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Gaúcho de São Borja! – Capítulo IX

 

Hotel no centro de Porto Alegre.

 

 Encontrando a prenda do coração.
Tendo encontrado tudo nos conformes no escritório dos agentes, nosso estreante na cidade grande, saiu dali resolvido a marcar sua passage e voltar para os pagos. Eis que, enquanto caminhava a procura de uma agência da Varig para deixar acertada a hora da viagem, sentiu-se impressionado com um edifício de apartamentos situado bem em frente a uma praça. Era moderno, mais de 20 andares de modo a ser obrigado levantar a cabeça para ver os últimos andares. Quando baixava o olhar, ofuscado pelo sol que já ia alto, seus olhos foram atraidos como por um ímã, para a sacada do 5º andar. Ali uma jovem mulher estava apreciando os vasos com flores existentes e de vez em quando lançava um olhar para a rua mais abaixo.
Era de uma beleza incomum, foi o que o jovem observoufd. Rapidamente contou os andares, a localização da sacada bem no meio do edifício e tomou uma decisão. Iria depositar aos pés da bela prenda seu coração, sua vida, enfim seu ser inteiramente. A visão o deixara instantaneamente nocauteado. Como diziam entre os peões, o coração tinha capotado naquelas curvas suaves e sedutoras. O gaucho guapo estara literalmente “de quatro” diante de tamanha formosura.
Resolução tomada e posta em prática. Entrou pela portaria e, sem ao menos dizer nada nem perguntar por onde, foi direto até o elevador que estava casualmente aberto, entrou e apertou o botão com o número 5. A porta fechou e iniciou a subida, bem mais rápido que ele imaginava, mesmo assim a viagem até o quinto andar pareceu durar uma eternidade. No momento em que a porta abriu saltou para fora e via à sua frente uma porta com o número 501. Pela posição da sacada e do elevador, deveria ser aquele o apartamento onde morava o objeto de sua avassaladora paixão à primeira vista.
Um pouco receoso, mas sem titubear, apertou o botão da campainha por um longo momento. Enquanto isso acontecia, o porteiro tendo visto o estranho embarafustar saguão a dentro e subir no elevador, chamou dois ajudantes e os enviou em busca do intruso, porém não sabia onde tinha ido. Tiveram que observar onde o elevador parara, para só então tomar o outro ao lado e seguir. Enquanto isso o incauto e apressado Gaudêncio via a porta ser entreaberta e um rosto severo, bem barbeado, cabelo curto no estilo militar se mostrar na fresta. Uma voz impessoal perguntou:
            – Quem é o senhor? O que deseja?
            – Eu sou Gaudêncio das Neves, um seu criado. Venho lá de São Borja, mas precisamente da fazenda Santa Maria. Acabo de ver a sua filha na varanda de sua morada. Me apaixonei perdidamente por ela. Como não sou de perder tempo, decidi logo vir aqui lhe pedir a mão dela em namoro e sem muita demora a pedirei em casamento.
– Mas assim, sem sequer conhecer minha filha, sem conversar com ela, nem saber o que ela acha disso?
            – Não ai problema, meu senhor. Eu sou capaz de conquistar o amor dela em dois tempos. É apenas me dar uma oportunidade.
– Minha filha é acostumada à da cidade grande, muito mimada. Não é dada com afazeres domésticos, nunca viu uma fazenda. Ela leva vida de princesa. Creio que isso não dará certo, seu Gaudêncio.
– Nada disso é problema, patrão. Sua filha comigo não sentirá falta de nada. Não terá necessidade de trabalhar. Terá criadas para fazer os trabalhos da casa e será servida como uma rainha.
            – Tem outro problema. Ela é muito nervosa. Por qualquer motivo tem crises de neurastenia e causa sérios problemas dentro de casa.
            – Isto acaba com o casamento. O amor de um homem de verdade lhe dará o sossego e tranquilidade de que precisa. Pode deixar comigo que eu garanto a mão.
