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Fantástico mundo novo! – Volume III – Recomeço em Orient – cap. 03 – Novas expedições exploratórias.

  • Novas expedições exploratórias.

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    Os longos anos de entrevistas com Arki, haviam ensinado Mink a não tomar decisões apressadas. Convocou, para o período da manhã do dia seguinte, os dez membros iniciais, na verdade os chefes dos dez grupos. Em conjunto tomariam a decisão sobre a conveniência da implantação de uma colônia na região explorada pela expedição. Seria a primeira iniciativa de colonização e serviria de modelo para futuras colônias a serem estabelecidas em pontos mais distantes. Havia toda a questão de logística, de comunicação. Para começar, tentariam encontrar um caminho mais fácil. Se pudessem navegar até um ponto da costa, mais próximo da localização do lago, ficaria facilitado o transporte de material, suprimentos e equipamentos.

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    Os objetivos tinham que ser definidos, para selecionar os integrantes, especialmente os detentores de habilidades próprias às atividades que seriam desenvolvidas no local. Depois de verificar com os carpinteiros e construtores de embarcações a possibilidade de prover esses meios de transporte em tempo não muito longo, foi formado um grupo menor que faria a verificação da viabilidade de um caminho do lago ao oceano. Esse grupo partiria dentro de três dias. Para evitar erros, começariam pelo lago, seguindo na direção do poente. Independente disso, os metalurgistas receberam a incumbência de providenciar as peças metálicas que iriam ser utilizadas na construção dos barcos. Uma pequena fundição, em ligação direta com uma oficina de manufatura de objetos metálicos, estava em vias de começar a funcionar.

    Tomadas essas primeiras providências, foi a vez de dar aos pesquisadores que haviam acompanhado a expedição, o encargo de projetar as possíveis atividades para o assentamento próximo ao lago. Tal projeção deveria ser feita em questão de, no máximo, duas semanas. Até lá os desbravadores teriam possibilidade de retornar com a notícia da viabilidade do caminho por mar. Ao mesmo tempo começou-se por selecionar criteriosamente os integrantes da colônia. Era preciso ser cauteloso. Não se tratava de mera aventura. Não seria possível ficar substituindo, por qualquer motivo, os membros ali residentes. Seriam exigidos sacrifícios sem sombra de dúvida. Quem tivesse em mente apenas a vivência de fatos diferentes, sem disposição para suportar algumas privações, estaria melhor ali na sede. Os chefes se comprometeram com a escolha de elementos capazes e dispostos para a tarefa.

    O grupo destacado para desbravar a região entre o lago e a costa oceânica, voltou em menos tempo do que o esperado. A costa, pouco para o sul da desembocadura do rio, fazia uma curva para leste, o que a aproximava do lago. Haviam encontrado um local que serviria naturalmente de ancoradouro e ponto de desembarque/embarque de tudo que fosse necessário. Era uma baía protegida, onde as águas eram muito pouco agitadas. Depois de percorrer um caminho mais longo, haviam identificado outro local, muito mais fácil e mais curto. O caminho do rio seria uma alternativa, mas apresentava o inconveniente da cachoeira nas proximidades da foz. Isso implicaria em transbordo de produtos de um barco abaixo para outro acima do acidente, ou no sentido inverso.

    Diante dessa possibilidade, formou-se uma força tarefa para abrir o caminho da costa até o local da instalação da colônia. Enquanto isso os construtores de barcos providenciariam esses meios de transporte. A metalúrgica encontrava-se em condições de fornecer as peças necessárias. Antes de tudo foi feita a encomenda de ferramentas para uso pelos trabalhadores na abertura da estrada. Quando isso ficou pronto, uma frota de pequenos barcos levou o grupo de trabalhadores até o local, para dar início a abertura da estrada. Estava iniciado o trabalho a sério. Até aquele momento, grande parte da população havia estado parcialmente ociosa. Era preciso dar trabalho a toda essa gente, ou começariam a aparecer intrigas e confusões.

    Prevendo tais coisas, Mink determinou a organização de atividades agrícolas nas proximidades do acampamento inicial. Assim, aqueles que não detinham a prática nessa atividade, teriam oportunidade de desenvolver mais essa habilidade. Os trabalhadores da mina eram substituídos em regime de turnos de uma semana. Assim, ninguém ficaria demasiado tempo nas condições pouco salubres dentro das galerias, extraindo o precioso metal. Isso serviu de inspiração para o futuro. O trabalho de mineração deveria ser atividade temporária, alternando com outras, de modo a dar ao organismo condições de se recuperar dos efeitos nocivos da exposição ao ar rarefeito e úmido no interior das minas. Era fato conhecido do tempo de vida na Terra, que os trabalhadores das minas, em geral, tinham a vida encurtada, devido às péssimas condições de trabalho.

    Não era essa a intenção, pois a vida das pessoas trazidas para ali, era preciosa demais. Se a extração de minério era algo vital para o progresso, deveria ser encontrada uma solução para o problema dos trabalhadores. Havendo uma alternância de atividade, se fosse impossível eliminar totalmente o problema da insalubridade, pelo menos ficaria reduzido a um mínimo inevitável.

    Com a disponibilidade de ferramentas, produzidas pela metalúrgica, os trabalhadores se puseram em ação. Começaram por providenciar madeiras para a obtenção de pranchas, que serviriam para a construção de barcos. Os orientadores intermediários haviam indicado a espécie de madeira mais apropriada para esse fim. Era suficientemente leve e durável para ser usada em contato constante com a água do mar. Em poucas semanas havia uma boa provisão de madeiras de diversos tipos, pronta para ser usada. Os construtores escolheram os locais para a execução dos trabalhos, visando a facilidade de lançamento ao mar, uma vez concluída a construção. Isso tinha suas exigências, como profundidade suficiente, mas também costa pouco acidentada. Assim seriam minimizadas as chances de ocorrência de acidentes no momento de colocar as embarcações na água.

