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Fantástico mundo novo! – Volume II – Capítulo VII – Grupo se fortalece na fé.

  1. Grupo se fortalece na fé.

 

 

 

            Mink encontrou com parte do grupo, que caminhava na praça, no centro da cidade. Foi acolhido com saudação calorosa, como era de hábito entre eles. Contaram mutuamente os acontecimentos vividos nos dois dias precedentes. Apenas o jovem líder omitiu os pormenores de seu encontro com Arki. Ainda não era hora de revelar detalhes. Decidiram caminhar na região do porto. Estavam curiosos em ver o andamento das obras que constantemente eram realizadas no lugar. Nem mesmo no dia de descanso havia paralização total do movimento de entrada e saída pelo estreito. Mink lembrou das dimensões do cais na época em que haviam começado os seus encontros com o anjo. Quando observara do alto do penhasco a aproximação dos navios piratas e dera o aviso, salvando dessa forma todos os trabalhadores, bem como o porto de ser saqueado.

            Contou aos amigos esses acontecimentos, ocorridos há mais de cinco anos, quando ainda era um menino de apenas dez anos. Aquele dia representou o início de mudanças profundas na então pequena aldeia. Hoje, apenas cinco anos e pouco depois, estava transformada em uma cidade próspera, com uma população cosmopolita, trabalhando unida pelo progresso geral. Recentemente haviam sido realizadas novas eleições para os cargos públicos. O número de legisladores foi ampliado, por conta do crescimento populacional. Houve vários candidatos ao cargo de gestor, entre eles integrantes do contingente migratório. O brilhante desempenho de Sumok na condução dos trabalhos legislativos, credenciara-o a ocupação do posto mais elevado e foi isso que aconteceu. Nem todos os novos moradores estavam habilitados a votar. Havia alguns requisitos a serem preenchidos para isso.

            O primeiro mandato havia lançado as bases para um crescimento firme e sustentado. Cabia aos novos mandatários, alguns reeleitos no corpo legislativo, dar continuidade ao trabalho, ouvir os anseios do povo, prospectar novas oportunidades e pôr em prática o que haviam aprendido. A construção da sede administrativa, bem como do recinto para as reuniões legislativas estava concluída. Era uma edificação sóbria, mas considerada arrojada dentro das condições existentes. Primava pela funcionalidade, não existindo espaços ociosos. Era ampla o suficiente para não haver apertos e congestionamentos na circulação das pessoas, mas sem desperdiçar espaços. Domitron e Mentrix haviam trabalhado com esmero o projeto e o resultado foi aprovado por todos. Na inauguração, pouco antes do término do mandato, a população fez uma homenagem ao grupo de administração que não medira esforços durante seu mandato.

            Os encarregados da arrecadação de tributos eram remunerados condignamente e estavam sujeitos a severas punições em caso de transgressão. Houve apenas dois casos registrados no primeiro quinquênio. Os responsáveis foram destituídos dos postos de trabalho, bem como os beneficiários dos atos de improbidade, arcaram com pesadas multas, além da proibição de se estabelecer na mesma atividade por um período de cinco anos. Os processos foram rápidos e eficientes, não deixando tempo para esquecimentos e atenuações de culpa. Esta atitude mereceu louvores de parte do povo. Todos faziam questão de manter suas obrigações tributárias em dia. Se havia quem estivesse inclinado a tentar corromper os representantes públicos, diante desses exemplos, tornaram-se, pelo menos por ora, mais prudentes. Não era vantagem obter um pequeno lucro, para depois suportar as pesadas punições.

            O grupo de dez amigos de Mink era bem heterogêneo.  Havia um rapaz e uma moça nativos de Kibong. Os demais eram provenientes de lugares diversos, alguns bem longínquos, como norte da China, Egito, África e mesmo Europa. Seus nomes eram Akmat, vindo Egito, Turan, era da Europa, Xing Piong da China, Cireneu das terras do Eufrates e Kamur nativo. As moças eram Elima era nativa, Sarai da região da Palestina, Kiam do Tibet, Suliman do norte da África e Kimiko do Japão. Estavam todos atentos as palavras que Mink dizia sobre fatos acontecidos, na verdade em época recente, porém em termos de evolução, pareciam estar perdidos no tempo. Alguns deles haviam conhecido a aldeia ainda em seus primeiros passos de desenvolvimento. Outros chegaram em meio ao verdadeiro formigueiro humano em que se transformara. Aos poucos, todas as áreas circundantes, impróprias para agricultura, se haviam transformado em bairros povoados. Dessa forma, boa parte dos produtos agrícolas, eram vendidos praticamente de porta em porta. Muitos iam pessoalmente comprar frutas, legumes e verduras nas propriedades dos produtores.

