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Fantástico mundo novo! – Capítulo X – Mais novidades surgem.

  • Mais novidades surgem.

 

Enquanto o grupo de nove integrantes passava uma parte de suas horas noturnas, até mesmo algo de seu dia, analisando, sugerindo e encontrando um caminho viável para a estruturação administrativa da aldeia, os demais moradores continuavam sua vida como se nada acontecesse. Uma ou outra vez surgia algum comentário esparso, mas a maior parte do tempo estavam alheios  ao assunto. Quem estava sempre se inteirando, quando tinha oportunidade de conversar com o Mestre, era Minck. O mesmo fazia seu pai Sock, durante os contatos que mantinha com o chefe do porto e líder comunitário Agik. Devido ao acúmulo de tarefas, este lhe delegara algumas funções que, de comum lhe cabiam desempenhar. Não era exatamente um menino e as horas gastas no horário noturno, unidas ao dia repleto de compromissos, deixava-o  exausto.

De bom grado Sock o aliviava de tudo que podia assumir, sem prejuizo do andamento geral das atividades. Os filhos mais velhos estavam em condições de desempenhar sua parte no comando dos trabalhadores, se isso fosse necessário. Não faltava quem julgasse isso inadequado, surgindo uma e outra conversa pelos cantos. Eram sempre os elementos que queriam ocupar seu lugar ou o dos filhos. Mas eram poucos. Tão pequeno era seu número, que logo silenciavam, uma vez que percebiam serem voto vencido, em caso de uma decisão por votação. O porto nunca tivera tamanha eficiência no trabalho de carga e descarga, quanto agora, sob o comando de Sock e seus filhos. O movimento crescera, ao ponto de haver sempre um barco esperando a vez de atracar para deixar e receber carga.

Em outros tempos, chegaram a passar até um dia inteiro ou mais, sem ter absolutamente nada a fazer. Dessa forma, o ganho diário estava sempre garantido. Ninguém quereria voltar ao status antigo. As eventuais ausências ou atrasos de Agik eram preenchidos por Sock, não permitindo que ocorresse algum atraso devido a isso. As semanas passaram, as lições de escrita e leitura avançavam em ritmo acelerado. Iagushi obtinha resultados excelentes com seus pupilos que eram treinados. Terminara sem problemas a fase de fortalecimento muscular e aumento da agilidade, sem o que era impossível desenvolver as atividades de luta propriamente ditas.

Arki prometera voltar em quatro semanas e Minck contou cuidadosamente a passagem dos dias. Estava acumulando uma série de questionamentos e dúvidas. Ansiava pelas palavras, sempre esclarecedoras do anjo. Como já se tornara habitual em sua vida, naquele dia, véspera do dia de descanso, saiu de casa, sem chamar atenção. Enquanto caminhava na direção do penhasco, percebeu que estava sendo seguido. Parou por um instante e  refletiu. Quem seria? Era arriscado ir ao encontro do seguidor furtivo e indagar. Alguém estava atento a ele e suas andanças noturnas. Em outro dia, caminhando para a casa dos dois mestres, também percebera ser seguido, mas continuara seu caminho, sem prestar atenção. Ao retornar, algum tempo depois, não percebeu mais nada.

Nessa noite, todavia, a sombra o seguia mais de perto. Decidiu continuar caminhando, contornando o penhasco. No lado escuro havia uma espécie de fenda, bastante profunda. Conhecia-a bastante bem. Era suficientemente profunda e permitia que se escondesse ali. Sem demora esgueirou-se para dentro, cuidando para não fazer o menor ruido. Manteve a respiração contida para não ser percebido. Alguns instantes depois, viu passar pela entrada da fenda, seu irmão Ballak. Recortado contra a claridade do céu, conseguiu identificar sua silhueta. O irmão parecia conhecer pouco o lugar, pois seguiu caminhando e não voltou. Algum tempo depois, retornou pela praia e seguiu caminho rumando para casa. O que levara Ballak a seguí-lo? A mãe desconfiara e dera ordem ao irmão? O próprio suspeitara de algo e resolvera colocar em pratos limpos a situação?

Pensativo, retornou até o ponto onde era possível escalar o penhasco. Estava apreensivo, pois o imprevisto lhe roubara preciosos minutos. Arki poderia ter vindo e ido embora, ou nem viera, ao não localizá-lo no lugar de sempre. Assim, ao chegar no alto, antes mesmo de chegar ao ponto costumeiro, viu a estrela no céu azul sem núvens, piscar, dançar e logo o raio de luz atravessar o espaço. Em instantes, sentiu a presença do amigo e ouviu sua voz:

– Salve meu amigo! Como tem passado? Você demorou um pouco e pensei que havia acontecido algo de grave, impedindo sua vinda.