– Além de tudo isso, minha filha é acostumada a viajar todos os anos para a Europa, Estados Unidos e outros países que ela visita regularmente. Creio que isto irá lhe colocar em dificuldades.
            – Mas que dificuldades, tchê! Vou levar sua filha a todos os lugares do mundo que ela desejar visitar. Dinheiro não é problema, meu senhor. Sou herdeiro universal de Dom Joaquim Monteiro, criador de gado e plantador de arroz , dos mais ricos de São Borja. Não se consegue visitar a fazenda toda em um único dia. É muito grande. Tem inclusive parentesco distante com o Presidente Getúlio Vargas.
– Ia me esquecendo de lhe dizer. O problema mais grave com minha filha é que ela é um pouco manca da perna direita. Um probleminha de nascença.
– Mas o que tem isso? Eu não a quero para carreira. Quero apenas para tirar umas crias. O que ela tem de beleza, será suficiente para tornar sem importância qualquer outro problema que ela tenha. Eu estava na praça em frente e quando ela apareceu na varanda, eu quase tive um troço. Levei um baita susto, tamanha é a beleza desta criatura. Aceite os parabéns senhor….?
            – Sou o General Marcelino Ferreira, comandante da guarnição militar da região metropolitana de Porto Alegre.
            – Com quem o senhor está conversando papai? – ouviu-se uma voz melodiosa, vinda do interior do apartamento.
            – É bom você vir aqui ver pessoalmente. Acho que vai ser do seu interessi.
            Em instantes a dona da voz surgiu por trás do homem, perguntando:
– Mas o que está acontecendo?
            – Está aqui um homem apaixonado à primeira vista por sua pessoa. Você se exibiu na sacada e ele viu. Ficou loucamente apaixonado e está aqui pedindo a sua mão em namoro. Que lhe parece? Vamos conhecer a figura?
– Convida o moço a entrar, – disse por trás dos dois a mulher do general, senhora Lourdes, – pelo menos conversaremos e depois se vê o que pode ser feito.
Nisso os dois ajudantes do porteiro que haviam chegado quando a conversa ia a meio e ficado esperando o desfecho. Estavam prontos a agarrar o intruso e colocá-lo no olho da rua, mas diante das últimas palavras ouvidas, decidiram bater em retirada indo contar ao porteiro o que sucedia.
            – É melhor do que ficar criando discussão aqui na porta. Logo os vizinhos vão reparar e vira uma bagunça danada. – disse a filha.
            – Aguarde um instante que vamos abrir a porta. Por motivo de segurança ela fica travada por esta corrente. Cidade grande é assim mesmo.
            – Bem que me avisaram para tomar cuidado. É a minha primeira vinda a capital. Nunca saí muito longe de casa. Sou um pouco xucro, mas aprendo fácil. Em pouco tempo domino as manhas da vida daqui da cidade. Não há de ser mais difícil que domar um potro, um boi bravo.
A porta se abriu de par em par e Gaudêncio foi convidado a entrar numa sala, ricamente mobiliada, mas sem exageros de espécie alguma. Tudo tinha a medida certa. Sentou-se em uma poltrona que lhe indicaram e olhou ao redor ficando impressionado com a fineza do ambiente. Logo chegou dona Lourdes, trazendo uma cuia de chimarrão e uma garrafa térmica com água na temperatura certa de cevar o mate. Os olhos de Gaudêncio ficaram chocados com algo que viu, fazendo parte da decoração. Por toda parte escudos, símbolos diversos e as cores do uniforme do Gremio de Futebol Portoalegrense. Teria que controlar sua paixão colorada para não por a perder os pontos que conquistara até o momento. Seria como “pisar em ovos”. Um passo em falso e se quebravam todos.
– O moço certamente toma chimarrão! – disse de modo interrogativo o dono da casa.  
– Mas com certeza, tchê! Já viu um gaúcho que não aceita um amargo. Isto não existe.
