12. Toshiro Sakaguti entra em cena.
Ao voltar para casa Manoel encontrou Eduarda em companhia da mãe que for a chamada para auxiliar na separação dos presentes. Cumprimentou a sogra e olhou para a grande quantidade de coisas que via dispostas em uma aparente desordem. Quase que imediatamente foi informado da razão dessa separação. Não fazia sentido ficar guardando, talvez por anos, alguns utensílios e equipamentos. Principalmente eletroportáteis. Além de se tornarem obsoletos, havia a questão do transcurso do período de garantia. Melhor seria fazer a troca por alguma coisa que pudesse ser usada imediatamente, até mesmo na cozinha do bar. Ali a utilização era mais intensa e frequente.
Foi essa sua sugestão para liquidificadores, moedor de carne e principalmente jogos de garfos e facas de mesa. Em dias de maior movimento, por vezes era necessário lavar talheres e mesmo pratos para atender os fregueses. Ali poderiam dispor de boa parte do que haviam ganho em duplicidade. Inclusive panelas, bacias, travessas, sempre seriam úteis no estabelecimento. Eduarda imediatamente viu o acerto de sua decisão em pedir o apoio do marido destinação final dos presentes. Foi separado o que havia de maior qualidade e requinte para ser usado em sua mesa doméstica. Uma boa quantidade foi levado para baixo pelas mãos do ajudante do bar e da garçonete.
Arminda e sua ajudante receberam de bom grado o reforço de material. Estavam para solicitar a Manoel a compra. Agora isso ficava desnecessário. Ele lembrara da necessidade diante do aumento significativo de movimento ocorrido após a inauguração. Naquela noite, enquanto atendia os clientes e dava conta do caixa, Manoel conversou longamente com um deles que, coincidentemente era marceneiro. Ao falar da questão do armário para colocar as garrafas de bebidas exóticas, especialmente aguardente, o cliente se identificou, predispondo-se a fazer um projeto e trazê-lo a aprovação de Manoel. Diante dos olhos de clientes curiosos ele se pôs a medir as paredes, portas e as partes livres para instalação do móvel. Faria uma coisa bem harmoniosa com o prédio, um pouco antigo, além dos demais móveis do estabelecimento.
No mês de dezembro vencera a primeira parcela do dinheiro que ficara para trás da comprá do bar. Tinha feito o pagamento sem problemas. O seu Joaquim escrevera agradecendo e indagando do andamento dos negócios. Ele respondera que estava tudo em ordem e, segundo palavras de Francisco, houvera um aumento sensível do movimento com as alterações introduzidas. Com o retorno do casal, o propositor da ideia de realizar campeonatos de sinuca, pebolim e futebol de botão, retornou com um plano de realização alternada de jogos. Uma comissão organizadora seria montada, as regras elaboradas e submetidas à aprovação dos participantes.
Uma pequena taxa de inscrição seria cobrada para custear as despesas com os troféus, medalhas e alguma outra despesa. Se houvesse sobra seria usado na organização de uma comemoração de encerramento. Todas as partidas disputadas pagariam as taxas normais devidas ao uso das mesas e demais equipamentos. Eduarda sugeriu que incluíssem também as mulheres na disputa. Havia algumas que gostariam certamente de participar. Faltava apenas um convite. Os homens de entreolharam e depois da anuência dos outros interessados ficou estabelecido que haveria abertura para inscrições femininas. Nessa primeira experiência haveria uma competição separada para homens e mulheres. No futuro poderiam fazer duplas de mar
Nas próximas semanas o grupo se reunia várias vezes por semana em uma mesa do canto, depois da refeição noturna e também nos finais de semana. Elaboraram um rascunho do repulamento, fizeram cópias mimeografadas que foram distribuídas para receber críticas e sugestões. Depois de uma semana fizeram uma reunião e debateram as mudanças. As omissões foram incluídas, mudadas algumas regras até ficarem de acordo com a opinião da maioria. Alguém sugeriu a criação do clube de jogadores de sinuca, pebolim e futebol de botão. Manoel sugeriu que se realizasse o campeonato e depois, se corresse de acordo com o esperado, poderiam pensar na criação de uma associação ou clube.