– Salve, amigo Arki. Eu me atrasei pois tive que despistar meu irmão que me seguiu. Não sei se por iniciativa própria ou se minha mãe ordenou, talvez o pai.

– Creio que foi por iniciativa própria. Apesar de ser o mais novo dos teus outros irmãos, éle é dotado de argúcia fora do comum. Está em harmonia forte com a fagulha e deve ser por isso que ficou alerta às tuas vindas para cá.

– Ele deve ter me seguido em outras ocasiões, quando ia para outros lugares. Nunca me preocupei, mas hoje eu não queria ele aqui. Tenho algumas coisas a esclarecer.

– Faz  quatro semanas que não conversamos. Tempo bastante para viver uma porção de coisas, fazer surgir dúvidas. Vamos começar por esclarecer suas dúvidas e depois, se sobrar tempo, vamos conversar sobre algumas coisas lá do alto.

– Tenho ainda muito que aprender, não é verdade?

– Verdade sim, mas não requer pressa. Temos muito tempo pela frente. Depois, você aprende muito depressa.

– Vou começar por perguntar sobre isso que aconteceu hoje. Se meu irmão está suspeitando de algo, uma hora ele vai perguntar. O que eu digo a ele? Devo dizer a verdade toda e ver o que acontece?

– Ele certamente iria duvidar de tudo e chamar você de louco ou alguma coisa parecida. Vamos com calma, amigo. Tudo no seu devido tempo.

– Mas se ele me perguntar e insistir? Não sei se vou saber me esquivar, sem deixar dúvidas na cabeça dele.

– Se ele ficar com dúvidas, é até bom, pois vai atiçar a sua curiosidade. Assim, quando lhe contar a verdade, começará a desdenhar de suas palavras, depois irá pensar e meditar sobre elas. Por fim, seu coração estará pronto a receber o resto da informação. Talvez seja por ele que devamos começar. Eu havia pensado em revelar primeiro à sua mãe, que sempre espera por você quando volta,  sem fazer perguntas demais. Aceita qualquer coisa que você diga sem desconfiar de nada.

– Mas minha mãe, pode estar fazendo que acredita e mesmo assim, estar de orelhas em pé, atenta ao menor detalhe.

– Isso o tempo vai dizer, amigo. O que mais você quer saber?

– A questão das leis que estamso discutindo. São leis que outras cidades e países usam. Será que irão se adaptar aqui, à nossa aldeia? Certo que se está colocando tudo em palavras simples, de maneira que fique fácil até para um bebê entender.

– Minck! Esse aprendizado será fundamental para o grupo que será levadod para o planeta, começar por lá a reconstrução, repovoamento. No Universo, nenhuma informação é perdida. Cada novo projeto, traz o acúmulo de longa experiência que vem sendo adquirida ao longo de muitos milênios de milênios. Começar tudo da estaca zero, é bem mais difícil. Ter alguma coisa para servir de ponto de partida, é bem melhor.

– Eu estava preocupado com a aceitação pelo povo. Afinal, quem está  cuidando da elaboração são quatro pessoas vindas de fora há pouco tempo e mais cinco membros da comunidade. Pensei que poderia haver quem se sentisse deixado de lado, dando preferência a quem é novo aqui. Isso pode acontecer, não pode?

– Acontecer pode, mas há como contornar a situação. Você me contou que tinham enviado emissários em busca dessas leis e que haviam chegado. Não foi feita uma reunião para disturir e adaptar as leis?

– Fizemos a reunião, mas aconteceu tanta confusão, tanta discussão por causa de bobagens, que o chefe Agik, líder do legislativo, pediu ajuda ao Mestre Zósteles. Ele sugeriu a forma que está sendo usada agora. Na hora a maioria concordou, mas eles podem mudar de ideia e levar outros a fazer o mesmo.

– Se fizeram a reunião e estavam acontecendo confusões, certamente o líder Agik tomou a posição acertada. Espero que, antes de aprovar e implantar as leis, elas sejam submetidas ao voto e aceitação do povo.

– Sem dúvida, amigo. Isso já está previsto. O próprio Mestre, bem como os outros não aceitariam uma lei imposta pelo grupo deles. Precisará ser  aprovada pela assembléia geral.

– Uma vez aprovada, terá que ser posta em prática. Só o tempo irá mostrar onde estão e quais são os defeitos. Quando isso ocorrer, será a hora de fazer as devidas correções. No Universo só existe um ser perfeito e tudo que ele faz é perfeito. Os outros, sempre cometem algum erro, se enganam  em um ou outro ponto.

– Agora não entendi. Se ele faz tudo perfeito, como é que criou os homens tão imperfeitos?