            – Acho que a minha filha ainda não foi apresentada. Aliás nem o senhor disse seu nome. Falou uma porção de coisas e não disse o seu nome.
            – Eu mesma me apresento, mamãe. Sou Ângela Ferreira. E você? Creio que posso dizer assim!
            – Sou Gaudêncio das Neves, ao seu dispor, senhorita. E a senhora sua mãe, qual é o nome dela?
            – Eu sou Lourdes e fico honrada em receber em minha casa um gaúcho vestido a caráter. Já lhe disseram que lhe cai muito bem esta vestimenta típica?
– Obrigado, dona Lourdes. O senhor tem uma bela família, General.
            – Fico lisonjeado com isso. Mas ainda falta o filho mais velho. Ele está na AMAN. No final do ano que vem deve sair de lá como aspirante a oficial. Decidiu seguir os passos do pai.
            – Meus pais, trabalham desde que se casaram, para Dom Joaquim Monteiro, dono da fazenda Santa Maria. Com o tempo meu pai virou uma espécie de capataz geral. É ele que comanda todos os empregados tanto da criação de gado como do plantio de arroz. Minha mãe é a encarregada do setor de leite. Fazem queijo, requeijão, ricota e vendem leite para o laticínio.
            – Que mal lhe pergunte, como o senhor se tornou herdeiro da fazenda?
– Quando eu nasci, convidaram para serem meus padrinhos o Sr. Joaquim e sua esposa Ana Maria. Eles não tiveram filhos. Procuraram tudo quanto foi médico especialista, mas não houve jeito de nascer um herdeiro. Acabaram me adotando por assim dizer. Depois que a madrinha faleceu há um ano e meio atrás, o padrinho passou um tempo dando a impressão de que iria seguir a esposa. Foi meu pai que trouxe ele para a fazenda e lá tomamos conta dele, até ele se recuperar. Quando se restabeleceu, fez o inventário de tudo, mas não havia herdeiros de parte dela, ficou tudo para ele.
– E por não ter herdeiros lhe nomeou como tal?
– Aí está a questão. Não tendo a quem deixar sua fortuna, me nomeou herdeiro de todos os bens que possui. Hoje ele viaja para a Europa, Estados Unidos e outros países. Quem fica administrando tudo sou eu. Agora mesmo vim para a capital tratar de negócios com uma empresa de investimentos. Ele quer que eu tome conta de tudo. As vezes tenho a impressão de que ele está me preparando para depois partir. Sei que ele ainda sente muita falta da madrinha.
– Meu caro Gaudêncio! Tudo isso é muito bom, mas minha filha precisa lhe conhecer melhor, antes de eu consentir que você a namore. Podemos começar por fazermos uma visita à São Borja; conhecer sua família, seu padrinho, enfim tomarmos contato mais de perto. Até vai nos fazer bem passarmos uns dias no campo. Vivemos tanto tempo em casas do exército, rodando os quatro cantos do país e só agora, que a aposentadoria se aproxima, estamos morando em algo que é nosso. Mas viver em um apartamento é bem diferente do que num lugar aberto. Levantar e não bater com o nariz na porta do vizinho da frente, do lado.
            – Mas podemos combinar isso, general. Volto para a fazenda e deixo tudo pronto para a vossa chegada. Tenho certeza que irão ser recebidos com toda alegria. Minha mãe vai ficar orgulhosa de conhecer sua família, principalmente a senhorita Ângela.
– Mas primeiro quero ouvir a opinião das duas. Minha filha e a minha esposa, o que acham da ideia?
– Até que me atrai a idéia de passar uns dias numa fazenda, – disse dona Lourdes. – E você minha filha, que é parte mais interessada no jogo, o que acha disso?
            – Podemos ir, sem assumir nenhum compromisso prévio. Temos que nos conhecer melhor, antes de qualquer decisão que envolva tanta coisa como é o caso aqui. Alguns dias de convivência, poderão nos dar uma ideia do que pode ser esperado do futuro.