    Entre os animais disponíveis para domesticação, havia uma espécie que apresentava condições de se adaptar ao trabalho de tração. Os especialistas na domesticação haviam dado início a esse trabalho, tão logo haviam desembarcado no planeta. Com algum esforço, haviam conseguido resultados satisfatórios. Ao mesmo tempo estavam procurando por alguma outra espécie que tivesse maior aptidão para a finalidade. A espécie disponível não permitia o transporte de cargas grandes, limitando sua aplicação. Seria necessário associar várias parelhas para o transporte de volumes maiores de produtos. Acabaram encontrando, em prados mais distantes, uma espécie selvagem, bastante semelhante ao boi da terra. A dificuldade inicial foi capturar os exemplares. Pouco tempo depois perceberam que a domesticação e doma, apresentavam pouca dificuldade. Eram provavelmente uma espécie um dia utilizada para tal fim, mas, com o progresso da civilização, deixou de ter utilidade. Os rebanhos usados na produção de carne, haviam sido dizimados na ocasião do desastre. Uns poucos exemplares, haviam se espalhado pelos campos e conseguindo sobreviver. Aos poucos se multiplicaram, chegando a existir grandes manadas no momento.

    A notícia da descoberta foi celebrada com júbilo. Eram animais de constituição robusta e aparentavam ser providos de excelente capacidade de trabalho. Ao mesmo tempo serviriam como fonte de carne para alimentação. As fêmeas poderiam produzir leite, tão necessário para alimentação infantil, pós desmame das mães. Havia um estímulo especial para que as mulheres gerassem o máximo possível de filhos, aumentando o número de indivíduos da população. Tinham um planeta inteiro para povoar e isso exigia empenho. Em consulta com Nemur, Mink foi orientado a permitir a poligamia, uma vez que habitualmente havia maior número de mulheres do que homens. No futuro seria desejável o retorno à monogamia, mas no momento atual, convinha não perder tempo. Um mesmo homem é capaz de fecundar inúmeras mulheres, embora isso crie alguns problemas.

    As mulheres casadas, ficaram apreensivas, pois poderiam perder a preferência dos maridos, uma vez que lhes seria permitido desposar outra mulher disponível. Havia um razoável número de crianças nascidas em Orient. Eram os primeiros cidadãos nativos do planeta, depois da extinção da raça primitiva que ali se desenvolvera. Quem ficou contente com a liberação, foram algumas mulheres, já mais maduras, que estavam considerando seriamente a possibilidade de ficarem solteiras. A permissão de ter mais de uma esposa, para os homens dispostos a tanto, abria uma possibilidade a elas também terem sua prole, formar sua família.

    Edith, ao saber da novidade, esperou a chegada de Mink em casa e o olhou de modo indagador. Diante de sua postura, que demonstrava certa indignação, ele falou:

    – Podes ficar descansada. Tenho ocupações em demasia, para querer me preocupar com mais uma mulher e crianças para alimentar. Vou deixar essa tarefa aos homens mais jovens e com menos preocupações do que eu.

    – Por mim até que podes tomar outra esposa, mas eu serei a primeira e mando na casa.

    – Minha querida! Já falei que não vou por outra mulher aqui em casa. Eu mal tenho tempo para dar atenção a você e nossos filhos. Para que vou colocar outra mulher e mais filhos aqui? Para ouvir reclamações de falta de atenção? Não, meu amor. Vou cuidar da tarefa que assumi e com isso tenho ocupação suficiente.

    – Pode ser que o povo espere de você o exemplo. O líder geralmente é visto como alguém a ser seguido. Se for assim, não restará alternativa.

    – Vai logo aparecer o primeiro a tomar a segunda esposa. Depois disso, vai faltar mulher para tanto homem querendo a segunda companheira. Não vou entrar nessa disputa, pode ter certeza.

    – Pode ser que passem a me considerar uma mulher ciumenta e egoísta por isso.

    – Você, egoísta? Só quem não a conhece pode pensar uma coisa dessas. Se alguém disser alguma coisa, pode deixar que eu faço sua defesa.

    Ela chegou perto e o abraçou, depois disse:

    – Eu bem que sinto ciúmes de você, sabia?

    – Eu sei, mas não ao ponto de fazer cenas ou escândalos.

    – É claro que não. Confio na minha capacidade de sedução.

    – E como gosto de ser seduzido por você. Que tal começar agora mesmo a me seduzir?

    – Isso não é hora. Os filhos estão chegando e não é bom que nos vejam em atitudes inconvenientes.

    – Um dia eles vão ter que aprender.  Mas está certo que é melhor não verem o pai amando a mãe deles, assim sem mais nem menos.

    – Venha tomar um refresco, pois vejo que está suado e até um pouco pálido.

    Ele a acompanhou até a cozinha onde ela lhe ofereceu um refresco que havia aprendido a preparar com frutas da estação. Era uma delícia. A sede que sentia foi embora rapidamente, depois de beber duas canecas de refresco.

    – Que refresco excelente. Isso é novidade!

    – Eu e minha irmã fizemos hoje. É fruta de época e existe em quantidade. Tem aparência de ser muito rica em nutrientes.

    – Dá uma sensação de saciedade. Realmente deve ser ótimo alimento.