            A cidade ganhava em importância a cada dia que passava. Pertencia ao grande império da Índia, mas tinha um elevado grau de autonomia administrativa e econômica. Por ali circulavam mercadorias que vinham ou seguiam para os mais distantes rincões do império. Também outros países, situados mais ao norte, sem acesso direto ao mar, comerciavam seus produtos e adquiriam os suprimentos vindos de outras origens em Kibong. Era o caminho mais curto e representava economia significativa no cômputo geral. Isso granjeou certo nível de ciúme nos administradores e moradores dos centros que antes serviam a essas finalidades. A neutralidade militar, a inexistência de exército e a segurança nas mãos de homens praticamente desarmados, deu a falsa impressão de que seria fácil tomar de assalto a cidade.

            O que ninguém contava era com a eficiência do sistema de informações simples, mas efetivo, que havia sido estabelecido por Iagushi Tomishi e sua equipe. Várias tentativas de infiltração de espiões foram desmascaradas, sem mesmo a população tomar conhecimento. Tal divulgação serviria apenas para espalhar temor entre os habitantes. Os membros da segurança, significativamente aumentados em número, desenvolviam treinamentos constantes, criando novas técnicas de domínio e imobilização de adversários. Dessa forma a população sentia-se em segurança, sem suspeitar das ameaças que por vezes pairavam sobre o lugar. Pequenos grupos, bem armados, eram detectados e neutralizados. Tão rapidamente como chegavam, retornavam aos locais de origem, levando experiências pouco agradáveis da experiência.

            Mink sabia de praticamente todas essas ocorrências, por meio do irmão Sumok e também Kantur que fazia parte do corpo de segurança. Contou aos amigos tudo que era possível revelar, sem pôr em risco a vida dos guardas, nem a segurança da população. Caminharam por toda orla do mar, na área do porto. Nas proximidades do canal de acesso, ele mostrou ao grupo onde haviam se postado os defensores e como haviam derrotado os dois navios piratas que se atreveram a ingressar na baía. Depois mostrou onde os destroços dos barcos haviam sido deixados, após a remoção da área do canal. Sempre, em meio aos fatos históricos recentes, revelava alguma coisa sobre o Universo, os anjos, os outros mundos habitados. A evolução após a morte, até alcançar a Ilha do Paraíso.

            Todos traziam em suas crenças algumas coisas que se conectavam de alguma forma com essas revelações. Faziam perguntas e estabeleciam conexões. Essas novidades aparentes, na verdade faziam parte de antigas revelações feitas na época da vinda do Príncipe Caligástia, Adão e Eva e também por Maquiventa Melquisedec. O tempo se encarregara de misturar tudo com superstições, crendices, idolatria, medo, sentimento de culpa, provenientes da religião evolucionária. Ao ouvir o relato simples feito por Mink eles conseguiam estabelecer a relação com alguma coisa. Dessa forma eles se tornavam cada vez mais ligados a ele e entre sim. Sentiam-se especiais, por serem escolhidos para formar esse grupo, embora não atinassem com o que se esperava deles no futuro. No momento oportuno isso lhes seria revelado.

            Arki fizera alusão a possibilidade da vinda de ajudantes para testemunhar e ministrar lições específicas ao grupo. Não dissera em que momento isso aconteceria, mas dera a entender que antes de eles serem enviados a escolher por sua vez seus grupos de dez, seriam confirmados na fé e saberiam da maior parte do plano. Em meio as recordações do passado e fragmentos de revelação, completaram todo percurso e iniciaram o retorno, passando por fora. Havia uma passagem estreita, que na maré vazante era transitável e podia-se contornar o maciço rochoso entrando na cidade pelo outro lado. Ali era um ponto vulnerável, embora o desembarque fosse complicado, pois o mar era raso até uma grande distância, o que obrigaria uma força de ataque a esforços gigantescos para transportar armas e equipamentos. Havia sempre vigias postados em pontos estratégicos, observando o mar nas redondezas.

            Um dos integrantes do grupo convidou os demais a fazerem a refeição do meio dia em sua casa. Queria apresenta-los aos pais e irmãos que estavam curiosos em conhecer os amigos do filho. Mink concordou, mas se preparou para não revelar além do que fosse conveniente. A casa era na verdade um palacete, de construção recente. A família tinha negócios de importação e exportação com vários centros produtores e consumidores. O almoço foi na verdade um banquete, coisa que a maioria não estava acostumada, mas todos souberam portar-se de maneira adequada. O amigo lhes dissera alguns pequenos segredos, que os ajudaram a não cometer enganos sérios.