O novo regulamento foi multiplicado, dessa vez em stencil a tinta para ficar mais nítido. Com a divulgação da participação feminina no campeonato, uma porção de esposas dos frequentadores começou a comparecer para jogar algumas partidas. Assim poderiam competir em melhores condições. Muitas tinham aprendido a manejar o taco em mesas particulares, havendo entre elas quem fizesse inveja a muitos marmanjos. As duplas foram formadas, havendo em alguns casos um reserva. Ele seria o jogador substituto do titular em caso de necessidade de se ausentar para atender ao seu trabalho. As inscrições foram feitas, chegando a um total de 40 duplas masculinas e 25 femininas.
Haveria também competição individual, com exceção do pebolim, onde sempre é necessário o jogo em dupla. Os inscritos no futebol de botão escolhiam o clube de sua preferência ou, na impossibilidade de fazer isso, inventavam um nome. Era permitido trazer seu próprio jogo de botões, desde que estivessem dentro das dimensões habituais. Assim as cores seriam as escolhidas pelos jogadores. As partidas seriam em turno e returno, todos contra todos. Cada partida valeria três pontos e em caso de empate cada competidor ou equipe ganharia um ponto. Os melhores classificados, metade dos inscritos inicialmente, disputariam uma segunda fase em forma de eliminatória. Dessa forma continuariam até restarem quatro competidores. Um quadrangular final determinaria os primeiros classificados. Para não criar tumulto as partidas de sinuca, pebolim e futebol de botão seriam realizadas em regime alternado.
Isso permitiria a formação de grupos de torcedores e até mesmo a participação da mesma pessoa em mais de uma modalidade. A previsão era concluir as três competições no final do mês de julho. Manoel analisou, junto com a esposa, que isso garantiria um movimento forte durante todos esses meses. Por outro lado haveria atração de novos frequentadores, interessados em participar de futuros campeonatos. Talvez até surgisse uma liga de associações entre os diversos bairros. Seria um intercâmbio interessante, uma diversão sadia e de baixo custo para os participantes. Antes de iniciar as disputas Manoel procurou as autoridades policiais em busca de orientação sobre o aspecto legal diante da lei. O delegado responsável sugeriu a obtenção de um alvará suplementar. Isso garantiria o respaldo diante das autoridades em caso de ocorrer algum distúrbio.
Nesse meio tempo o marceneiro trouxe o rascunho do projeto para confecção do móvel. Explicou detalhadamente, Eduarda deu sugestões de pequenas mudanças, que acabaram por deixar o resultado muito elegante. Discutiram o custo da execução e entraram em acordo de fazer isso em duas etapas. Era viável, sem prejuízo do efeito final. Eram na verdade duas partes que se harmonizavam, sem destoar ao ser instalada primeiro uma e depois complementada com a outra. Dessa maneira, as garrafas que semanalmente se acumulavam, teriam uma destinação adequada. O estabelecimento receberia um adorno complementar, em conformidade com sua atividade.
Com o campeonato em desenvolvimento, o tempo passava quase sem ser percebido. Todos os dias eram de movimento intenso. Os policiais da delegacia próxima costumavam vistoriar o local com relativa frequência, pois os torcedores que assistiam às competições, provocavam um alarido relativamente forte. Havia um limite de horário, devido à existência nas proximidades de residências. Isso impedia que as competições se estendessem até horas mais avançadas. Somente nos finais de semana havia uma tolerância, permitindo avançar um pouco além das 24 horas. Nos dias úteis, o ruído tinha que ser limitado após as 22 horas. Se houvesse reclamações dos moradores, poderia sofrer sanções, inclusive com cancelamento de alvará. Era comum fechar as portas, deixando apenas uma porta lateral aberta. Assim evitava-se o espalhamento do som para a vizinhança. Mesmo assim, era preciso cuidado.