– Eu esperava essa sua pergunta. Ele não fez os homens imperfeitos. Ele os dotou de livre arbítrio. Ele quer que  seus filhos voltem para ele, depois da  experiência na vida mortal, seguida de sete etapas de vida espiritual e por fim um estágio de aperfeiçoamento no Paraíso. Isso permitirá a ele ter ao seu redor um grande número de seres, criados na carne, sujeitos à vida mortal, mas evoluiram por sua vontade e chegaram a ele. Se houvesse outra forma de fazer isso, certamente ele o teria feito.

– Se eu entendi direito, o que há de imperfeioto é o nosso lado material, nosso apego a coisas materiais. É isso?

– Praticamente certo. Falta pouca coisa, mas isso você poderá entender somente daqui a muito tempo. Pode acreditar que essa resposta é, no momento, correta.

– Teremos pela frente uma tarefa bem difícil, lá no planeta que foi destruido e iremos repovoar. Seria bom se pudéssemos levar mais alguns sábios, de diferentes especialidades para ajudar, pelo menos no começo.

– Espere e verá. Não demora e eles começarão a aparecer. A pressa não ajuda. Não esqueça, amigo.

– Preciso aprender, de uma vez por todas, que preciso controlar minha ansiedade. Há momentos em que tenho vontade de sair contando a todos tudo que aprendi. Quando vejo, estou quase fazendo bobagem e chego a me arrepiar. Isso seria imperdoável.

– Talvez me obrigasse a começar tudo outra vez, depois de fazer você esquecer de tudo que ouviu e viveu.

– Pode deixar. Eu mantenho minha boca fechada. Pode me dar uma dica de quais serão os novos sábios que começarão a aparecer?

– Se eu dissesse, você ficaria apreensivo e poderia se trair. Pode deixar que irá reconhecer cada um na hora em que lhe botar os olhos encima. Logo irá identificar a presença de uma “fagulha” forte em suas mentes.

– Já identifiquei uma poerção de gente com a fagulha bem ajustada. Outros parecem estar um pouco lentos, meio desorientados.

– Tudo depende das experiências que cada um viveu. Há quem se ajuste somente pouco antes de alcançar o fim da vida mortal. Escapam por pouco. Sem a integração com o ajustador, ou seja, a fagulha, a vida acaba com a morte física. Não haverá nada depois.

– E tem como nós sabermos se uma pessoa que morreu, vai sobreviver ou se vai ser extinta?

– Não há como vocês humanos saber disso, antes de também passar pela morte e sobreviver. Nem seria conveniente, pois iriam ficar tristes, acabrunhados em saber esse detalhe. Saber que alguém, que você gostava, mas que não se ajustou com a fagulha e foi extinto, não sobreviveu, iriam trazer amargura à sua vida.

– Isso eu tenho que concordar. Eu ficaria muito acabrunhado se ficasse sabendo, por exemplo, que meu pai ou mãe morreram e foram extintos. O mesmo aconteceria com as outras pessoas. Assim, sempre temos a esperança de encontrar seus espíritos na vida futura.

– Podem nunca mais se encontrar, pois estarão sempre em etapas difeferentes da vida evolutiva.

– Eu ouvi um dia desses alguém falar que Deus costuma usar com frequência o número sete. Outros afirmam que sete é o número mágico, que pode significar o infinito, qualquer quantidade relativa a questões de Deus. O que existe de verdade nessa história do número sete?

– Vou tentar explicar para que consiga entender, pelo menos a parte mais importante. Deve ter ouvido seu Mestre Zósteles falar sobre os deuses gregos, que viveriam numa montanha, chamada Olimpo; dos deuses egípcios, onde até o próprio rei é  considerado um deus, com poderes sobrenaturais.

– Ouvi sim. O que isso tem a ver com o número sete?

– Deus, o Pai Universal, conhecido entre nós como Primeira Fonte e Centro, no começo da eternidade, gerou o Filho Eterno,, ou Segunda fonte e Centro, além disso surgiu também o Espírito Santo, ou Terceira Fonte e Centro. Como pode perceber, são três pessoas, em um só Deus. Em algumas situações atuam conjuntamente o Pai e o Filho; em outras atuam o Pai e o Espírito, ou então o Filho e o Espírito. Veja que são mais três personalidades divinas. Quando atuam em conjunto o Pai, o Filho e o Espírito, teremos a sétima personalidade. Essa é a razão de muitas coisas no Universo e suas divisões, ter como base o número sete. Na verdade o Deus de todos, tem personalização sétupla. Se você olhar bem, pode notar que os gregos e egípcios não estão de todo errados. Eles erram ao admitir que os deuses entram em conflito entre si, chegando a travar batalhas. O verdadeiro Deus, não apresenta, nas suas personalizações, conflitos. Tudo ocorre na mais perfeita e absoluta harmonia. Deus é a misericórdia, o amor e bondade infinitas.