            Terminado o almoço, satisfeita a curiosidade dos familiares, decidiram caminhar dessa vez pelos arredores da cidade, visitando propriedades agrícolas. Havia quem estivesse acostumado à vida rústica, mas outros eram completamente alheios ao meio. Para eles tudo era novidade. A forma como os animais eram tratados, como se obtinha os produtos de origem animal, as frutas, os legumes e verduras, cereais, quase tudo era novidade para alguns. A forma de fazer o vinho, as conservas, frutas secas, motivavam um sem número de perguntas, respondidas gentilmente pelos moradores dos sítios. Vez ou outra, mais um fragmento de revelação era deixado escorregar de mistura com a conversação em geral.

            Muitas vezes, esse fragmento, motivava perguntas posteriores, quando então Mink entrava em detalhes e explicações. Isso sempre era feito em momentos de união do grupo, sem presença de estranhos. Eles já haviam percebido que isso deveria ficar entre eles. Raramente era necessário lhes recomendar sigilo. Aliás, fazer a recomendação de guardar segredo, habitualmente significa dar uma ordem para revelar a algum amigo e daí a notícia se espalha. Melhor mesmo é mostrar na prática, sem dizer explicitamente, a necessidade do segredo. Conquistara-lhes a confiança e eles queriam saber cada vez mais.

            Entre visitas, conhecimentos da vida rural, perguntas variadas, experimentações de produtos, o sol percorreu a segunda metade de seu arco diário e chegou próximo ao horizonte. Estavam a pequena distância da cidade e percorreram o caminho em alegre conversação. Todos tinham alguma coisa especial para relatar em relação ao passeio. Um fato que lhes parecera relevante, um detalhe curioso, os procedimentos diversos, as técnicas usadas para determinados fins. Tudo lhes era estranho, até mesmo aos que tinham certa familiaridade com o meio rural. O grupo de agrônomos vindo de longe, havia desenvolvido algumas adaptações das técnicas trazidas de outras terras. Ali o solo, o clima e os frutos eram diferentes, de forma que tudo precisava ser adaptado. Além disso, a junção dos migrantes, com a população local, representou uma somatória de aptidões. Assim todos aprenderam com todos. Até ferramentas foram criadas especialmente para as diferentes finalidades.

            Mink ficara algum tempo sem visitar os sítios, também encontrou novidades que não conhecia. Foi-lhe apresentada uma variedade de plantas desconhecidas, ferramentas estranhas e mesmo animais diversos, pelo menos de raças diferentes. Despediram-se alegremente, após um dia inteiro de confraternização e dirigiram-se para suas casas. Muhn e Sock chegavam em casa de um passeio que haviam feito até as casas de Song e Xing, já casadas. O dia fora radioso, o sol brilhara do amanhecer ao anoitecer e derramara seus raios tépidos sobre o solo, enchendo tudo de vida e vigor. Contaram uns aos outros os principais fatos do dia e Muhn, acompanhada do marido, do filho caçula e também de Ballak, ainda solteiro, foi para a cozinha. Os dois filhos se dispuseram a ajudar a mãe na preparação dos alimentos, o que ela aceitou com alegria. Estava cansada e tratou de delegar as tarefas que cada um deveria realizar.

            Sock, depois de lavar-se e trocar de roupa, veio sentar-se para conversar, enquanto aguardava a refeição. Todos haviam comido bastante durante o dia, de modo que a refeição noturna foi apenas um complemento, nada que viesse a pesar no estômago. Comeram com calma e os rapazes se dispuseram a lavar os utensílios, além de limpar a cozinha. Muhn permitiu, mas ficou ali, supervisionando. Era exigente no ambiente em que preparava os alimentos para a família. Não admitia que algo ficasse sujo, mal lavado. Depois sentou para descansar algum tempo. Foram dormir cedo, pois todos haviam caminhado bastante naquele dia. A caminhada relaxa, cansa a musculatura e induz uma sonolência gostosa, especialmente depois da refeição.