O consumo de bebidas e alimentos no período de realização dos jogos era sempre elevado. Isso refletia no conteúdo da caixa registradora ao final de cada dia. Eduarda estava fazendo as aulas de Auto Escola, para obtenção de sua carta de motorista. O opala de Manoel estava ficando pequeno para as necessidades de transportar as mercadorias necessárias ao abastecimento. Estava pensando seriamente em adquirir uma pequena caminhonete, talvez uma kombi. Ela oferecia a vantagem de ser espaçosa e, ao mesmo tempo, proteger as mercadorias do sol e chuva. Não havia necessidade de que fosse nova, uma vez que seria empregada em percursos curtos. Para viagens dispunha do automóvel.
Procurou nas agências de revenda e encontrou uma com três anos de uso, revisada e com garantia por três meses. A grande vantagem era uma significativa redução no preço inicial. Fez o negócio com uma entrada de 30%, financiando o restante em 24 meses. Os juros eram vantajosos, tornando a aquisição à vista menos atraente. Por sorte havia lugar suficiente na garagem para os dois veículos. Não precisariam deixar nem um nem outro no relento. Em poucos dias Eduarda estaria fazendo o exame no Detran. Se fosse aprovada logo teria a CNH e poderia usar, tanto um quanto o outro veículo, para buscar mercadorias necessárias.
Quando precisasse atender aos pais em alguma emergência poderia se desincumbir do encargo sem problemas. Em momentos de viagem mais longa, poderiam revezar na direção e percorrer maior distância sem se cansarem além do recomendado. Ela estava animada com o aprendizado. Havia pensado em obter sua habilitação, mas não havendo em casa dos pais um veículo, o assunto havia ficado para mais tarde. Não era prioridade no momento. O casal se entendia muito bem em todos os sentidos. Pareciam feitos um para o outro. As divergências de opinião eram resolvidas com diálogo. A diferença de idade, em vez de dificultar o entendimento, parecia favorecer. Eduarda estava amadurecida o suficiente para ter ultrapassado a impetuosidade da juventude, enquanto Manoel for a temperado pelos contratempos da vida. Aprendera com os tropeços do passado.
Em meados de abril, durante a semana santa, deu o ar da graça no bar nosso já conhecido ToshyroSakaguti. Havia conhecido o antigo dono e passara um tempo longo desde sua última passagem por ali. O trabalho o havia mantido longe de alguns prazeres que lhe deveras agradáveis. Um deles era jogar sinuca e quando viu a placa, logo lembrou que antes não havia ali mesas de jogo. Apenas o bar e um restaurante bem limitado. A reforma deixara o local com aparência mais ampla, um visual mais atraente. Entrou e foi assistir aos jogos. Quando quis participar de um jogo ficou sabendo da realização nessa época de jogos do campeonato. No dia seguinte as mesas poderiam ser usadas pelos apreciadores, pois seria dia de jogos de pebolim e futebol de botão.
Procurou pelo novo proprietário e se apresentou. Não lhe passou despercebida a presença de garrafas variadas de cachaça. Várias dentre elas lhe eram conhecidas do tempo em que viajara constantemente a trabalho pela indústria agroquímica. Indagou como haviam vindo parar ali e soube serem presente de frequentadores ao retornar de viagens pelas regiões em que eram comercializadas. Em instantes entabularam animada conversação. Ele estava se aproximando da aposentadoria. Ainda tinha alguns anos pela frente, porém agora não mais tinha necessidadedesde viajar constantemente. Igualmente soube do acidente que resultara na aposentadoria de Manoel. O risco havia sido alto e a sorte for a grande em escapar com vida.
