Agora sim, casamento de verdade.
– Boa noite, Francisco!
– Boa noite, senhorita Margarida!
– A mãe falou que você queria falar comigo. Você deve estar com ódio de mim.
– No dia eu fiquei bastante chateado, mas depois pensei melhor. Acho que fui insensível aos seus sinais todo esse tempo.
– Você percebeu? Eu tinha medo de ser mais insistente. Você poderia ficar ofendido.
– Se é verdade o que você falou, eu estou disposto a conversarmos e nos entendermos.
– Você também me ama?
– O que você acha? Estou aqui por causa disso. Se aceitar meu pedido e sua mãe autorizar, quero ser seu namorado, noivo e depois casaremos.
Diante disso a jovem emocionada caiu em um pranto silencioso. Imaginara que havia jogado for a qualquer chance de felicidade ao lado do homem que seu coração amava e ali estava ele pedindo a sua mão em namoro. Sentia-se nas nuvens e não conseguia conter as lágrimas. A um aceno de cabeça de Carlota, Francisco aproximou-se e com delicadeza afagou o cabelo dela dizendo:
– Eu esperava que ficasse feliz. Não gosto de ver você chorando.
– Eu choro de felicidade. Você de fato me perdoou?
– O passado, é passado. Vamos recomeçar a vida daqui para frente.
Os dois não perceberam a saída de Carlota e em pouco estavam abraçados, trocando carícias suavemente. Francisco enxugou as lágrimas de Margarida e ela se aconchegou em seus braços fortes. Conversaram pouco pois as palavras eram dispensáveis. Francisco olhou atentamente para o rosto suave e belo da jovem, perguntando-se onde estivera com a cabeça para não ter notado o carinho estampado naqueles olhos. Enquanto murmurava palavras carinhosas afagava suavemente o corpo da mulher que confessara publicamente amá-lo acima de tudo. Logo Sia Balbina assomou à porta e falou:
– Dona Carlota está chamando para jantar.
Os dois se olharam e bastou isso para se entenderem e Margarida falou:
– Nós já vamos, Sia Balbina.
Pegou na mão de Francisco e o guiou para a sala de jantar, onde Carlota e Balbina os aguardavam.
– Sente-se, Francisco. Vá se acostumando. Vai ser membro da família.
– Com sua licença. Vou demorar um pouco a pegar o jeito.
– Isso logo passa. Vamos comer que a comida está ótima.
Sentaram-se e logo estavam comendo, trocando algumas observações sobre trivialidades. Francisco sentia-se um pouco constrangido. Nunca sentara à mesa da patroa, menos ainda como namorado da filha. O passo mais importante for a dado e agora seria tocar em frente. Sabia que sua responsabilidade aumentava com a nova situação. Com certeza seria olhado de modo estranho por todos, mas não tinha o que recear.
A refeição terminou e, após alguns minutos, ele se retirou para seus aposentos. O dia seguinte trazia muito trabalho e não deixaria de cumprir suas obrigações. Nada mudaria com o fato de agora estar praticamente noivo da filha da patroa. Seu empenho seria maior ainda para não dar motivos a falatórios.
Alguns meses depois, no dia 22 de maio de 1885, era realizado um casamento na fazenda Santa Maria. Dessa vez não haveria interrupção. O noivo era o mesmo, mas a noiva era Margarida Maria, filha da proprietária. Os convidados acorreram de todas as propriedades vizinhas, os amigos e parentes se faziam presentes. A noiva estava deslumbrante, em seu vestido simples, mas muito bem feito. O véu e a grinalda completavam o belo quadro. Carlota sentia realizar-se um sonho acalentado há tempo. A filha teria ao seu lado um homem de bem, honesto e responsável, em grande parte, pelo reerguimento da propriedade, após o tempo da guerra. Seria justo que partilhasse com Margarida o patrimônio que ajudara a construir.
Nos dias subsequentes, Francisco continuou fazendo o trabalho de capataz, mas Carlota lhe disse que deveria encontrar um substituto. Ele agora era patrão e ela queria que ele assumisse a parte administrativa. Estava disposta a lhe transferir gradativamente esses encargos, pois sentia-se cansada de desempenhar o papel de dona da casa e comandar a fazenda. Queria agora se preparar para os netos que certamente não demorariam em chegar. Haviam transcorrido quase 20 anos desde que o marido partira para não voltar. Tivera sobre seus ombros um trabalho de homem e ao mesmo tempo de mãe. Queria agora gozar um pouco a vida.
Os desejos da candidate a avó não tardaram em serem preenchidos com o anúncio de que um(a) neto(a) estava a caminho. Chamou Balbina e lhe determinou procurar em seus guardados os modelos de bordados, crochês, tricô e tudo que fosse roupinha de criança. O descendente que viria, seria recebido com muito amor, carinho e cuidados. As duas juntas, em combinação com Margarida, puseram-se a preparar o enxoval. Faltavam cerca de dois meses para a data prevista do parto e já havia um baú cheio de toda sorte de roupas, cobertores e mantas. O inverno não seria problema para o nascituro.
A data chegou e uma parteira veio atender a mãe em seus momentos de dar a luz ao filho. Sim, um filho nasceu. Um robusto menino, de voz forte que ecoou pela casa, instantes depois do nascimento. Estavam prestes a comemorar a independência do país. Estavam no dia 05 de setembro de 1886. O pai Francisco ficou orgulhoso do filho que lhe nascera. Ofereceu aos empregados uma rodada de caninha em comemoração. Pessoalmente não era dado a bebidas, mas em ocasiões especiais, consentia que os seus subalternos tomassem um gole. Mas apenas isso, pois detestava qualquer tipo de alteração provocada por ingestão de aguardente.