    – Temos que descobrir o que é possível comer e fazer uso do que a natureza nos oferece aqui. São vários tipos de frutos que precisamos descobrir para que servem. Se forem todos comestíveis, teremos uma grande variedade a disposição. Apenas uma questão de tempo para saber todos os pormenores.

    – É provável que a maioria seja comestível. O que talvez seja necessário, é identificar as quantidades recomendáveis para o organismo da gente. Os excessos podem sempre trazer problemas.

    – O melhor a fazer é nunca começar comendo muito. Até mesmo se for prejudicial, em pequenas quantidades não farão tanto mal quanto em dose exagerada.

    – Você é uma mulher inteligente e previdente também. Eu não sei o que seria de mim sem você.

    Depois desse diálogo, os filhos chegaram em alvoroço. Haviam visto pouco antes um animal diferente e bem grande. Ele era assustador pelo tamanho, mas o comportamento era calmo e tranquilo. Mink quis ir ver, mas foi informado de que ele já sumira dentro do mato que havia nas proximidades. Teria que perguntar a algum adulto que vira ou esperar nova oportunidade para conhecer o tal animal. Edith ordenou a todos que fossem se lavar antes de sentar para a refeição da noite. Logo estavam todos na fila do lavatório, esperando a sua vez.

    Pouco depois sentaram para comer. As brincadeiras da tarde e as lições de matemática ou outros conteúdos haviam produzido seu efeito. A fome estava apertando. Durante a refeição quiseram saber do pai se era verdade que os homens poderiam viver com mais de uma mulher e se ele também iria trazer outra mulher para viver com eles em casa. Mink olhou para a esposa, depois mirou demoradamente cada um dos seis filhos e filhas, antes de perguntar:

    – E vocês gostariam que eu fizesse isso?

    – Eu não quero outra mãe. – Disse o mais novo, na inocência de seus dois anos.

    – Mas ela não seria tua mãe. Ela teria os próprios filhos. – Falou o mais velho.

    – Eu não ia gostar disso. É tão bom a gente viver assim na nossa família. Imaginou ter outra mulher, quem sabe bem chata, aqui dentro de casa? – Disse por sua vez a menina mais velha.

    – Eu também não quero.

    – Nem eu.

    – Podem ficar tranquilos, meus filhos. O papai não vai trazer outra mulher para viver aqui com a gente. Isso fica para os outros. Mesmo assim, o homem vai precisar se entender com a própria esposa, para arrumar outra mulher. Não bastará colocar mais uma dentro de casa e acabou. É preciso concordância, acordo. A finalidade é aumentar depressa a população.  Há uma grande quantidade de mulheres solteiras e sem homens para casar com elas. Se um homem puder ter filhos com mais de uma, vamos ter mais habitantes em menos tempo.

    – Eu acho que isso vai dar é muita briga.

    – Por isso é preciso ser muito criterioso nessa questão. Não são todas as mulheres que irão aceitar essa situação. Apesar de que não faz tanto tempo, era bastante comum, um homem ter mais de uma mulher. Em outros tempos, uma mulher tinha mais de um homem. As coisas mudam. Até o dia em que Orient atingir o estágio de Luz e Vida, muitas coisas mudarão de forma bem intensa. Mas isso é coisa de cada época e as pessoas irão que se acostumar.

    – O pai de um amigo meu avisou à mãe dele que vai trazer outra mulher para casa. Ela não gostou nem um pouco, mas parece que vai ter de aceitar de qualquer jeito.

    – O orientador aconselhou que isso fosse feito, mas sempre de comum acordo entre os casais. A finalidade é gerar muitos filhos para povoar o planeta. Embora não tenhamos prazo estabelecido, quanto antes conseguirmos ocupar o território, melhor para todos.

    – Depois vai voltar a ser normal cada homem viver apenas com uma mulher, não é pai?

    – Isso o futuro vai decidir. Até que isso aconteça, eu já vou estar na eternidade, há muito tempo. Até vocês meus filhos, terão percorrido uma boa parte da jornada para o Paraíso.

    – Eu, que sou mãe de vocês, não estou preocupada. Por que vocês deveriam se preocupar? Fiquem sossegados.

    – Que bom. Vamos ter o papai e a mamãe só para nós.

    – Quem falou que não vamos ter nenhum outro filho? – Disse Edith.

    – Ah mãe! Mas daí vai ser nosso irmão completo. Se fosse só do papai com outra mulher, seria apenas metade nosso irmão.

    – Não se deixem levar pelos ciúmes, meus filhos. Nós todos somos filhos do Pai Universal. Ele nos ama de modo igual a todos, sem exceção.

    – Papai, existem outros mundos como esse daqui e aquele de onde nós viemos?

    – Pelo que sei, há muitos, mas muitos mesmo. Eu nem saberia contar todos. E o Pai Universal sabe o nome de todos os filhos, de todos esses mundos que já existem e muitos outros que ainda vão existir. Ele está sempre criando novos mundos, pelas mãos dos seus filhos criadores, os chamados Micaéis.

    – E de onde ele tira material para fazer todos esses mundos? Ele tem um depósito bem grande cheio de material?

    – Sinceramente, meus filhos, isso eu não sei responder. Sei muitas coisas, mas há outras que eu não sei e nem conseguiria compreender. Nem adianta tentar entender. A cabeça da gente não dá para tudo isso.

    – Eu pensei que o papai fosse o homem mais inteligente que existe.

    – Não se frustre minha menina. Não é por ser mais ou menos inteligente, que vou deixar de ser um pai amoroso e dedicado a vocês.

    – Acho que é hora de irem para cama. Ou amanhã vão dormir nas aulas e depois não vão ter forças para brincar.