Eduarda veio ficar algum tempo com o marido e conheceu também o novo freguês. Também Toshiro casara com idade mais avançada. Estava com os filhos em idade de iniciar a vida escolar e pre-escolar. Era um homem sempre sorridente e logo combinaram se encontrar em momentos de folga. Toshiro ainda morava no bairro da Liberdade, não longe de onde nascera. A família inteira estava naquela região, convivendo com os demais descendentes de imigrantes nipônicos. Era sem dúvida a maior concentração de imigrantes e seus descendentes de japoneses for a do Japão. Até mesmo os nomes de lojas eram em grande parte com letreiros em estilo japonês. As cores da decoração das ruas, os edifícios eram fortes e alegres, bem no estilo oriental. Combinaram se visitar nos meses vindouros. Toshiro estava fixo em São Paulo, em função burocrática. Tinha sob sua responsabilidade uma grande equipe de trabalho.
Quando o mês de julho estava chegando ao final, os vários grupos de competidores estavam reduzidos a poucos remanescentes. Haviam vencido seus adversários nas diferentes modalidades de competição e iriam disputar os troféus da competição. Eram confeccionados com símbolos das competições em disputa. Além dos três primeiros colocados, haveria também o prêmio do goleador, melhor goleiro, taco de ouro, bola de ouro para os destaques nas diversas habilidades. Os prêmios estavam expostos em um armário envidraçado. Eram cobiçados por muita gene. Um artífice havia se esmeradona elaboração dos mesmos, uma vez que esse tipo de competição não era habitual. Os modelos iriam servir de inspiração para a produção de outras variações posteriores. Isso fizera o custo baixar e permitir que o dinheiro arrecadado cobrisse a despesa.
(http://www.elhombre.com.br/sustentei-minha-familia-apostando-na-sinuca-diz-rui-chapeu/)
Toshiro lamentou não ter vindo antes para participar da competição. Era bom na sinuca, como também no futebol de botão. Apesar disso era a primeira competição que via ser organizada nos moldes que haviam sido impressos no bairro. Iria se encarregar de difundir a ideia e talvez houvesse futuramente um campeonato a nível da cidade inteira. Quem sabe até mesmo da região metropolitana. Em várias ocasiões veio com a esposa e os filhos para assistir aos jogos finais das competições. Era emocionante ver os melhores jogadores se empenhando ao máximo para derrotar os adversários. Como não poderia haver mais de um primeiro lugar, havia nas regras um critério de desempate, caso assim acontecesse na averiguação final da pontuação. Daí o grande empenho em sair vencedor de qualquer forma.
Rui Chapeu com repórter da época. |
Os torcedores formavam verdadeiros grupos organizados, uns vaiando, outros aplaudindo alternadamente quando era a vez do outro jogar. Nunca havia visto tamanho empenho em vencer uma partida de sinuca, uma disputa de pebolim ou um jogo de futebol de botão. Até jornalistas estavam presentes para registrar os lances mais emocionantes. Cada bola mandada para caçapa, cada gol, era celebrado com muitos vivas e urras. O bar se tornava uma miniatura do Morumbi ou Parque Antártica. Um mini Maracanã, e os atletas eram hábeis no manejo dos tacos ou dos bonecos da mesa de pebolim. Os melhores no manuseio dos botões, colocação dos goleiros, disposição dos defensores eram celebrados.
Por final, ao anoitecer do último domingo de julho, a última partida de sinuca foi encerrada e todos os campeões, vices, terceiros colocados estavam determinados. Também os destaques nas variadas aptidões puderam ser identificados. Foi marcado o próximo domingo, primeiro do mês de agosto, para comemorar o encerramento e fazer a entrega dos troféus. O almoço seria especial e festivo. Os convites estavam prontos para serem vendidos com antecedência. Uma porcentagem ficaria para o grupo organizador, servindo de caixa para iniciar uma entidade encarregada de organizar outras competições similares. Não foi esquecido o lucro normal do estabelecimento que arcaria com o trabalho e despesas com fornecimento dos alimentos e bebidas.
Estavam analisando a criação uma associação de sinuca, pebolim e futebol de botão. Um jornalista presente ao evento final informada da existência de uma federação paulista de sinuca e bilhar. Poderiam se filiar depois de registrar o estatuto, cumprir as demais formalidades. Assim as próximas competições poderiam envolver outros salões, congregar maior número de participantes. Se a competição local for a acirrada, era fácil imaginar o efeito causado por uma concorrência com jogadores de outros bairros. O pebolim e futebol de botão ficariam includidos na associação e quando houvesse a formação de federações ou associações a nível metropolitano ou estadual cuidariam da respectiva filiação.