– Ficou meio difícil, mas não era de esperar nada diferente. Grande parte das pessoas não sabem nem isso. Aos poucos eu compreenderei. São muitas informações juntas, vindas de uma só vez.

– Para completar, vou acrescentar ainda o seguinte. Em um dia, muito distante no momento, vai nascer nessa Terra um menino. Ele será a encarnação para uma vida mortal do Filho Criador de nosso mundo. Está previsto que ele nascerá em um povo, nas proximidades da Grécia, Egito. Irá viver até trinta e poucos anos, quando será condenado injustamente à morte.

– O filho de Deus, condenado à morte?

– Sim. Ao se encarnar em vida mortal, assume todas as condições e riscos de um mortal comum. A diferença é que, depois de três dias, ele ressuscitará, para subir ao céu, onde se tornará o Soberano Absoluto de nosso Universo.

– Uma coisa bem difícil de aceitar, não acha? Como Deus, ele não poderia se livrar da sentença?

– É que ao encarnar em vida mortal, ele deixa seus poderes nas mãos do Pai. Não faz uso deles, principalmente em seu próprio benefício.

– Ele pode fazer prodígios em favor dos outros, menos para si?

– Exatamente isso. Na realidade é seu coração misericordioso que se compadece do sofrimento dos humanos. Nesse momento, o Pai Supremo e seus auxiliares, realizam o prodígio. Como ele não pode se compadecer de si mesmo, não acontece o milagre no momento de sua morte.

– Isso eu considero ser altruísta de verdade. Acho que é essa a palavra certa. Aprendi outro dia com Mestre Zósteles.

– Sem dúvida. Uma pessoa altruísta se sacrifica em favor dos outros. Ele fará, aparentemente, milagres pelos que sofrem, e não faz nada por si mesmo. Mas o Pai o recompensa com a ressurreição gloriosa. Irá receber o prêmio por seu altruísmo.

– É muito bom ser convidado a fazer parte dos planos de um Deus tão bondoso. Obrigado por ser meu amigo, Arki.

– Você está fazendo por merecer, meu caro Minck. Espero que nos possamos encontrar um dia no Paraíso, depois de nossas longas evoluções pelos muitos mundos do universo.

– Vou me esforçar ao máximo para ser digno de tamanha honra.

– Não sei dizer quais são os planos para o planeta em que vocês irão fazer o repovoamento. Parece que lá já houve a encarnação de um filho de Deus, mas poderá haver outra. Porém, desconheço quais são os planos do Filho Criador e seu adjunto Espírito Materno.

– Com certeza não irá acontecer durante a vida do grupo levado daqui. Transcorrerão muitas gerações até isso ocorrer.

– Certamente. Não adiantaria saber, pois não teriam oportunidade de viver essa experiência.

– Estou cansado. Creio que vou dormir, pois amanhã temos programado um passeio. Vamos visitar amigos que vivem um pouco distante da aldeia. Vamos todos juntos.

– Voltarei daqui a mais quatro semanas. Será que até lá as novas leis estarão concluídas?

– Pelo visto sim. Talvez estejam prontas para aprovação pelo povo.

– Vejo você na véspera, se a eleição for mesmo no dia de descanso.

– Até lá, amigo.

Arki deu um passo para trás e sumiu como um raio. Um risco azul percorreu o céu e desapareceu na estrelinha, nossa conhecida. Minck desceu calmamente do penhasco e seguiu para casa. Entrou e viu a mãe adormecida sobre a cadeira onde sentara para esperar. Deu-lhe um beijo carinhoso e lhe disse que deveria ir dormir. Ela, olhou-o um pouco assustada e, levantando, foi dormir, no que foi imitada pelo filho.

Na manhã seguinte todos levantaram cedo e se prepararam. Mal o sol surgira no horizonte, a família inteira pôs-se a caminho e foi parar em uma propriedade rural a pouco mais de dois quilômetros. Ali vivia um amigo de longa data. Fazia tempo que ele insistia para que o fossem visitar. Ficou muito  feliz em receber os amigos. Mandou preparar um belo almoço para os visitantes. Em questão de minutos um cabrito foi sacrificado, sua carne foi temperada e posta para assar. A esposa e duas filhas se apressaram em assar pães e bolos para acompanhar, além de saladas. Frutas frescas foram trazidas do pomar e colocadas à disposição dos amigos.