            Os dias passaram e depois de outros encontros com os membros do grupo, chegou o momento em que eles já sabiam o suficiente para esperar algo mais. Começaram a questionar entre eles sobre as revelações que vinham recebendo, mas em pequenas doses. Cada vez iam se juntando em suas mentes como que as peças de um quebra-cabeças. Faltava uma peça aqui, outra ali, ficando uma lacuna por preencher. Curiosos começaram a trocar ideias sobre o que mais o jovem líder teria por lhes revelar. Não restava dúvida de que ele sabia muito, mas muito mais do que lhes dizia. Tinham vontade de indagar qual seria a verdade completa, porém, temia ultrapassar a linha do bom senso. Os mais afoitos propuseram colocar Mink em xeque, já os mais ponderados eram favoráveis a esperar. Ele vinha lhes dizendo, palavra por palavra, completando pouco a pouco o arcabouço de algo maravilhoso. Se o pressionassem, talvez ele retrocedesse, dizendo que tudo não passava de uma fantasia. Poderia ser que ele mesmo estivesse recebendo as revelações a conta-gotas.

            Durante o encontro que tiveram uma semana antes do próximo encontro de Mink com Arki, Turan, o mais voluntarioso do grupo, estava prestes a colocar o líder contra a parede. Ardia de curiosidade. Mas, como se adivinhasse sua intenção, Mink falou:

            – Turan, um amigo meu sempre me diz, quando estou ansioso, apressado por saber das coisas: Confia! Tenha fé!

            Ficou um longo momento olhando fixamente para o amigo e este foi serenando, até sentar-se e começar a chorar copiosamente. Nesse momento os amigos procuraram consolá-lo, mas ele lhes disse:

            – Eu com minha impulsividade, quase ponho tudo a perder! Estou chorando por não saber me controlar.

            – Você é igual a mim, Turan. Muitas vezes o meu amigo já me disse essas palavras. Não precisa chorar, pois isso é coisa humana, faz parte de nossa natureza. Alguns tem mais controle, outros demoram um pouco para conseguir dominar os impulsos. Não tenha medo. Confia! Tenha fé!

            – Você vem nos falando de uma coisa maravilhosa desde o começo, mas parece tatear no escuro, procurando as palavras e estamos curiosos por saber toda verdade, amigo Mink.

            – Eu também não conheço toda verdade. Sei alguma coisa e, se tiverem paciência, irei revelar tudo que eu sei. Preciso pensar para não dizer nada errado.  Tenho que escolher as palavras certas para não ser interpretado de forma distorcida.

            – Desculpe, amigo. Todos estamos ansiosos demais.

– Venham comigo.

            Mink seguiu diretamente para a praia, ao pé do penhasco. Ao chegar ali parou e todos ficaram esperando em silêncio, prontos para ouvir o que ele diria.

            – Estão vendo aquela estrela, isolada das outras e um pouco mais brilhante, apenas alguns metros aparentemente acima do mar?

            – Sim, estamos vendo. O que tem essa estrela?

            – Acho que não preciso pedir sigilo. Vou contar uma coisa a vocês, que somente uma pessoa, além de mim sabe.

            Fez uma pausa e logo ouviu o mesmo Turan dizer:

            – Eu juro que ninguém vai contar nada. E se alguém abrir a boca, eu me encarrego de faze-la fechar.

            – A mensagem que eu tenho é de amor, paz, fraternidade, Turan. A violência não traz nada de bom. Não será necessário fechar a boca de ninguém, pois creio que todos entenderam o que isso significa.

            Diante do silêncio sepulcral que se fez, Mink continuou:

            – Desde quando eu tinha apenas dez anos, um ser celestial, um anjo, vem daquela estrela falar comigo em determinados dias. Ele me trouxe todas as mensagens que eu estou passando para vocês. Mas também ele faz isso aos poucos. É ele que sempre me diz para confiar, ter fé.

            – Um anjo, com asas e tudo? – Perguntou Kimiko curiosa.

– Ele é um anjo, mas eles não têm asas. Usam outros meios para se deslocar.

            – Sempre ouvimos dizer que os anjos voam com suas asas. Ouvi dizer que até penas eles têm nas asas. – Disse Suliman.

            – Cara Suliman. Os anjos se deslocam tão depressa que as asas seriam um estorvo e não ajuda. No universo existem meios de transporte mais velozes do que o pensamento. É neles que os anjos viajam.

            – Caramba! Mais veloz que o pensamento? E pensamento lá tem velocidade?

            – Você imagina estar em um lugar muito distante e imediatamente tua mente te transporta para lá. Assim são os transportes que os anjos usam. Mais depressa que o próprio pensamento, penso eu.

            – Lá no Egito, diziam que Isis, uma deusa com forma de ave, voa muito depressa, mas nunca ouvi dizer de nada tão rápida assim. Isso é realmente uma coisa inacreditável.

            – Querido Akmat! Você acha isso inacreditável. Então o que irá dizer quando souber outras coisas mais, mas muito mais fantásticas?