Gradativamente Eduarda assumira a parte administrativa da cozinha. Planejamento de novos pratos, estabelecimento de cardápios, análise de custos e formação de preços das refeições. Deixara por conta de Arminda e suas agora duas ajudantes o comando dos trabalhos junto ao fogão. Haviam decidido em comum acordo com Manoel tentar uma gravidez antes do final do primeiro ano de casados. Nem ela, muito menos ele, estavam em idade de protelar indefinidamente tal momento, pois apreciariam serem avós com idade de gozar esses momentos devidamente. Se se tornassem pais quando a idade de ser avós estivesse próxima, dificilemente teriam energias para curtir os netos.
O almoço foi longo e concorrido. Todos os convites haviam sido vendidos previamente, ficando muita gente querendo que se desse o famoso jeitinho. Só um, ou dois, e assim o número foi acrescido de pelo menos 20% do previsto inicialmente. Dessa forma os últimos comensais terminaram de almoçar quando já eram 15h do primeiro domingo do mês de agosto. No espaço das mesas de jogo havia sido preparado um pequeno palco para realizar a cerimônia de premiação dos vencedores das diversas modalidades de competição. Na hora da cerimônia, os jogos ficaram suspensos de modo a permitir a quem quisesse assistir a cada lance. Novamente jornalistas diversos estavam presentes, sem esquecer uma equipe de reportagem televisiva para divulgar o final do evento no programa Fantástico da Rede Globo naquela noite.
O estabelecimento esteve lotado de clientes a tarde inteira, em grande parte atraídos pelo evento, outros curiosos vindo bisbilhotar o que estava ocorrendo. Nas semanas seguintes os membros da comissão organizadora tiveram encontros com vários líderes de outros bairros, grupos de apreciadores dos jogos. O interesse era organizar competições semelhantes em suas regiões e a experiência serviria de balizador para formas de organização, estabelecimento de regras. O que deveria ser promovido, evitado e proibido. Toda experiência que pudessem levar era valiosa. Ninguém se furtou a compartilhar o aprendizado. Cada um que participara aprendera muito com essa atividade. Até mesmo para levar a outros setores da própria vida, em seus estabelecimentos comerciais de outras naturezas. Havia sempre algo a aproveitar.
Na semana depois da entrega dos trofeus, Eduarda presto o exame de motorista. No dia aprazado estava nervosa e apreensiva. O instrutor foi irrepreensível no seu comportamento. Encarou o momento como algo corriqueiro, procurando deixar a aluna em estado de mais uma aula. Dessa forma conseguiu fazer com que ela não hesitasse para por em prática o que aprendera nas horas de aulas práticas e teóricas. O exame psicotécnico e teórico havia sido feito com antecedência. Dessa forma, a aprovação no exame prático significaria a entrega do documento final após alguns dias depois do exame. Apesar de pequenos erros cometidos, ela se manteve dentro do limite estabelecido para determinar a reprovação.
Chegou em casa com o rosto sorridente. For a aprovada sem problemas. Em apenas alguns dias teria em mãos o documento tão esperado. Não precisaria esperar por Manoel para usar o carro e em caso de necessidade prestar ajuda a ele mesmo. Era uma complementação de sua cidadania. Sentia ser desse momento em diante um pouco mais cidadã do que havia sido até ali. Deu um abraço no marido, seguido de um beijo carinhoso. Para completar faltaria apenas confirmar o que vinha suspeitando há alguns dias. Sua menstruação estava com alguns dias de atraso, mas aguardava sentir o primeiro enjoo para então dar ao marido a notícia da provável novidade. Queria lhe fazer uma surpresa.