    – A mãe de vocês tem razão. Peçam ao Pai Universal a benção para todos nós e vão dormir. Antes um beijo na mãe e no papai.

    Um a um eles abraçaram e beijaram os pais. Depois foram para cama, com exceção da caçula. Ela fez dengo e esperou que a mãe a levasse no colo até a sua cama. Ajeitou-se no leito aconchegante e recebeu um beijo da mãe, devolvendo outro. Murmurou uma prece, nas suas palavras ainda um pouco desconexas, mas lembrou dos irmãos, do pai e da mãe. Sabia que essas pessoas eram sumamente importantes em sua vida. Mais alguns minutos e estavam todos dormindo serenamente. O casal uniu forças para deixar tudo arrumado na cozinha, de modo a facilitar as coisas na manhã seguinte. Era desagradável chegar para preparar o desjejum e encontrar um monte de utensílios sujos, esperando ser lavadas. Era um momento em que o casal sempre trocava as impressões mais íntimas, confidências e iniciavam as carícias, que depois se prolongavam na cama.

    Depois foram para sua alcova, onde, depois de um breve interlúdio sensual, se amaram como era habitual. Sentiam-se parte um do outro e não saberiam viver separados. Sequer aceitavam cogitar na possibilidade de colocar outra pessoa entre eles, como o caso de uma mulher como segunda esposa, apenas para gerar mais filhos. Se empenhariam em ter o máximo possível de filhos. Esperavam compensar de certa forma a não adesão à poligamia. Quem sabe naquele momento de amor houvessem gerado mais um membro da família. Era uma possibilidade e a caçula estava com mais de um ano de idade. Se concebessem outro filho agora, até nascer ela já estaria bem além dos dois anos de vida.

    Os dias seguintes foram de atividade intensa, visando à preparação dos pioneiros que iriam implantar a primeira colônia alguns quilômetros ao sul do lugar em que haviam desembarcado. Pensava-se em enviar inicialmente um contingente de 300 pessoas, podendo posteriormente ocorrer o envio de mais gente, se isso fosse conveniente. Era preciso comedimento em todas as decisões. Os excessos, bem como as faltas, podem provocar transtornos indesejáveis.

    Em reunião realizada nos dias que sucederam ao retorno da primeira expedição, ficou estabelecido que iriam enviar mais duas expedições, sendo uma encarregada de se dirigir no sentido leste, a partir do ponto em que estavam. A outra seguiria mais para o sul, onde sabiam haver uma ligação com o continente existente nessa direção. Buscariam encontrar o lugar mais adequado para implantar outras colônias. Era importante encontrar novas fontes de recursos naturais, para fazer frente às necessidades de toda sorte que iriam enfrentar. O encargo era encontrarem solo próprio para agricultura, como também jazidas minerais. Não se preocupariam, por ora, com a possibilidade de descobrir metais e pedras preciosas. Havia tempo para isso no futuro. Suspeitavam da existência de solos de características diversas, bem como variedades vegetais apropriadas para cultivo comercial, em regiões com climas mais quentes, assim como nos mais frios. Importava começar a desvendar esses segredos de Orient.

    O contingente de pioneiros da primeira colônia, estava quase pronto, quando as duas expedições, partiram simultaneamente, em sentidos opostos. Iam preparados para demorar alguns meses, talvez mesmo um ano, entre ida e vinda. Não haviam recebido recomendação de retornar, tão logo encontrassem o primeiro local apropriado para uma colônia. Um especialista em desenhar mapas e croquis, ia na companhia de cada grupo. Deveriam preparar uma descrição gráfica e por escrito dos locais, para facilitar a identificação na hora de enviar os pioneiros para implantar a colônia. Vários integrantes das expedições, partiram deixando em casa a mulher grávida, esperando um filho que possivelmente nasceria antes do retorno do pai. Partiram com o coração apertado, pois sempre existe o perigo natural em situações dessa natureza. As companheiras e filhos pequenos ficaram igualmente em prantos. Mas sabiam o que os esperava quando decidiram aceitar o desafio de vir repovoar o planeta.

    Os vizinhos, parentes e amigos se encarregariam de prestar socorro, em caso de necessidade. Os dias passaram e ficou tudo pronto para a partida dos pioneiros da primeira colônia. Entre os integrantes, havia quem deixasse para trás os pais, irmãos e amigos. Estariam a pouca distância, permitindo que viessem visitar quem ficou, e estes poderiam percorrer a curta distância até a colônia. Estavam ali para repovoar um planeta onde florescera uma civilização bastante avançada. Porém o desequilíbrio entre o avanço científico/tecnológico e a vivência religiosa, ocasionou um conflito armado, que levou a espécie humana ao extermínio. Esses Urantianos estavam destinados a se tornar a nova população de Orient.

    A equipe de mineiros e metalurgistas estava realizando significativos avanços. A mina, aparentemente esgotada, revelara novo veio de minério, com promessa de nível aceitável de produção, aumentando assim significativamente a reserva disponível. Tinha a vantagem de estar perto, facilitando o transporte para o local de processamento. A fundição estava em funcionamento, produzindo lingotes, barras e blocos de ferro, com ótimo desempenho na fabricação de toda sorte de objetos desse metal. Não longe da mina de ferro, havia outra gruta, que acabou se revelando na verdade uma antiga mina de cobre, além de outros metais associados. Eram todos muito úteis na manufatura de objetos metálicos. Os mais dúcteis, eram empregados onde não fosse requerida a resistência, mas boa maleabilidade, para obter formas variadas.