            – Começo a ficar meio assustado. Tenho a impressão de que sou um grão de areia na praia deste mundo.

            – Em comparação com o Universo Central, os Superuniversos e o espaço exterior, nem um grão de areia nós somos. Somos insignificantes.

            – Mas lembro de que você falou em alguma coisa como um Pai Universal, que ama a nós seres humanos. Por que ele iria se importar com algo tão pequeno, tão sem valor?

            – Aí está a questão. Nosso valor não está no tamanho do nosso corpo, mas no que nós representamos para esse Pai Universal. O importante é o que há dentro de nós, na nossa mente.

            – Você está falando da tal “fagulha” do Pai Universal?

            – Da fagulha e da mente, que um dia irão se fundir, formando o que costuma ser denominado alma. Um dia seremos espirituais como os seres celestes.

            – E o anjo vem daquela estrela?

            – Pelo menos é de lá que ele surge, num piscar de olhos.

– E por que ele não vem agora, falar com todos nós?

– Acho que ainda não estamos preparados, não é Mink?

– No momento certo ele vai vir pessoalmente, ou enviar ajudantes para completar os ensinamentos que eu não conseguir passar para vocês.

– E qual é o objetivo disso? – Perguntou Kamur.

            – O objetivo é uma missão que será revelada também na hora certa. Temos ainda muito tempo pela frente. Vocês são como o “fermento”. Formaremos uma pequena multidão de gente que irá desempenhar uma missão muito importante. É o que posso dizer por ora. Se esforcem por aprender o máximo que puderem, de tudo que eu disser. Até quando eu estiver brincando, posso estar passando lições de maneira disfarçada. Eu não posso levar vocês para uma praça e gritar para todos ouvirem. Isso nos tornaria alvos de risos e chacotas. Ninguém não envolvido, deve saber de nada.

            – Nós entendemos. Nossa missão é importante demais para que todo mundo fique sabendo.

            – Isso quer dizer que seremos uma espécie de comandantes de segundo escalão nessa multidão encarregada da missão?

            – Eu diria que vocês serão o primeiro escalão. Abaixo de vocês haverá outros comandantes de grupos menores.

            – Estamos formando um exército?

            – Pode-se dizer que sim, mas um exército que não irá usar necessariamente armas, pelo menos não para matar. Nosso objetivo é cultivar a vida, não levar ou promover a morte.

            Sarai falou:

            – Um exército de paz. E as mulheres tem lugar nesse exército? Ou servirão apenas para divertir os homens?

            – Sarai! Nesse exército os homens e as mulheres terão a mesma importância. Ninguém alcançará o paraíso sem passar pela experiência da paternidade/maternidade. Isso acontecerá de alguma maneira.

            – Devemos nos casar com nossos companheiros de grupo?

– Nada impede, mas não é condição essencial. Vocês podem casar-se com pessoas fora do grupo. Mas é bom trazer os maridos e esposas para fazer parte do grande grupo no final.

– Quer dizer que deveremos ter filhos. Cheguei a pensar que isso não seria permitido.- Falou Elima.

– Ao contrário. Ter filhos é essencial na missão.

– Isso tudo será uma religião? Haverá templos, sacerdotes, sacerdotisas, virgens, eunucos e tal?

            – Essa religião de que você está falando, Kiam, é a religião evolutiva. Resulta da busca do ser humano por Deus. A revelação traz a religião revelada e não implica em templos, sacerdotes e outros acessórios. A verdadeira religião reside na mente. Devemos adorar o Pai Universal em qualquer lugar em que estejamos. Não há um lugar previamente determinado para isso. O Pai Universal é um Pai de amor. Ele não gosta de sacrifícios de espécie alguma, muito menos de sangue derramado. Não exige a mortificação do corpo, os castigos físicos, os suplícios.

            – E os sacerdotes que matam bois, cordeiros e outros animais para queimar em honra de seus deuses, o que são eles?

            – Eles estão a caminho na busca de Deus, mas ainda não o encontraram. Se receberem a revelação, poderão encurtar o caminho. Por enquanto eles têm um entendimento parcial de Deus. Um dia o encontrarão, depois de muito procurar, Xing Piong.

            – E eu querendo saber tudo logo de uma vez. Agora compreendo que ainda precisamos receber muita instrução antes de podermos desempenhar a nossa missão, seja ela o que for.

            – Isso é verdade, Turan. A missão é tão importante que seria uma temeridade enviar vocês para desempenhá-la sem a devida preparação. Eu estou há mais de cinco anos recebendo instruções e ainda estou longe de saber uma mínima parte. Deve ser por eu ter começado ainda criança e ser meio burrinho.