Passaram um dia maravilhoso. Contaram as novidades que estavam em curso na aldeia. O amigo sabia de tudo, porém desconhecia muitos detalhes. Como os visitantes estavam envolvidos a fundo em tudo, era com gosto que os ouvia narrar o que sabiam. Prometeu ficar atento à convocação para votar na hora da aprovação do estatuto e as leis complementares. Sabia que, o crescimento da aldeia em importância, traria benefícios econômicos também a ele, pois sua propriedade ficava próxima da estrada por onde vinham os mercadores. Havia observado um  significativo aumento do número de caravanas que passavam. Depois retornavam com os veículos e animais de carga repletos de mercadorias para vender nas localidades de origem.

Ao final da tarde, a tempo de percorrer a distância até sua casa, antes de escurecer, despediram-se dos amigos. Nas mãos levavam sacolas repletas de frutas, legumes, queijos e carnes defumadas, oferecidas pelo proprietário do sítio. Ao chegarem em casa, encontraram perto dali um grupo de pessoas, em animada conversação. Sock dirigiu-se ao grupo para indagar o que havia de novidade ou qual o motivo da aglomeração. Um dos presentes era vizinho e falou:

– Chegaram hoje dois homens, vindos de longe. Dizem que são hábeis na manipulação de metais, composição de ligas resistentes, próprias para fazer aplicações variadas.

– Isso é uma novidade interessante. Poderemos instalar aqui a produção de metais. Teríamos que trazer os minerais para uso. Iremos transformar a aldeia em uma cidade progressista. Onde esses homens estão alojados?

– Na mesma estalagem onde estão o engenheiro e o geômetra.

– Uma coisa interessante. Parece que os deuses estão nos dando uma ajuda especial. Estamos destinados a nos tornarmos uma grande metrópole.

– Estou imaginando o que mais irá aparecer nos dias vindouros. Foi bem a tempo que o Senhor Agik teve a ideia de dotar nossa aldeia de leis e estrutura administrativa adequadas. Parece que estava adivinhando o que iria acontecer.

– O Senhor Agik é um homem sábio. Administra muito bem o porto, e ainda consegue aplicar os parcos recursos que arrecadamos, de forma admirável. Estamos em vias de aprovar as leis e criar a estrutura administrativa conveniente.

Minck que parara ao lado do pai, ouviu tudo que diziam e imediatamente ligou os fatos. Arki lhe falara na noite anterior da vinda de gente nova para contribuir no desenvolvimento do lugar. Eram especialistas em metalurgia. Dispunham de um velho metalurgista, já em idade avançada e não fora capaz de formar discípulos. A vinda de sangue novo, trazendo inovações de outros centros, significava adição de conhecimentos novos ao acervo disponível. Certamente o objetivo maior que muitos visavam seria a confecção de espadas e outras armas de guerra. Minck olhava com olhos de quem deseja crescimento, paz e harmonia. Certamente as novas ligas metálicas teriam aplicações mais úteis em outros lugares, sem ser na feitura de armas.

Armas tinham a ver com guerra, mortes e destruição. O dinheiro ganho com suor e sacrificio deveria ser destinado a fazer o bem. Como era ainda criança, pouco, melhor nada poderia fazer. Restaria falar com o pai para que, onde fosse possível, influenciar os responsáveis para adotarem medidas anti-guerreiras. Era tudo que poderia fazer em sua condição de menino.

O grupo em pouco se desfez, indo cada um para sua respectiva casa. O jantar logo seria servido e ninguém queria perder a hora da refeição. Na casa de Sock haveria incremento da ceia, com alguns dos ingredientes trazidos da casa dos amigos. Sumok estava ausente. Havia se dirigido para a casa da moça com quem estava em vias de se comprometer. Nas últimas semanas havia passado as tardes do dia de descanso em companhia da moça. Hoje fora obrigado pelo compromisso da família a tomar outro rumo. Todavia era importante ir até lá e dar ao menos uma satisfação. A semana inteira seria repleta de trabalho. Sobraria pouco tempo para visitas e nem era hábito tais visitas em dias de trabalho. As famílias habitualmente deitavam-se cedo, para enfrentar o dia seguinte com mais disposição.

A conversação durante a refeição foi animada. Começavam a surgir ideias de quais seriam as aplicações da arte metalúrgica dos novos moradores. Havia quem pensasse em grades para cerca, portas e portões para maior segurança, enfim um grande número de utilidades. Minck ouvia com agrado essas palavras. Não ouvira seus familiares falar em fabricar armas. Mesmo assim, falou pouco. Ultimamente procurava evitar falar demais. Era arriscado deixar-se levar pela loquacidade, pois poderia acabar, num momento de distração, revelando alguma coisa que não estava na hora. Sabia da fragilidade de sua situação. Qualquer palavra, dita no momento inoportuno, poderia por tudo a perder.