    Essas descobertas tiveram como resultado o deslocamento de mais trabalhadores para a extração mineral. Nesse momento havia falta de tudo, no que dizia respeito a objetos metálicos. Misturando cobre com estanho, fabricaram as primeiras moedas, a serem empregadas nas trocas entre os moradores. Desde o sistema econômico, estava tudo por organizar e isto requeria constante empenho de todos. Foi preciso criar uma denominação para a moeda, os valores diferenciados, em acordo com seu tamanho e peso. Esse ponto foi motivo de preocupação para as lideranças. Os encarregados de fundir as moedas, poderiam perfeitamente aproveitar o conhecimento que tinham e tirar vantagem, produzindo moedas não oficiais. A denominação escolhida para denominar a moeda do planeta foi Single, nome da lua menor que o orbitava.

    Várias sugestões foram dadas, mas nenhuma era completamente segura. Mink apreciou mais o que um de seus assessores mais próximos falou. Deveriam ser feitas formas, em quantidade limitada que ficariam guardadas sob os cuidados dos líderes, para uso no momento de cunhagem das moedas, quando necessário. Não significaria que seria impossível alguém fazer formas iguais e burlar a vigilância, mas teriam que enfrentar tal risco. Escolher os artífices com cuidado, para que os mesmos não se sentissem tentados a fazer mau uso de suas habilidades. Foi nomeada uma comissão encarregada de projetar os vários tipos de moedas e providenciar a feitura das formas. Depois de aprovadas, haveria a autorização de cunhagem da primeira remessa oficial. Começariam por distribuir a cada pessoa uma determinada quantia em moedas. Assim, haveria logo a possibilidade de começarem as trocas entre os diferentes grupos.

    Antes de enviar o contingente maior de colonos, um grupo menor de trabalhadores, já de posse de ferramentas novas, produzidas pelos metalúrgicos, navegaram até o local para cuidar da abertura de uma estrada até o local da colônia. Inicialmente construíram um conjunto de edificações nas proximidades da orla marítima, para servir de abrigo temporário nos momentos de chegada e partida, bem como depósito de material, víveres e outras provisões. Enquanto aguardavam o dia de partir, os envolvidos na equipe de colonização, aprenderam técnicas de cultivo e manejo do solo, sob a orientação dos agrônomos. Usariam inicialmente os conhecimentos trazidos de Urantia. Na medida em que identificassem as inovações necessárias, estas seriam implementadas.

    Aproximava-se o final do primeiro ano de sua vida em Orient. As expedições enviadas para pontos mais distantes, haviam enviado emissários, trazendo descrições e localizações de vários pontos próprios para implantação de colônias. Os remanescentes estavam tratando de deixar, em cada um dos pontos, preparado um espaço com construção de abrigos e plantação de algumas plantas essenciais. Em cada lugar, deixavam um pequeno grupo, destinado a manter tudo em ordem, até o momento da chegada de um contingente maior para implantar a colônia. As novidades trazidas eram animadoras. Diversos tipos de solo, com aparência de ser ótimo para cultivo de plantas de valor comercial, haviam sido identificados, em função do tipo de vegetação que crescia no local. Igualmente, mananciais de água para aproveitamento hídrico, tanto na irrigação como consumo humano e animal.

    Havia diversos pontos com sinais de possíveis depósitos minerais, suscetíveis de exploração. Dependeriam de uma análise mais profunda, quando as colônias fossem implantadas. A colônia pioneira junto ao lago, estava em fase de conclusão de sua implantação. Os habitantes estavam abrigados em suas residências. Os colonos tinham seus lotes de terra para cultivo e criação de animais. Escola estava em vias de conclusão, local de reuniões e adoração do Pai Universal estava pronto. Começava a ser estabelecido um movimento regular de pessoas indo e voltando de lá. Iam para conhecer, supervisionar o andamento dos trabalhos ou executar alguma tarefa específica. Outros vinham em busca de orientações e também para visitar os parentes que ficaram na sede.

    Na margem do oceano, em um local apropriado, estava instalado um dique para a construção de barcos e um outro, mais ambicioso, iria construir os primeiros navios. Em princípio não seriam de muito calado, pois desconheciam tudo a respeito da profundidade das águas que encontrariam mar adentro. Seriam navios com dupla propulsão. As velas seriam usadas nos momentos de haver ventos favoráveis, enquanto um conjunto eficiente de remos se encarregaria de impulsionar a nau na ausência dos mesmos. Havia entre os mestres carpinteiros, um grupo, cujo líder havia passado uma temporada aprendendo técnicas novas de construção longe de casa. Trouxera informações preciosas e estava disposto a coloca-las em prática em Orient. Esperava construir barcos velozes, porém capazes de transportar cargas de modo eficiente.

    Era primordial que não descuidassem da robustez, pois desconheciam os mares que iriam singrar, o tipo de tempestades a ser enfrentadas. Longas horas foram dispendidas na elaboração do projeto, junto com os auxiliares. Todos eram experientes e capazes de propor questionamentos valiosos. O resultado seria um projeto mais perfeito, mais eficiente e durável. A ausência total de barcos, implicava na construção quase ininterrupta de embarcações de todos os tamanhos possíveis. Com a implantação de colônias em uma grande extensão da costa, a navegação teria papel preponderante no sistema de transporte em geral. Quando fosse possível produzir máquinas propulsoras que não dependessem dos ventos ou braços humanos, haveria um impulso significativo da navegação.