            – Se você é burrinho, o que somos nós? Jumentinhos?

            – Suliman. Eu uso essa expressão por causa de meus irmãos mais velhos. Sou o caçula lá de casa e era considerado como o que não sabe nada, enquanto os outros já trabalhavam com o pai no porto e essas coisas. Até o dia em que eu salvei o porto, lembram? Dali para frente nunca mais ninguém me chamou de burrinho ou coisa assim. Todos nós temos limitações e precisamos nos esforçar por superá-las. E se realmente formos bem estúpidos, ao nos chamarem de burrinhos, estarão ofendendo ao animal.

            O grupo inteiro riu alegremente com a tirada de Mink. Começou-se a ouvir um bocejo aqui, outro ali e ficou evidente que haviam passado da hora de voltar para casa. Seguindo o olhar do líder, todos olharam para a estrela e viram quando ela piscou. Depois como que deu um sorriso. Isso deixou a todos perplexos.

            – Vocês viram o que eu vi? – Disse Elima.

– O que você viu? – Disse Mink com um sorriso brincando nos lábios.

– A estrela piscou e depois sorriu.

            – Ela sempre faz isso. Desde que encontrei o anjo da primeira vez, sempre ela sorri para mim e pisca, antes e depois de ele vir.

            – Se me contassem eu não acreditaria.

– Nem eu. – Falaram os demais em uníssono.

            A caminhada de volta para casa aconteceu em relativo silêncio. Estavam todos compenetrados com o que haviam visto naquela praia, já um pouco tarde da noite. Não iriam revelar a ninguém o que haviam presenciado. Era tão extraordinário que certamente serviriam de zombaria aos demais se lhes contassem. Imaginavam as galhofas:

            – Então você viu uma estrela sorrindo? Piscando!

– E ela piscou com o olho direito ou esquerdo?

– O sorriso foi só com o canto da boca ou foi aquele sorriso largo e bonito?

            Seriam algumas das prováveis indagações, seguidas de estrondosas gargalhadas por parte dos ouvintes. Melhor mesmo era ficar bem quieto. Guardar no fundo da mente, no mais recôndito do coração esses momentos maravilhosos. As palavras do jovem líder cada vez ficavam mais complexas, porém, começavam a encaixar cada vez melhor e a fazer sentido. Eram um grupo de privilegiados. Um dia iriam certamente revelar ao mundo o que sabiam, mas ainda não era chegado o momento. Ficavam conjeturando sobre a natureza da missão que teriam que enfrentar. Sabendo-se oriundos de diferentes lugares, imaginavam serem emissários da revelação em sua terra de origem. Como seriam recebidos, depois de passar alguns anos distantes, voltando com uma mensagem completamente diferente sobre religião. Os sacerdotes, sacerdotisas, virgens e mesmo os reis como os receberiam? Seriam bem recebidos ou correriam o risco de prisão, condenação à morte? Um calafrio percorria a espinha ao pensar em tais possibilidades.

            Não tinham como pensar diferente. Eram fruto do meio em que haviam crescido. Agora estavam recebendo a revelação e ela era tão maravilhosa que, mesmo correndo todos os perigos do mundo, eles a levariam para onde o Criador, o Pai Universal os enviasse. E pensar que sequer estavam com o conhecimento completo. Teriam ainda um longo caminho a percorrer até ficarem prontos para a missão. O entusiasmo começava a tomar conta dos mais voluntariosos, enquanto os mais retraídos caminhavam pensativos, mesmo com o íntimo em torvelinho. Agora sabiam que teriam uma missão e cada dia caminhariam em direção ao seu começo. Uma ponta de orgulho discreto assomou a mente de vários entre eles. Logo foi dominada pelo sentimento de receio das consequências que a referida missão poderia trazer consigo.

            O remédio era confiar, ter fé, como Mink dissera em várias ocasiões. Ele mesmo, segundo suas palavras, ouvira o anjo dizer isso inúmeras vezes ao longo dos anos. O problema dos homens em geral é a pressa. Não sabem esperar o momento certo das coisas. Era mister exercitar a virtude da paciência. Com esses pensamentos girando em suas mentes, chegaram ao ponto onde se separavam, tomando o caminho de suas casas. Todas estavam de luzes apagadas, tendo apenas uma tocha acesa, iluminando a porta de entrada, como se tornara hábito na cidade. Cada um subiu os degraus de acesso e se recolheu ao respectivo aposento. No dia seguinte haveria uma competição de luta entre os alunos da Iagushi, lançamento da ferradura e vários outros jogos. Eram dias de diversão para o povo, quando grande multidão se reunia nas praças, todas elas repletas de diversões. Os recursos arrecadados eram destinados a construção de moradias aos mais carentes.