            – É uma boa ssugestão. Já resolve os negócios. Vou voltar para a fazenda. Preparo tudo e aviso vocês quando puderem chegar por lá. Mando as passagens de avião.
            – Não precisa se preocupar com isso. Basta nos avisar que iremos de carro. Sou viciado em dirigir e vai ser uma boa oportunidade de testar meu carro novo na estrada. Por ora vamos começar por almoçar juntos agora. Creio que tem água suficiente no feijão para mais um encher a barriga. – falou o general rindo alegremente.
            – Para mim serve. Está na hora do almoço e eu teria que procurar um restaurante. Vou aceitar o seu convite e aproveitamos para conversar mais um pouco.
            Enquanto mãe e filha foram até a cozinha para supervisionar a cozinheira na preparação de mais um lugar à mesa, o general convidou o candidato a genro para tomarem um aperitivo. Serviu uma dose de whisky para cada um e alcançou o copo para Gaudêncio, sentando-se com o outro na mão.
            – À sua saúde e a uma boa amizade entre nossas famílias para começo de história!
            Os copos foram levantados em sinal de brinde, depois beberam um gole cada um. Gaudêncio tivera oportunidade de experimentar da bebida, considerada coisa de grão fino, uma vez em casa de Joaquim. De sua parte preferia mesmo uma cachaça  da boa. Pensando em iniciar um relacionamento com a família do general, era importante acostumar a tomar, pelo menos de vez em quando, uma dose de whisky. Procurou sentir todas as nuances do sabor da bebida e identificar sua características básicas. Olhando novamente para os detalhes em azul, branco e preto na decoração, falou:
            – Não resta dúvida que aqui é a casa de uma família gremista!
– Sem exceção. Levei a minha Lourdes a assistir muitos jogos do Grêmio, mesmo nos estados do norte onde servi por bom tempo. A filha cresceu vestindo as cores do time e nunca pensou em mudra de cor.
            – Ontem fui assistir o jogo do Colorado com o Flamengo. Que sofrimento, mas no fim ganhamos de 1×0.
            – Colorado?
            – Sim, desde criança. Mas não sou fanático. Lá na fazenda jogamos umas peladas. Sempre dá Colorado contra Grêmio. Hoje um ganha, amanhã outro e no fim tudo termina em festa.
            – É assim que tem que ser. A torcida se resume dentro do campo, nas brincadeiras entre colegas e amigos. É uma coisa saudável. Quando degringola para o campo de ofensas e desrespeito não é mais esporte. Vira anarquia.
            – Assim mesmo que eu penso. A graça está justamente no ganha/perde, ora de um lado ora de outro.
            – Vamos junto assistir o jogo de domingo? Tem um jogo do Grêmio, amistoso com o Nacional do Uruguai. Um jogão dos bons.
            – Eu tinha pensado em viajar amanhã, mas posso deixar para segunda feira e vou assistir a esse jogo. Assim levo umas fotografias e um filme para os amigos gremistas da fazenda verem. Mostro a eles que fui assistir um jogo de cada lado. Se mostrar só o do Colorado, eles ficam magoados.
            – Sábado temos uma sessão de estréia de uma peça de teatro para ir. Vou ver se consigo mais um ingresso para podermos ir juntos.
            Gaudêncio percebeu que o general simpatizara com ele e sentiu-se mais confiante. Caberia a ele jogar toda sua sedução para encantar bela filha e assim atingir o objetivo que o levara a cometer a pequena loucura daquela manhã. Subir se autorização e tocar a campainha de um apartamento sem ao menos saber que ali morava, bem pensado era maluquice das grandes. Mas estava feito e dera resultado melhor do que poderia ter esperado. Agora era seguir em frente e ver onde iria parar tudo isso.