    Os pesquisadores de todas as especialidades, empenhavam-se ao máximo em deslindar os segredos da natureza. Ao que parecia, os componentes básicos encontrados nas plantas e também nas rochas, eram quase iguais aos encontrados em Urantia. Eram planetas, originados da mesma nebulosa de Andronover. Mesmo os asteroides, ou cometas, capturados em suas perambulações pelo espaço, no período de formação, eram oriundos da mesma fonte. E assim, seria possível esperar encontrar praticamente os mesmos elementos químicos. Nesse tempo ainda não existia a divisão das ciências em suas várias especialidades. As pesquisas ocorriam em conjunto, tornando, às vezes, mais difícil os avanços, uma vez que tentavam investigar fenômenos diversos, sem proceder à separação necessária.

    Os avanços que ocorriam, eram repassados aos alunos nos níveis em que pudessem entender a complexidade dos fenômenos. Os mais destacados, eram frequentemente convidados a participar de algumas experiências, visando estimular essa atividade nas mentes mais jovens. A comunidade inteira estava convicta da necessidade de realizar progressos significativos na área de conhecimentos, fazendo-a caminhar no mesmo passo do desenvolvimento do aspecto religioso dos jovens. Ninguém se furtava aos momentos de adoração que eram realizados no anfiteatro. Não existia um ritual estabelecido. Sempre era possível destacar algum fato relevante, usando-o para servir de ponto de partida. Qualquer um era capaz de dizer sua prece, externando seus sentimentos de amor, gratidão e fé diante do Pai Universal.

    Essas reuniões serviam para unir mais as pessoas, fortalecer sua fé e confiança, aumentando a disposição de realizar sempre a vontade do Pai do Paraíso. Era comum as crianças apresentarem as preces mais genuínas, mais puras e profundas. Enquanto um falava, os demais silenciavam para escutar o que era dito. Frequentemente alguém aproveitava o conteúdo da prece do anterior, para concluir, acrescentando uma parte. Assim, ao final do tempo gasto nessa atividade, todos sentiam-se confortados, consolados e leves. O Todo Poderoso havia recebido sua adoração, mesmo na forma simples e incompleta que suas mentes materiais limitadas eram capazes de exprimir. Até mesmo essa aptidão ia aumentando, deixando perceber que os ajustadores do pensamento conseguiam atuar mais intensamente no guiamento das mentes resididas.

    As preces mais simples e singelas, eram sempre as que mais emocionavam a todos. Quando alguém tentava usar palavras eloquentes, falar com pompa e propriedade, dava a impressão de estar se colocando em posição de superioridade. Não tardava a perceber que havia sido pretensioso, vaidoso e soberbo. Não raro, refazia sua prece de modo humilde, pedindo perdão por sua atitude orgulhosa anterior. Mink costumava ficar emocionado nessas ocasiões. Isso evidenciava o crescimento de seus liderados na profundidade da fé. Parecia que Arki pessoalmente estava ao seu lado, dizendo-lhe que esse era o fruto esperado dos longos anos de contatos frequentes. Seu aprendizado produzira frutos preciosos, que o Pai saberia apreciar com toda certeza.

    Esses momentos faziam a todos esquecer as agruras vividas no dia a dia. Afinal, chegar a um planeta desabitado, do qual nada se conhecia e iniciar ali uma colonização, com alguns milhares de pessoas, retiradas de suas vidas no planeta de origem, não é exatamente algo fácil. As dificuldades surgiam a cada momento. A falta que esse ou aquele objeto deixado para trás fazia, chegava a doer como se fosse uma ferida viva aberta no corpo. Era exigido de todos, o máximo de sua criatividade. Conseguir fazer as coisas, com o mínimo de recursos, tornara-se a tônica dos primeiros tempos. Isso permite entender com que alegria foram saudados os primeiros exemplares de objetos e ferramentas que emergiram das forjas dos metalúrgicos. No começo a demanda era muito superior à possibilidade de produção. Haviam começado por produzir as próprias ferramentas que lhes permitiriam a manufatura dos demais objetos. E tudo isso requer muito trabalho, uma imensa dose de imaginação, para contornar as dificuldades. Em Urantia estavam usando objetos desenvolvidos ao longo de muitos milênios de evolução. Gerações e mais gerações se haviam sucedido enquanto pequenos progressos eram feitos em todos os sentidos.

    Quando algum avanço mais notável acontecia, era saudado como uma grande invenção e comemorado com festejos, dispensação de honrarias aos autores da inovação. Hoje, mesmo dispondo dos conhecimentos, tinham que superar a ausência de objetos básicos, usando para isso o intelecto. O resultado era que, após encontrar a solução, sentiam-se largamente recompensados com o êxito, pois não eram apenas repetidores de coisas aprendidas, mas verdadeiramente criadores de coisas, simplesmente a partir do nada. Mesmo os aprendizes desenvolviam sua capacidade de inventores. Vendo os mestres aplicar o método da tentativa com erro/acerto, até chegarem ao resultado desejado, eles criavam coragem e colocavam suas ideias em prática. Seguindo as orientações dos mais sábios, progrediam lentamente, alcançando, com muito esforço, o objetivo que tinham em mente. Por vezes o resultado final superava o que havia sido pensado no início.

    Cada nova ideia, objeto ou ferramenta desenvolvida, costuma revelar, depois de pronto, novas funcionalidades. Isso fazia novos intelectos se colocarem em ação, na tentativa de alcançar o êxito por sua própria capacidade. Depois tudo era partilhado com os demais. Em pouco mais de um ano de atividade, um número de mestres metalúrgicos estava pronto para assumir, se fosse necessário, o comando de novas unidades que viessem a ser implantadas nos locais das colônias projetadas. Quando completaram um ano de estadia em Orient, comemoraram a data com a enumeração das conquistas obtidas até aquele momento. Os expedicionários, depois de deixar pequenos grupos em vários locais, destinados ao uso para implantação de colonizações, retornaram a tempo de participar da comemoração do primeiro ano em Orient. Os festejos consistiram em uma refeição conjunta, apresentações teatrais ensaiadas por grupos diversos, cantos, além de alguns discursos proferidos pelas pessoas mais destacadas de diversas atividades.