            O grupo se encontrou durante os jogos e enquanto participavam dos vários divertimentos, aproveitavam para trocar algumas ideias. Desse modo, tinham uma semana para meditar sobre tudo que haviam vivido na noite anterior. Ocupados com os respectivos trabalhos, sobrava pouco tempo, mas cada minuto servia para refletir sobre alguma coisa. Dessa forma cada palavra ouvida ia sendo analisada, vista sob os vários ângulos possíveis e por fim armazenada no intelecto. Quando ficavam com dúvidas, partilhavam com os amigos e recebiam deles também suas dúvidas. Sendo preciso perguntariam ao líder na primeira ocasião. Agora que sabiam da missão, bem como da possibilidade de se defrontarem pessoalmente com seres celestiais para receber as últimas orientações ficavam mais ansiosos a cada dia que passava.

            Chegou o último dia da semana, e na noite ocorreria o encontro de Mink com Arki. Nenhum deles sabia disso. Tinham conhecimento de que o líder se encontrava periodicamente com um anjo, mas não em que dia e hora. Ele precisou dar uma desculpa qualquer para poder subir ao penhasco sem problemas. Não convinha facilitar, pois a curiosidade poderia levar um deles a seguir seus passos e subir ao local de encontro. Por precaução foi até a casa de seu irmão Sumok e ali jantou. Depois caminhou por ruas menos movimentadas até o local e subiu, não sem antes olhar atentamente, para todos os lados. Ao chegar no alto, não precisou esperar pelo amigo. Mal chegou e a luz azul que acompanhava Arki brilhou a sua frente.

            – Salve, amigo Mink!

– Salve, Arki!

            – Eu temi que você não viesse hoje! Mas eis aqui o futuro líder do repovoamento do planeta Orient.

            – É esse o nome cósmico do planeta?

            – Esse mesmo. Eu esperava que fosse perguntar o nome. Como não perguntou, resolvi contar.

            – Eu estava curioso demais por outros assuntos e nem lembrei de perguntar o nome. Eu não sei se fiz bem, mas contei alguns detalhes ao grupo e eles ficaram morrendo de curiosidade. Eu trouxe eles na praia aqui em frente, mostrei a estrela e contei algumas coisas para despertar neles a vontade de conhecer mais detalhes. Falei de uma missão, mas não qual é. Estão morrendo de curiosidade.

            – Eu estava olhando você como grupo naquela noite. Foi bom, pois assim eles passam a se empenhar com mais afinco no aprendizado.

            – Falei das sete etapas de vida moroncial, antes de chegar à fase espiritual. Tiveram dúvidas e falei que devem confiar, ter fé. Do mesmo jeito que você sempre fala para mim.

            – Parabéns, Mink. Você está se saindo melhor do que o esperado. Nada impede que use as minhas palavras. Pode também simplificar as coisas, para fazer eles entender melhor. Não podemos pedir que eles tudo, nos menores detalhes.

            – Nem eu entendo tudo. Como posso pedir que eles, de um dia para outro consigam entender? É necessário ter paciência. Afinal, já faz mais de cinco anos que estou nessa vida, aprendendo as coisas a respeito de Deus, a criação e toda essa maravilha.

            – Eles perguntaram se você não poderia falar com eles diretamente. Eu disse que antes de eles terminarem sua etapa de aprendizagem, receberão a orientação final de você e seus ajudantes.

            – Vamos providenciar isso, quando chegar a hora. Quem sabe até levar o grupo para um pequeno passeio. Preciso ver isso com calma, pois um grupo grande é diferente de levar do que duas pessoas, como foi seu caso e do filósofo.

            – É o que eu imaginava. O transportador deve ser adequado, acho que a duração também será outra.

            – Levaremos eles a ver o Orient sendo preparado para receber os colonizadores.

            – Penso que eles ficarão deslumbrados. Ao saber da missão mudaram completamente de disposição. Prestam mais atenção ao que falo, perguntam detalhes de tudo e se esforçam por entender mais. Quando lhes for revelado que iremos para um planeta distante, repovoar seu território, eles vão ficar mais enlevados.

            – Podem também ficar receosos, pelo menos alguns. Vamos esperar para ver. Ninguém será obrigado a ir contra sua vontade.

            – Sempre penso nisso e procuro não demonstrar receio diante deles. Quero que me diga quando chegar a hora de revelar o verdadeiro tipo de missão que iremos encarar.