Na semana que iniciava, havia trabalho por todo lado. Os dois metalurgistas, foram levados a falar com o velho ferreiro. Olharam suas instalações e logo perceberam, a precariedade do que havia. Traziam em seus pertences alguns equipamentos necessários para instalarem uma nova metalúrgica. Precisariam de carvão em quantidade suficiente para aquecer os metais, levando-os à fusão. Nesse momento poderia ser feita a adição de outros componentes, dando como resultado uma liga mais resistente. Outra vantagem era o fato de essa liga ser pouco atacada pela corrosão de ferrugem. Isso dava um ganho importante na durabilidade do produto final.

Os dois elementos anteriores, Mentrix e Domitron, ficaram positivamente impressionados com a novidade que os colegas traziam. Haviam ouvido falar dessa liga e sabiam que, dispondo desse recurso, seria possível construir edifícios mais resistentes e leves em sua estrutura. Pontes e sistemas de escoramento feitos dessa forma, tornavam-se muito mais robustos. O espaço disponível na velha ferraria era suficiente, contanto que o velho ferreiro entrasse em acordo com a dupla. Iriam lhe propor sociedade, pois não dispunham de recursos suficientes para começar desde a aquisição do terreno,  edificação do barracão e só então instalar a fundição e moldagem que fariam. Não tardou e se apresentaram interessados em apoiar o empreendimento. Tratariam de convencer o velho Stoll a aceitar a sociedade. Ele já não tinha mais energia para martelar os pedaços de metal  e  fazer delas o que em outros tempos sabia fazer à perfeição.

Diante da situaão, o velho ferreiro Stoll rendeu-se às evidências. Se os dois novos metalurgistas conseguissem levantar seu estabelecimento ele, há tantos anos prestando serviços valiosos à comunidade, ficaria sem trabalho. Associando-se a eles, haveria sempre uma parcela dos ganhos que lhe estariam destinados. Também poderia trabalhar nas condições mais leves, onde era possível aplicar seus longos anos de experiência no trabalho com metais. O que de mais valioso havia nas novidades que os dois traziam, além de produzir novas ligas, era a possibilidade de realizar soldas, usando para isso um composto de vários materiais. A colocação desse composto nas superfícies justapostas e submetidas à pressão, seguida de aquecimento alto, produzia uma fusão tornando as partes unidas de forma praticamente inquebrável. Isso era de grande valia. Até o presente, os processos de soldagem deixavam a desejar, pondo a solidez de equipamentos em risco, com o rompimento dos pontos de solda.

Em poucos dias a velha ferraria se transformava em um estabelecimento restaurado,  provido de unidade de fusão, moldagem e resfriamento. Depois chegava o momento de trabalhar as barras de metal para lhes dar a forma final desejada. Nesse aspecto não havia grandes novidades. Era questão de aquecer ao rubro, martelar sobre um suporte, chamado  bigorna. Esse processo produzia o alongamento, curvatura, dobradura e outros procedimentos. Lâminas para facas de diversos tamanhos, cinzéis, formões, machados, machadinhas e enxós eram produzidos em bom número. A qualidade dos novos produtos se espalhou em pouco tempo. Assim formou-se uma romaria diária de pessoas em busca de tais coisas, conforme as necessidades inerentes à atividade de cada um.

Além de participarem da elaboração do conjunto de leis e normas, Mentrix e Domitron passavam horas intermináveis na atividade de levantamento minucioso de todos os detalhes e pormenores do perímetro  urbano existente. Paralelamente fizeram também o mapeamento dos terrenos mais adequados para construção de moradias, casas de comércio, depósitos comerciais, alojamentos de homens e animais, bem como estacionamento de veículos de carga. Nos momentos vagos aproveitavam para inteirar-se do andamento dos trabalhos da nova metalúrgica. Ia até lá para conhecer o que estava sendo produzido. Por enquanto a matéria prima era trazida de grandes distâncias, encarecendo desse modo o produto final. Eles sugeriram que se falasse com Agik a respeito. Poderia, quem sabe, trazer esses insumos por via marítima, de fontes mais baratas. Dependeria da existência de minas em lugares próximos aos portos de onde vinham os navios.

Ao se encontrarem com o chefe do porto ele lembrou que, alguns meses antes, um comandante de navio havia lhe oferecido minério a preço bastante acessível. Seria trazido de um porto, situado a distância relativamente pequena. Dessa forma seria possível reduzir o custo final dos materiais produzidos na metalúrgica. Antes de efetuar um pedido mais volumoso, seria importante dispor de uma quantidade suficiente para testar a qualidade. Nem todos os minérios tem o grau de pureza igual. As variações são consideráveis e podem levar a resultados bem diversos do esperado. Agik se encarregou de fazer contato com todos os comandantes que pudessem lhe trazer o precioso minério. Quando obtivesse alguma informação, entraria em contato imediato. Os dois agradeceram efusivamente. Foram convidados a participar com seus conhecimentos do processo de elaboração do estatuto. Prometeram comparecer, na qualidade de observadores e com eventuais sugestões para aperfeiçoamento.