Antes de receber sua CNH, teve a sensação que aguardava. Ao escovar os dentes pela manhã sentiu uma leve ânsia, porém logo passou. Quando estava na cozinha preparando com Arminda a lista de compras necessárias para o final da semana, sentiu recrudescer o enjoo. Dessa vez não conseguiu evitar o vômito, precisando correr rapidamente para o lavabo existente ali perto. A cozinheira, dada sua experiência como mãe de cinco filhos, logo soube o que acontecia. Seguiu a patroa para lhe oferecer apoio se fosse necessário. Ao voltarem do lavabo e Eduarda sentar-se para recompor o ânimo, Manoel entrou ali justamente em busca da lista. Ao ver a esposa sentada e um pouco pálida, ficou alarmado. Diante de seu rosto que exprimia angústia, Arminda falou:
– Não é nada para preocupar. Isso deve passar logo e daqui a nove meses mais ou menos vai aparecer a surpresa.
– O que a senhora está dizendo, dona Arminda?
– Acho que vai gostar da surpresa, seu Manoel. Sua esposa está grávida e vai ter um filho. Essa é a novidade.
– Minha Nossa Senhora de Fátima! Quer dizer que eu vou ser pai? Isto é maravilhoso. Vou hoje mesmo contratar uma empregada para fazer o serviço de casa. Não quero minha mulher trabalhando durante a gravidez. Ela pode se machucar e eu jamais me perdoaria.
– Vai com calma seu Manoel. Gravidez não é doença. Eu mesma trabalhei até quase chegar a hora do parto dos meus filhos. Um pouco de atividade faz mais bem do que mal.
Ele se ajoelhou aos pés da esposa e de mãos postas como se fosse rezar, falou:
– O minhã querida! Tu me fazes o mais feliz dos homens. Deus seja louvado. Vou ligar para sua mãe e dar a noticia.
– Espera meu bem. Vamos dar essa notícia juntos. Hoje à noite, deixamos o Francisco e Arminda cuidando um pouco daqui. Vamos fazer uma visita a eles e contamos a novidade.
– Está bem. Se esta é sua vontade, está ótimo. Não a quero contrariar.
– Também não precisa me tratar como se agora eu fosse de vidro. Continuo sendo sua Eduarda de sempre, meu amor.
Terminaram de fazer a lista e os dois saíram juntos para fazer as compras. Manoel estava especialmente falante, parecia uma criança que ganhou brinquedo novo. Era preciso controlar sua loquacidade para não perder tempo com conversações necessárias. Nunca o vira tão falador. Com alguma dificuldade conseguiram voltar a tempo de estarem presentes ao início da hora do almoço. Esse momento era em geral crucial, pois muita gente havia tornado o estabelecimento seu ponto de encontro, o lugar de fazer sua refeição. Outros iam ali adquirir a refeição para levar até a casa e servir à família, toda ocupada em seus trabalhos ou atividades escolares.
Os primeiros a saber da novidade em curso foram Francisco, o outro garçom e a garçonete. Manoel não soubera se conter e lhes contara. Estava eufórico e até alguns clientes mais próximos ficaram sabendo do fato. Desse modo em pouco tempo o bairro inteiro estaria sabendo da novidade. Eduarda, mesmo ardendo de vontade de ligar para a mãe e lhe contar, manteve o controle e esperou pela visita daquela noite. Iria contar à sua família pessoalmente, sem usar de meios intermediários.
A noite custou a chegar e Manoel viu foi uma Eduarda especialmente radiante, pronta para sair. Foi com satisfação que embarcaram no automóvel para percorrer a distância até a casa dos sogros. Ao seu lado a esposa, recostou languidamente a cabeça em seu ombro e ele dirigiu lentamente. Não queria alterar o prazer de sentir aquele momento. Haviam começado em dois há alguns meses e nesse momento existia um minúsculo conjunto de células em rápido crescimento dentro do corpo de Eduarda. Dali nasceria em alguns meses um novo ser, fruto do amor que sentiam um pelo outro. Demoraram bem mais tempo na viagem, mas a ele pareceu pouco o tempo.
