobre seus colaboradores, deixando que fossem demitidos, oprimidos e lançados no desemprego. Estava pagando um preço alto pelos seus erros. Para completar a sua desventura, a moça com quem se casara, não aceitou a vida na roça e pediu o divórcio, levando-lhe assim mais uma boa parcela do que salvara de sua outrora fortuna.
Essa é uma tentativa de imitar a fábula de Esopo, da galinha dos ovos de ouro. A sedução da ganância por mais e mais capital, domínio de mercado e opressão dos mais fracos, levou o antes próspero engenheiro, industrial de sucesso ao fracasso estrondoso. Ele se esforça até hoje por esquecer desses tempos, enquanto caleja as mãos, cansa os músculos e ossos na lida na terra, de onde tira o sustento para o corpo, com muito suor.
Curitiba, 28 de maio de 2016.
Décio Adams
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