Nesse meio tempo, a aldeia pareceu entrar em ebulição. A população começava a sentir orgulho de pertencer a esse lugar, antes sem expressão alguma, e agora estava sendo transformado em um promissor centro de comércio, além de iniciar o desenvolvimento de importantes atividades fabris. Às vésperas da conclusão dos trabalhos da comissão encarregada da elaboração dos documentos legislativos e administrativos, o navio, cujo comandante, oferecera mineral retornou. Ao reconhecê-lo, Agik mandou recado aos dois metalurgistas. Estes, sem demora, compareceram ao local. Foram conduzidos a bordo, onde lhes foi apresentado o minério, do qual havia uma quantidade limitada. Destinava-se a  um porto situado no Japão. Diante da solicitação de uma quantidade mínima, para testes feita pelos dois, o comandante concordou em lhes ceder essa quantidade. O que surpreendeu a eles foi o baixo custo. A aparência era boa, faltando apenas fazer o teste prático.

Até o momento do retorno do navio, teriam condições de dizer se estariam dispostos a comprar um volume mais significativo, a ser trazido na próxima viagem. O comandante ficou satisfeito, dizendo-lhes que desse mineral eram feitas as famosas Katanas dos Samurais japoneses. Sabia tratar-se de minério de excelente grau de pureza. Sabia desde já, que poderia se preparar para trazer, na próxima vez, um volume maior do produto. Ao mesmo tempo se encarregaria de levar amostras das ferramentas ali produzidas. Serviriam para ser comercializadas em muitos pontos em seu caminho infindável pelo imenso oceano, parando em todos os portos que conhecia. Boas ferramentas sempre tinham valor em toda parte. Nem todos os povos dispunham de pessoas habilitadas a trabalhar os metais, confeccionando tais produtos.

O minério foi transportado cuidadosamente para a metalúrgica, tomando-se cuidados para não haver contaminação. Queriam um saber de modo indiscutível qual era a qualidade do produto que lhes custaria algo em torno da metade do que pagavam pelo que era mandado buscar em lugares distantes. Os preparativos para o teste foram feitos e iniciou-se o aquecimento. Foi com satisfação que acompanharam o comportamento durante o processo de fusão. As mudanças de cor eram graduais e nítidas, até atingir a fusão plena. Um brilho intenso, sinal de alta pureza, lhes deu a indicação do momento exato de adicionar os componentes que se uniriam ao metal, resultando na liga recentemente desenvolvida por pesquisadores na região dos montes da cadeia do Himalaia.

Fizeram a mistura e aguardaram a conclusão da homogenização, antes de diminuir a intensidade da fonte de calor. Depois as formas para obtenção de barras de diversas dimensões foram dispostas de forma adequada. O imenso recipiente foi manejado de forma adequada e o metal líquido despejado nas formas. O calor desprendido era alto, mas estavam acostumados a isso. A medida que o tempo passava, a cor foi passando de um amarelo vivo, quase branco para uma tonalidade alaranjada. Depois chegou ao vermelho e gradativamente foi escurecendo. Em dado momento estava azul brilhante e gradativamente foi caindo, até assumir a cor natural de uma barra de ferro, sem sinais de oxidação. O uso para demais testes só poderia ser feito no dia seguinte, quando estivessem na temperatura ambiente.

Enquanto esperavam por isso, gastaram o tempo restante do dia, na produção de algumas enxadas, facas e formões. Nada muito complexo, como por exemplo um machado ou enxó. O cansaço resultante do processo de fusão e moldagem das barras, poderia tirar a precisão de suas mãos, coisa de suma importância na execução de tarefas mais exigentes. A cada momento o olhar era desviado para as barras de teste, tentando identificar algum detalhe, capaz de revelar informações preciosas para a forma de usar o material resultante. Estavam ficando exultantes, pois até o momento nada havia indicado ser o produto de qualidade inferior ao que costumavam usar. Parecia ser exatamente o oposto. Faltaria verificar o grau de dureza e resistência ao desgaste, depois de fabricar algum objeto com ele. Se isso resultasse em produtos de qualidade, teriam a disposição um amplo mercado para suprir, uma vez que poderiam competir com um preço mais acessível. Deixariam uma pequena margem de segurança para suprir recursos destinados a futuros investimentos em ampliação.