Os pais estranharam a visita num dia de semana, um pouco for a do habitual. Mesmo assim aguardaram para saber o que os levara ali naquele momento. Mãe sintonizada com os filhos, logo se liga nas alterações. Dessa forma Manoel ouviu a sogra falar logo depois:
– O que vocês dois estão escondendo?
– Nada minhã sogra.
– Fale minhã filha. Teu marido está querendo me enganar. O que está acontecendo?
– A senhora é adivinha, mãe?
– Vocês não iriam vir aqui sem ter um motivo, na sexta feira á noite, logo quando o movimento no bar é forte. Pode desembuxar.
– Não dá para enganar a senhora. Então lá vai a novidade. Vocês vão ser avós. Senti os primeiros enjoos hoje e minhã menstruação está atrasada.
– Está vendo! Eu sabia que aí tinha coisa.
– Bem, isso quer dizer que vou ser vovô outra vez. O pior vai ser dormir com a avó depois. Hahahahahahaha, falou o pai de Eduarda.
– Sim e eu preciso dormir com o vovô. Também tenho do direito de reclamar.
O casal não demorou pois precisariam dar apoio aos servidores. Logo se despediam para retornar e assim chegaram a tempo de socorrer Francisco e os demais. Eduarda subiu para descansar. Os primeiros dias de gestação estavam provocando alterações inesperadas em seu corpo e sentia um leve cansaço, apesar de não ter feito esforço considerável durante o dia. Ao fechar próximo da meia noite, Manoel a encontrou dormindo aconchegada na cama, em posição semelhante a fetal. Parecia querer abraçar o filho ainda minúsculo em seu seio. Deitou-se suavemente e a cobriu com coberta mais adequada. Parecia tão frágil naquela posição e provavelmente sentiria frio de madrugada. Figou um longo momento acordado, pensamentos voltados para o céu, intercedendo pelo desenvolvimento satisfatório do embrião que se formava.
Já o imaginava em seus braços, dizendo mamãe, papai e gatinhando pela casa. Depois os primeiros passos, passeios no parque, vendo filmes infantis na televisão. Um munto inteiro diferente de seu tempo de criança. Vivera o auge de seus anos infantis e se aproximara da puberdade enquanto na Europa rugia o furor da guerra. A cada passo temiam um bombardeio, uma agressão inesperada, malgrado a aparente neutralidade do regime nacional. Seu filho, ou filha, iria nascer sob os auspícios de um governo provavelmente civil ou pelo menos próximo disso, depois de longos anos de regime militar. Os ventos democráticos sopravam no país que adotara por pátria, e onde crescer economicamente, tornando-se hoje um pequeno e próspero comerciante.
Queria dar ao ser que iria vir ao mundo, uma condição mais promissora do que tivera em sua meninice. Adotara aqui a devoção a Nossa Senhora Aparecida e prometeu ali naquele momento levar a família ao santuário depois do nascimento se tudo ocorresse a contento. Sabia que Eduarda concordaria, pois era muito devota, inclusive mantinha uma pequena imagem da santa sobre a penteadeira, ao lado de seus artigos de toucador.
Edésio Reichert07/01/2015 at 9:17 AM
Prezado Décio bom dia. Sou amigo da Angela Muller, que postou no seu blob, imagens e comentário do Movimento Pessoas Melhores. A partir disto, o senhor fez um comentário, que ela me passou, que gostaria de ver publicado no site http://www.pessoasmelhores.com Caso concorde e queira, se puder acessar o site e colocar o mesmo comentário, ficaríamos muito gratos. Influenciar mudanças culturais positivas, no sentido da verdadeira educação e da instrução, é o maior desafio, para se construir um país melhor. Obrigado pela compreensão.
Décio Adams08/01/2015 at 5:17 PM
Prezado amigo Edésio! Como estou empenhado no momento em migrar meus blogs para domínio próprio, mudança de plataforma e todas as configurações, estou com pouco tempo. Mas autorizo usar o meu comentário e publicar no site de Ângela Muller, se é que ela já não o fez. Mas não existe restrição quanto a isso.