            O almoço foi servido e Ângela veio chamar os dois. Sentaram-se e Gaudêncio sentiu-se um pouco acanhado naquela sala de refeições requintada. Não era de todo xucro nas etiquetas, pois a madrinha lhe dera algumas lições, mas nunca tivera oportunidade de sentar-se a uma mesa tão fina. As louças todas de porcelana finíssima, talheres de fino acabamento, guardanapos impecávelmente brancos, copos de cristal. Uma garrafa de vinho tinto recem aberta estava ali para acompanhar a refeição. A comida não era nada for a do normal, embora estivesse tudo acondicionado em recipients de alta qualidade.
            Serviram-se, tomando ele o cuidado para não exagerar nas quantidades. Preferia ficar com um pouco de fome do que servir um prato cheio demais. Notou com satisfação que o general não era dado a muito requinte. Serviu-se generosamente e comeu com gosto. Provavelmente esse hábito vinha de suas estadias em acampamentos militares, onde determinados hábitos eram deixados em segundo plano. Por fim, seguindo exemplo do dono da casa, Gaudêncio repetiu e parou quando estava plenamente satisfeito. O vinho estava ótimo e tomaram até a última gota. As mulheres por sua vez tomaram pequenas porções, como convinha a uma senhora e sua filha.
            A lauta refeição foi arrematada com um cálice de licor que o general serviu para todos, sentados na sala de visitas. Passaram algum tempo conversando e em seus deslocamentos de um lugar para o outro foi possível percber uma leve claudicação de Ângela. Algo muito pouco perceptível. Praticamente não lhe afetava o desempenho em nada. Havia fotografias do baile de debutantes em que ela estava dançando, ela jogava ou jogara Voleibol. Pelo menos isso mostrava uma fotografia ampliada, onde aparecia de uniforme esportivo numa quadra desse esporte. A alegação do general de que isso seria um impedimento para o relacionamento dos dois era apenas um pretexto para despedir um inconveniente que lhe batera à porta.
            Vendo o relógio notou que o tempo passara e eram 14h. Pediu licença e se despediu, ficando combinado que iriam domingo ao Olímpico ver o jogo. Se o general conseguisse um ingresso para ele, lhe avisaria e ele os acompanharia ao teatro sábado à noite. Ao apertar a mão de Ângela, sentiu-lhe a maciez, a delicadeza, junto com um leve tremor, a sua face se cobriu um leve rubor. Ela também estava influenciada com a presença dele. Foi até a agência da Varig e marcou o seu embarque para a segunda feira a tarde. Avisou o padrinho de que passaria o final de semana na capital e chegaria segunda feira à tarde. Não deixou transparecer nada do que acontecera naquela manhã.
            Voltou para o hotel e ficou ali algum tempo vendo televisão, onde estava passando um filme que lhe interessou. Pouco anteso do jantar o general ligou para a portaria do hotel, deixando recado para ele de que havia conseguido o ingresso para o teatro. Estaria a sua espera no começo da noite de sábado. Lembrou de ir na manhã seguinte procurar a agência e adquirir os ingressos para o jogo de domingo a tarde. Aproveitou e deixou os filmes já usados para revelar e comprou outros em quantidade suficiente para registrar as diferentes etapas de seu passeio na capital.
            A cada pouco seus pensamentos voltavam para a Formosa filha do general. Conhecera inúmeras prendas de grande beleza nos campos de São Borja, mas nenhuma fizera seu coração pulsar tão intensamente quanto Ângela Ferreira. Não saberia explicar. Parecia algo mágico, místico mesmo. Bastara olhar sua silhueta contra a luz da manhã ali na sacada e sentire uma fisgada no peito. Ouvira falar de um tal de cupido que atira flechas mágicas enfeitiçando os corações dos jovens para se enamorarem. Vai ver que fora isso que acontecera com ele.
            À noite voltou ao cinema onde estivera na segunda feira e assistiu outra fita que entrara em cartaz. Caminhou pelas ruas e depois voltou ao hotel. A idéia que chegara a fulguar em sua mente no primeiro dia de procurar uma casa noturna para ver se encontrava companhia feminine, sumira completamente. Seus pensamentos estavam fixados em Ângela e ela ocupava cada momento de sua vida. Dormiu pensando nela e na manhã seguinte adquiriu os ingressos e depois ligou do hotel para a casa dos pais avisando que não havia necessidade de se preocuparem com os bilhetes. Ele os providenciara.