Sock contou naquela noite aos familiares o provável início de comércio de minério através do porto. Se os testes  feitos pelos novos metalurgistas dessem resultado positivo, começaria a circular por ali um volume considerável de matéria prima. Era possível que fossem abertas diversas vagas para aprendizes na pequena manufatura de transformação do metal em objetos úteis. Os candidatos deveriam estar dispostos a passar algumas horas manejando uma marreta, num ambiente de temperatura relativamente alta. Certamente não era o lugar mais agradável para se trabalhar, porém, prometia ser um ramo de futuro na comunidade. Essa manufatura daria à localidade uma fonte de lucros considerável, além de gerar salários significativos aos operários que seriam empregados.

Não era somente na produção de ligas a base de ferro que os dois eram hábeis. Sabiam trabalhar magnificamente o cobre, o bronze, aplicados em muitos casos onde a excepcional resistência  do ferro poderia ser dispensada. O cobre era usado em muitas aplicações de grande durabilidade, além de permitir um nível de polimento elevado, tornando-o útil como espelhos. O bronze, antes da descoberta do ferro era a liga mais forte conhecida. Resultava da combinação de cobre e zinco em quantidades aproximadamente iguais. Assim resultava um metal com uma cor intermediária dos usados na mistura. O admirável era seu excepcional grau de dureza,se comparado aos dois ingredientes. Havia  a crença de que os dois se completavam e, de alguma forma, somavam suas resistências mecânicas. Não se sabia, porém, explicar a razão dessa mudança de comportamento dos dois metais, ao serem combinados

No dia seguinte, as barras estavam esperando pelos mestres para lhes provar sua qualidade. Em comum acordo, resolveram produzir um par de ferramentas de cada tipo. Assim poderiam submeter o novo metal ao teste de uso no cotidiano. Logo de início, foi possível perceber um comportamento, ligeiramente mais resistente ao uso do malho na bigorna. Mas logo surgiram facas, enxadas, enxós, machados, machadinhas, formões, cinzéis e talhadeiras. Ao final do dia, uma bela coleção de peças estava pronta para ser colocada em uso. Faltava encontrar quem se dispusesse a usar e depois dar o retorno sobre o comportamento de cada uma delas. Só então seria possível emitir um parecer final sobre a qualidade do minério.

Nesse momento apareceram alguns clientes a procura de ferramentas. Foi-lhes oferecido receber as ferramentas gratuitamente, contanto que assumissem dar aos fabricantes o retorno sobre a qualidade. Não foi preciso fazer segunda oferta. Em pouco tempo todas as peças tinham sido levadas, acompanhadas de recomendações quanto a forma de uso. Deveriam usar intensamente cada uma, sem poupar esforços. Assim ficaria comprovada a qualidade. Deram uma semana de tempo, para receberem um primeiro relatório de cada usuário. Os nomes e endereços foram anotados. Havia os que moravam nas propriedades rurais, onde usariam as enxadas, facões e facas. Já os que trabalhavam com pedras em construções ou calçamentos de ruas, teriam uso mais intenso. Em questão de três dias retornaram para fazer um relatório preliminar.

A resistência das ferramentas superava com larga margem as anteriores. Eram excepcionais, demoravam a perder o fio. Eram resistentes à deformação na parte onde as marretas ou macetes batiam no processo de lapidação de pedras. Os elogios foram unânimes. Não iriam querer mais outro tipo de ferramenta. Foram alertados de que ainda transcorreria algum tempo até disporem de vasto sortimento dessa nova linha. O que estavam usando, eram resultado de testes levados a efeito com minério, descarregado de um navio. Ele navegara para o Japão e retornaria para saber se o minério havia sido aprovado. Se fosse o caso, em questão de um ou dois meses no máximo, seria descarregado ali um suprimento de minério para um período razoavelmente longo de fabricação. Os usuários saíram contando a todos que encontravam pela frente, a grata novidade das ferramentas que passariam a ser produzidas na comunidade.

As barras restantes, foram usadas parcialmente na fabricação de novas ferramentas, além de outros itens igualmente importantes. Portas, portões, dobradiças, trancas metálicas para diversas aplicações foram também produzidas. Era importante testar o metal em todas as formas onde era possível ser usado.

Estavam nesse afã, quando chegou a véspera do dia semanal de descanso. A semana fora de intensa atividade e rica em novidades. A mais importante a possibilidade de testar o novo minério de ferro. Até o momento estava aprovado em todas as etapas. Nenhum motivo para ser considerado inadequado. Ainda esperavam receber dos agricultores e construtores que usavam madeira as informações sobre o comportamento de suas ferramentas. Haviam lhes concedido uma semana para isso e ainda não se haviam passado mais de três dias.

Décio Adams

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