    Espectron brindou a todos com um belo dia de luz. Seus raios quentes aqueceram a atmosfera e iluminaram as comemorações. Colheitas de cereais e outros produtos agrícolas haviam sido feitas, com êxito razoável. Da mesma forma, a pecuária começava a dar sinais de sua fecundidade. Já dispunham de um razoável lote de animais de recria, bem como um excelente número de filhotes, em fase de amamentação. Os domesticadores haviam conseguido capturar um número considerável de bovídeos, que aceitavam a doma para tração de veículos sobre rodas e outras formas de tração, onde sua força, consideravelmente maior que o braço humano, era imprescindível.

    A primeira colônia, nas redondezas do lago, estava em plena atividade. Uma boa área de vegetação havia sido removida, dando lugar ao plantio de culturas para colheita próxima. Pastagem natural estava servindo de local de pastoreio para os animais domesticados e principalmente, os de tração. Era ali que estavam sendo usadas as primeiras parelhas que haviam sido domadas. A cada dia eles se tornavam mais dóceis e trabalhavam melhor. Eram de enorme valia para o uso na atividade rural. Uma pequena indústria de madeiras estava em funcionamento, fornecendo vigas, pranchas e peças de diferentes dimensões aos marceneiros e carpinteiros. Tudo era rudimentar, mas era assim que funcionava nesses dias iniciais. Cada dia trazia suas vitórias, algumas derrotas, com suas inevitáveis lições, sempre importantes para o aprendizado a ser guardado em vista da aplicação futura.

    Em meio a tantas preocupações e problemas para resolver, Mink pediu orientação a Nemur. Este aproveitou a oportunidade para anunciar para breve o afastamento de sua equipe. Ficariam na invisibilidade, prontos para agir em casos extremos, para garantir a segurança e estabilidade do projeto. O que foi perguntado era sobre a conveniência da nomeação ou mesmo eleição de um ministro, para gerenciar a parte administrativa de todo projeto. Eram questões demais para uma cabeça apenas controlar. Diante da questão, Nemur respondeu:

    – Eu ia mesmo sugerir a você para tomar essa medida. Pensei que iriam fazer isso há muito tempo. Você carregou o fardo por tempo demais.

    – Será melhor fazer isso por nomeação ou por eleição do povo?

    – Sempre que o povo participa, ele se sente corresponsável pelo resultado. Isso permite que possam cobrar o desempenho dos eleitos. Sem dúvida, a eleição é a melhor opção. No começo ela dá mais trabalho, mas os resultados são compensadores.

    – Eu havia pensado em indicar alguém entre os dez líderes de grupos, mas fiquei em dúvida. Me parece que há pessoas do povo, mais capacitadas para a função.

    – É conveniente que você seja uma espécie de Primeiro Ministro, tendo os demais sob seu comando direto. Apenas o controle superior, mas as decisões ficam por conta de cada setor. É conveniente que haja um ministro da agricultura e pecuária, um da indústria e mineração. Talvez depois seja conveniente introduzir um ministro da cultura e tecnologia. Para começar os dois primeiros me parecem suficientes.

    – Eu mesmo me sinto incapaz de administrar tanta coisa. Estou mais ligado a questões espirituais, religiosas. Fico constrangido com algumas decisões que sou obrigado a tomar no aspecto material. A delegação desses poderes, me permitiria ficar mais distante de algumas questões que me deixam deprimido.

    – Você precisa confiar no Pai. Ele sempre irá lhe apoiar, mas não tente carregar um fardo que esteja além de suas forças. Partilhar responsabilidades faz bem. Vários ombros juntos, suportam melhor o peso do que apenas um.

    – Vou providenciar para que isso seja feito o mais depressa possível. Há momentos em que tenho a impressão de explodir de tanta tensão. Isso não faz bem, eu sei.

    – Creio que você, em alguns momentos, esquece o que sempre recomenda aos seus liderados. Confie, tenha fé! Isso ajuda a diminuir a tensão excessiva.

    – Estou precisando de um encontro com o Arki. Faz tempo que ele não me aparece. Creio que está muito ocupado em outras missões.

    – Ele não passa um único dia sem pedir contas do andamento de tudo por aqui. No momento propício, ele irá aparecer. É só esperar.

    – Eu sei que poderia invocar a presença dele, mas não desejo interferir em outras atividades que ele tem a seu cargo. Não quero atrapalhar.

    – Ele é competente e consegue dar conta de tudo que lhe é confiado por Micael. Ele é um serafim de elevada estirpe. Um dos mais experientes de todo Universo de Nébadon.

    – E ele me trata como se fôssemos dois amigos de infância. Fico muito honrado com essa distinção. Penso que não mereço tal amizade.

    – Não se desmereça, caro Mink. Seu nome é conhecido em todas as esferas que estão em quarentena, como Urantia e Orient. Também nas outras, algumas das quais estão prestes a entrar na era de Luz e Vida.

    – Mas que interesse tem meu nome para estas outras esferas? Não passo de um mortal comum.

    – Um mortal comum, que está muito perto de alcançar o primeiro círculo de vida. Você já tem dois serafins guardiães, além de um omniafin para tomarem conta de você dia e noite. Isso não é para qualquer ser mortal. São raros os que atingem tal nível.