Os pais estavam muito contentes e o filho recebeu o nome de Pedro Antônio Monteiro. Foi batizado e o pai foi pessoalmente ao cartório na sede do município fazer o registro civil. Nascera pobre, ficara órfão e hoje era, por via do casamento, um dos fazendeiros mais prósperos da região. Conquistava gradualmente a admiração e o respeito dos vizinhos. Os empregados viam, no agora patrão, um homem que merecia tudo o que de bom conquistara. Era cordato e tratava bem a todos os seus servidores. Não enfrentava problemas de espécie alguma com a equipe que comandava. Soubera colocar em seu lugar um homem de grande capacidade de liderança para ocupar o posto de capataz.
Quando Pedro estava com um ano e meio, Margarida anunciou nova gravidez. No dia 13 de maio de 1889 nasceu Júlia Balbina Monteiro. Em termos de vigor rivalizava com o irmão, pois era dona de uma voz vibrante e forte. Nasceu no dia em que a Princesa Izabel, regente do império em lugar de D. Pedro II, proclamou a Lei Áurea. Era abolida a escravatura no Brasil. Os abolicionistas festejaram, porém os fazendeiros de café de São Paulo, Minas e estados vizinhos, se viram, de um dia para o outro, privados da mão de obra escrava. Isso gerou sérias dificuldades e, em alguns meses, os militares pressionados tomaram o poder e foi implantada a República Federativa do Brasil.
Foi um tempo de profundas mudanças do ponto de vista administrativo. O país, após mais de 70 anos de império, iniciava sua vida política com governo democraticamente eleito pelo povo. Houve muitas agitações, rebeliões e desencontros. No agora Estado do Rio Grande do Sul, antes era província, os efeitos da abolição foram menos sensíveis, uma vez que a mão de obra não estava calcada no braço escravo. Grandes contingentes de imigrantes italianos, alemães e poloneses já ocupavam grande parte da região agrária, não dedicada à criação extensive de gado nas regiões acima da serra e nas terras menos planas. Os efeitos foram mais politicos que de outra ordem.
Margarida e Francisco tiveram ainda uma outra filha, depois de dois anos do nascimento de Julia. Recebeu o nome de Joana Carlota Monteiro. A avó materna sentiu-se honrada em ter seu nome posto numa das netas. Os pequenos eram o motivo de sua alegria na velhice. Gozava de boa saúde, mas sabia que os anos áureos de seu vigor haviam transcorrido. Procurava aproveitar da melhor maneira todos os momentos de alegria que a vida lhe oferecia. A filha fizera um esplêndido casamento, pois Francisco, muito previdente e oportunista, soubera ampliar em alguns anos a área da propriedade. Na partilha de uma propriedade vizinha, surgira a oportunidade de adquirir uma das parcelas que ficava contígua à Fazenda Santa Maria.
A decisão foi tomada em comum acordo e o negócio de compra foi fechado. A incorporação dessa nova área representava um acréscimo de aproximadamente 25% da área anterior à propriedade. Assim era possível ampliar a criação de gado de corte e também implantar uma área de plantio de arroz irrigado. Era uma alternativa para os períodos em que a carne sofria os efeitos da oscilação de preço no mercado externo. Em poucos anos produziam, a cada período, uma bela safra de arroz. Com isso o tipo de trabalhadores também mudou, pois peões habituados a trabalhar com o gado, não se adaptavam ao trabalho no plantio. Para o corte e debulha, tarefas nessa época ainda feitas manualmente, contratava-se trabalhadores temporários. Sempre havia gente em busca de trabalho. Ficavam imensamente gratos quando conseguiam algumas semanas de trabalho em troca de uma boa remuneração.
Em conjunto com Margarida, com apoio de Carlota, Francisco conseguiu junto às autoridades a instalação de uma escola no perímetro da fazenda. Serviria ao mesmo tempo aos filhos dos seus empregados, bem como aos dos vizinhos. Tanto Pedro como Julia e depois Joana cursaram ali os primeiros anos de escola. A professora viera de Santa Maria e se adaptou bem ao povo local. As crianças a adoravam e o aprendizado era ótimo. Houve uma tentava de removê-la para a sede do município, mas os moradores unidos fizeram pressão e ela foi mantida no posto. Em conjunto os moradores foi construída uma casa com uma pequena área para server de patio, horta, jardim e pomar e ela ali foi morar. Ficou para sempre grata pela consideração que lhe dispensavam e seu empenho foi redobrado na regência das classes de alunos.
As crianças cresceram e viram a avó ficar grisalha, depois branca e bem velhinha. Siá Balbina, já idosa há muito tempo, não suportou o peso dos anos e pouco antes da virada do século XIX para XX, entregou a alma a Deus. Houve uma comoção geral na fazenda e vizinhança, pois era muito benquista em toda parte. Foi pranteada longamente e depois recebeu homenagens a cada ano que se comemorava seu aniversário natalício. Todos queriam lembrar-lhe os dias alegres, o sorriso franco sempre presente em seu rosto.
Em meio a várias alternâncias no comando dos destinos do país, chegou-se a 1914 e chegou a notícia de que a Alemanha e seus vizinhos estavam em guerra. Por sorte ninguém aqui quis saber de se envolver no conflito e as consequências sentidas foram apenas no plano econômico, pois os países em guerra eram em maioria compradores de nossos produtos. A Guerra terminou e na Rússia explodiu a rebelião marxista levando à derrubada da monarquia, implantando-se em seu lugar um governo socialista que se prolongou até final da década de 80.