            Almoçou num restaurante diferente e depois caminou até o lugar do circo. Estava disposto a ver novamente as exibições de habilidades dos acrobatas e equilibristas. Era bem provável que tivesse havido alguma mudança na apresentação daquele dia. De fato os números eram ligeiramene diferentes dos que havia visto da primeira vez. Ao sair do circo passou por uma loja de roupas e comprou para si duas mudas completes de roupas. Aproveitou e também procurou umas camisas e bombachas para o pai. Um vestido para a mãe. Precisou fazer uso de sua memória visual para encontrar um número que ficasse bom nela. Era mais magra que o habitual em sua idade e não era fácil conseguir acertar o manequim. A vendedora lhe informou que era possível fazer ajustes para maior ou menor se fosse preciso e ele pagou tudo, levando o que comprara para o hotel.
            De repende lembrou que esquecera do tamanho de sua mala. Era pequena e não havia espaço sobrando. Teria que ver no sábado uma bolsa ou algo assim para acondicionar as compras. Daria um jeito. Comprara e pronto. Levaria tudo, nem que fosse preciso pagar algum excesso de bagagem no avião. Ficou assistindo televisão no hotel depois do jantar e depois foi dormir.
            A manhã de sábado passou procurando uma pequena mala para acomodar suas compras e pensou em adquirir um presente para Ângela. Mas o que ficaria bem? Uma jóia não estaria na hora, acabavam de se conhecer. Roupa? Desconhecia as suas preferências e não teria como adivinhar. Uma vendedora veio em seu socorro, sugerindo um perfume. É isso aí! Vou comprar um perfume bem suave, que combine com a suavidade e delicadeza da moça. Procurou por uma perfumaria, anexa a uma farmácia e passou mais de meia hora testando os odors de diversos frascos, até se decidir por um deles. Pediu para fazerem um pacote para presente que foi prontamente providenciado. Levou tudo ao hotel e tornou a descer para almoçar.
            A tarde passou no hotel cuidando de sua aparência. O cabelo estava bem aparado e o bigode precisou apenas de um leve retoque para deixá-lo ao seu gosto. Por volta das 5h começou a se vestir, caprichando nos detalhes. Não queria parecer afetado, mas também não convinha dar a impressão de desleixo. Ia participar de uma sessão de estréia de uma peça de teatro famosa, junto com uma família distinta. O pai da moça era general do exército, comandante da região militar. Por volta das 7h apresentou-se na portaria do edifício. Dessa vez não entrou direto. Chegou na portaria e pediu para ser anunciado. Levava na mão o pacote para presente que daria à Ângela. O porteiro comunicou-se com a família e logo o autorizou a subir.
            Pegou o elevador e alguns instantes depois chegava novamente diante do 501. Mal havia tocado a campainha e a porta estava sendo aberta. Dessa vez sem ter a corrente de segurança, pois haviam visto pelo olho mágico de quem se tratava. Ângela o convidou a entrar e ele aproveitou ali mesmo, depois de a porta ser fechada, para entregar o presente que trazia. A moça agradeceu e logo seus dedos delicados desfizeram o laço de fita e desembrulharam o conteúdo. Abriu o vidro e lhe sentiu o suave perfume. Seus olhos brilharam e ela falou:
            – Obrigada, Gaudêncio. Como adivinhou que esse é meu perfume predileto?
            – Acho que adivinhei mesmo. Tive a impressão de que ele combinaria com sua personalidade, sua delicadeza.
            – Vocês vão ficar aí na porta de conversa? Venham para cá. Vamos tomar uma refeição leve antes de irmos ao Teatro. A peça deve terminar tarde e até lá ficaremos com fome. – falou o pai chegando perto.