    – Eu, de algum tempo para cá, notei que sempre parece haver alguém por perto. Olho e não vejo nada. Acho que são eles me cuidando.

    – Normalmente eles não são percebidos pelos mortais. Mas pode ser que estejam tomando cuidados especiais para sua proteção.

    – Estimado Nemur! Fico muito grato por sua atenção. Vou para casa, onde a esposa está me esperando. Amanhã há um dia de trabalho em perspectiva. Vou dar início logo ao processo de escolha dos ministros, para aliviar a carga nos meus ombros.

    – Leve com você a benção do Altíssimo, bem como do Pai Universal. Que a luz do Espírito ilumine seu caminho.

    – Assim seja, Nemur. Iremos nos ver na continuidade dos acontecimentos.

    Em passos apressados ele se dirigiu para sua morada. Edith o esperava apreensiva. Dissera que iria ter uma rápida troca de ideias com Nemur, que se estendera por várias horas. Seu amor pelo marido era algo inexplicável. Ele era para ela mais importante do que o ar que respirava. Logo percebeu que o rosto de seu amado estava menos carregado de tensão. Pelo visto, a conversa dera bons frutos, o que era doce ao coração dela. Assim teria mais momentos de descontração na companhia dele. Ultimamente era comum vê-lo com o olhar perdido na distância, pensativo e seus ombros pareciam vergar. Bem sabia ela que isso era consequência dos muitos encargos que ele tinha e fazia o possível para lhe aliviar o peso. Nem sempre era bem-sucedida. Depois de lhe dar um beijo, sentiu-se ser envolvida por seus braços fortes e ouviu um sussurro que dizia:

    – Meu bem, vamos ter mais tempo para cuidar de nós. Nemur me aconselhou a delegar as tarefas a dois ministros, escolhidos pelo povo. Assim ficarei menos sobrecarregado.

    – Isso é uma ótima notícia. Mas até eles serem escolhidos, ainda vai algum tempo. Não quero mais ver seu rosto acabrunhado e triste.

    – Eu prometo que isso não irá acontecer mais.

    – E eu prometo fazer tudo que puder para ajudar a aliviar sua tensão.

    – O que eu faria sem você, minha flor? Você perfuma e enfeita minha vida.

    – Tenho uma novidade para lhe contar. Não sei se vai aumentar ou diminuir sua carga. Quer ouvir agora, ou prefere deixar para amanhã?

    – Por mais cansado que eu esteja, não conseguiria dormir sabendo que você tem uma novidade para me contar. Pode contar logo, que agora estou curioso ao extremo.

    – Eu deveria ter esperado para falar amanhã cedo. Bem, agora só resta colocar para fora o que eu estava guardando.

    – Quer dizer que estava guardando isso há mais tempo? Não me faça esperar mais um instante.

    – Venha tomar um refresco e uma guloseima que fiz. Enquanto você come e bebe, eu conto a novidade.

    Foram para a cozinha e ele sentou-se em um banco que ali havia. Uma generosa caneca de suco estava a sua espera, além de uns bolinhos de cereal, preparados com farinha obtida no pilão, triturando os grãos de um cereal semelhante ao trigo. Ela havia ajudado na moagem e aprendera a fazer as gulodices. As crianças haviam apreciado e fora preciso reservar algumas unidades para o marido. Logo ele havia saciado a sede e experimentou o bolinho. Enquanto mastigava, ouviu Edith dizer de modo pausado:

    – Se prepare para ser pai novamente, meu amor.

    Ele deixou de mastigar imediatamente e a olhou com o amor e carinho derramando da face:

    – E isso era novidade para ficar escondendo de seu marido?

    – Eu não estava escondendo. Me dei conta hoje à tarde, quando senti, durante a feitura dos bolinhos, uma tontura, seguida de enjoo. Nesse momento lembrei que meu ciclo mensal está atrasado há várias semanas. Não iria esconder tal coisa de você, querido. Nem seria capaz de fazer tal coisa.

    – E tem algum palpite do que será dessa vez? Mais um menino, ou uma menina?

    – Vou deixar nas mãos do Pai do Paraíso determinar de que sexo será esse novo filho. Para mim não faz a menor diferença.

    – Sabe, eu deveria estar torcendo para ser um menino, mas também não me importo. Nem adianta, pois quem determina isso não somos nós mesmo.

    – Então só nos resta esperar o nascimento para depois escolher o nome e tomar as demais providências.

    – As crianças já sabem da novidade?

    – Deixei para você o encargo de informar-lhes. Fica melhor assim. O pai dizer aos demais filhos que irão ter um irmão ou irmã para compartilhar o amor da família.

    – Obrigado pela consideração que me tem. Mesmo assim, não acho que teria feito mal em lhes contar. Tenho certeza que irão ficar eufóricos.

    – Mas a posição do pai é primordial para manter a harmonia do lar. Sei que nós mulheres somos as rainhas do lar, mas o marido é o rei, embora a maioria das decisões sejam tomadas por nós rainhas.

    – Sempre sábia e ponderada. Venha aqui me dar um beijo e receber um abraço desse seu rei, minha rainha.

    Um longo abraço, junto com um beijo profundo e carinhoso completou aquele momento. Depois foram beijar os filhos adormecidos um a um, antes de deitarem para o descanso merecido. Olharam pela última vez para os corpos adormecidos e depois para a barriga de Edith, antes de mergulharem profundamente nos olhos um do outro, permanecendo um longo momento em contemplação mútua.

  • Curitiba, 28 de dezembro de 2015 (Atualizado em 23/08/2016)
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    Décio Adams

 

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