            – Por ora basta que eles saibam sempre mais sobre a Trindade, sobre os Filhos Criadores, a vida após a morte física, a fagulha ou centelha, os mensageiros que trazem a revelação de tempos em tempos. Eles vão se encarregar de preparar os outros cem, não pode esquecer.

            – Eu não esqueço e fico preocupado com isso. Será que eles saberão transmitir tudo corretamente?

            – Não espere perfeição. Haverá, com certeza, distorções, desvios, mas isso faz parte do processo. Teremos que ficar atentos e fazer as correções possíveis.

            – Eu acabo esquecendo que somos humanos e cheios de falhas, defeitos. O erro é natural. Não tenho como exigir perfeição se não sou capaz de fazer o mesmo.

            – Aceitar a própria imperfeição é um passo significativo no caminho do crescimento. Ao reconhecer os próprios erros, você conquista a confiança dos outros e dá o exemplo a ser seguido.

            – Eu tinha temor de errar e perder a afeição do grupo. Foi bom lembrar-me que não deixei de ser humano. Continuo tão imperfeito como todos, talvez mais imperfeito. Se conheço melhor a verdade, me cabe maior responsabilidade em errar menos.

            – Não se preocupe com os possíveis erros. Busque sempre fazer o bem, persiga a verdade. Ao fazer isso os erros se tornam menos significativos, perdem importância.

            – Faz sentido. Ao me preocupar em não errar, deixo de fazer o bem e acabo errando mais ainda por omissão. Isso me tranquiliza. Sei que vou errar, mas também vou acertar muito. Quanto mais eu acertar, menores ficarão os meus erros.

            – Sem dúvida. Esse é o segredo. As religiões que os humanos criaram pela evolução, pecam muito por sobrecarregar os homens com regras, proibições e obrigações. Exigir sacrifícios, castigos físicos do próprio corpo, jejuns insuportáveis, pagamento de taxas e contribuições. Isso tudo é parte da organização humana. Mesmo assim, sem as religiões a humanidade ainda estaria se revolvendo na obscuridade total, nas superstições e temores. Há momentos em que avanços significativos acontecem, mas em determinado momento, começam a ocorrer desvios e ocorre a estagnação.

            – É por isso que sempre surgem os chamados “profetas”, que causam grandes transformações na sociedade humana.

            – Entre os profetas há os que são inspirados e os que fazem revelação em vidas de auto-outorga. A revelação, como já falei em outro momento, é um impulso forte na direção do conhecimento da divindade, dos mistérios do Criador.

            – Como podemos saber quem é apenas um profeta inspirado e quem é um Filho auto-outorgado?

            – Isso não é tão importante. Sempre haverá maneiras de perceber a diferença. Mesmo os inspirados são muito importantes. Eles conseguem ver mais longe, percebem com mais profundidade a verdade e a ensinam aos seus seguidores.

            – Esses profetas inspirados são como mensageiros indiretos do Pai Universal?

            – Acho que podemos dizer que sim. Geralmente eles conseguem fazer o que fazem, reunindo ensinamentos de outros anteriores, revelações e isso lhes abre a visão para perto da verdade.

            – O Pai deve ter uma paciência ilimitada mesmo. O ser humano faz tantas coisas erradas, bobas que ele poderia ter perdido a esperança de haver salvação para nós.

            – Eu já falei. Para o Pai Universal não existe passado, nem futuro. Sempre é presente. Ele costuma ser apresentado como EU SOU. Isso significa que não foi, nem será. Ele apenas É. Como isso pode ser entendido, é um grande e insondável mistério.

            – Há alguém que conheça esse mistério?

            – Não sei ao certo, mas me atrevo a dizer que não. Pelo menos a verdade última, ninguém sabe. Nem Ele está interessado em explicar, por sermos incapazes de entender.

            – Apenas precisamos confiar, ter fé. O mais importante de tudo é a fé. Ela nos ajuda a viver mais profundamente o amor.

– Você está ficando entendido no assunto. É assim mesmo.

– Estou ouvindo isso há muito tempo. Está na hora de ter aprendido alguma coisa.

– Isso mostra que não nos enganamos ao escolher você para liderar a missão. Você vai se sair muito bem, apesar de enfrentar suas peripécias, que irão aparecer.

– Cada dia eu lembro disso e preparo minha mente para as dificuldades que vou ter pela frente.

– Continue assim e fique com as bênçãos do Altíssimo.

Quando Mink ia dizer mais uma coisa, o raio azul já riscava o céu, sumindo na estrela. Era hora de voltar para casa.

Décio Adams

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