            – Olhe pai que perfume eu ganhei! Exatamente o que eu gosto.
            – Estou vendo que encontrou alguém de bom gosto e afinado com o seu.
            – Vamos comer pois ainda temos que terminar de nos vestir para a noite, – falou Ângela.
            Comeram pão com presunto, queijo fatiado, acompanhado de café com leite. Depois a família tratou de ultimar seu vestuário para sair. O general estava pronto, faltando apenas colocar o paletó e a gravata. Isso levaria um instante. Faltando cerca de meia hora desceram para embarcarem num taxi que os deixou à porta do teatro. A peça excedeu as espectativas de todos e em vários momentos era possível ver gente enxugando as lágrimas, tamanha era a carga emotiva do enredo. Ao saírem eram visíveis os sinais das lágrimas, especialmente no rosto das damas, onde a maquiagem ficara borrada ou fora removida pelo uso dos lenços. Ninguém se importou com isso pois voltariam para suas casas sem dar oportunidade a mais ninguém de observar o estrago.
 
Teatro Renascença.
 
            Gaudêncio se despediu à porta do edifício, deixando combinada a hora de irem no domingo para o estádio. Dona Lourdes falou:
            – Por que não vem almoçar com a gente? Depois podemo sir mais tranquilos para o estádio. Chegando mais cedo, pode-se escolher melhor o lugar para ver a partida.
            O convite foi aceito e todos seguiram para ter uma noite de sono, embalada por lembranças da peça de teatro assistida há pouco.
            No domingo às 10h 20 min. Gaudêncio chegou à casa do general. O clima era todo em azul, branco e preto, até a toalha de mesa, os guardanapos, os copos continham o símbolo. Sentiu-se encolher, mas não diria nada. Haveria tempo para mostrar, na hora oportuna, sua preferência pelo Colorado. Almoçaram e depois de um pequeno Descanso seguiram para o estádio. Chegaram com mais de hora e meia de antecedência. Entraram, escolheram o lugar para sentar e ali ficaram esperando. Haviam levado sanduiches e garrafas de água para suportar o calor da tarde que seria forte e demorado. No meio de uma multidão azul, o tempo passou rápido e quando viram os times haviam feito o aquecimento e faziam agora sua entrada para a partida.
 
Povo na rua em dia de jogos dos dois clubes.
 
            O resultado não importava muito a Gaudêncio, mesmo assim, acabou torcendo pelo time brasileiro. Naquele momento era Brasil contra Uruguai. Ganhar dos estrangeiros sempre era bom.
            O jogo terminou com um empate em 2×2 e os torcedores não ficaram plenamente satisfeitos. Mesmo assim não haviam sido derrotados, pois ultimamente vinham sofrendo com uma série de derrotas inaceitáveis. Diante disso um empate com o Nacional do Uruguai, tinha um sabor menos amargo. Melhor teria sido a vitória, mas na impossibilidade e tendo em vista o equilíbrio havido durante o jogo, era um resultado satisfatório.
            Retornaram para casa, despediram-se e combinaram comunicar-se para marcar a data em que a família visitasse a fazenda. Gaudêncio voltou para hotel onde preparou suas malas. Não iria sair muito cedo para o aeroporto, mas dormir bastante estava a lhe fazer falta. Andara abusando durante a semana, deitando tarde e levantando cedo. Jantou no hotel e depois de olhar o fantastico na TV, foi dormir. Levantou pela manhã a tempo de tomar café. Depois fechou a conta, pediu a um carregador para levar as malas para um taxi e foi para o aeroporto. Almoçaria por ali mesmo e logo embarcaria no avião. Não queria chegar atrasado e não havia mais nada a fazer.
            Pontualmente às 16 h o avião tocou a pista de pouso do aeródromo de São Borja. O padrinho Joaquim o esperava no saguão e o abraçou carinhosamente. As bagagens foram levadas para o automóvel e voltaram para casa.

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