Pátio de embarque aeroporto de Lisboa. |
Aviões taxiando em Lisboa. |
Fachada do aeroporto de Lisboa. |
9. Mudança total de vida.
Enquanto aguardava pelo crédito da indenização na conta, Manoel aproveitou para percorrer o bairro da Lapa, Mooca, Bom Retiro e adjacências em busca de algo para comprar. Encontrou vários estabelecimentos à venda. Em alguns casos logo percebia que estariam além de suas possibilidades, outros, embora aparentassem menor valor, os atuais donos pediam valores exorbitantes. Houve um momento em que pensou ser necessário procurar em regiões mais distantes, pois não poderia gastar todo seu capital apenas na compra. Haveria necessidade de dinheiro para algumas reformas, adaptações e para capital de giro.
Decidiu fazer primeiro a viagem à terra natal e depois, com mais tempo, poderia procurar melhor. Dirigiu-se a uma agência de aviação. Iria por esse meio para não gastar tando tempo. Mesmo aposentado, tinha certa pressa em voltar e começar a tratar de seu próprio negócio. Enquanto aguardava o dia do embarque, passou casualmente por uma rua que ainda não havia visitado. Ali deparou-se com um estabelecimento a venda. Em certo momento viu diante de si uma placa que lhe chamou atenção. Lia-se:
VENDE-SE ESTE ESTABELECIMENTO
Tratava-se de um bar, com algumas mesinhas onde eram servidas refeições caseiras. O proprietário, também imigrante da “terrinha”, já em idade avançada, tinha decidido terminar seus dias junto aos familiares remanescentes em Tras os Montes. Ele aqui vivia sozinho. Nunca se casara, nem tivera envolvimento sentimental. Com o que tinha guardado no banco e com o valor da venda do bar, poderia custear as despesas para viver uma vida humilde e pacata junto aos irmãos e descendentes, com os quais se correspondia regularmente. Estavam a sua espera havia já algum tempo. Não se cansavam de insistir para que voltasse.
Iriam passar as tardes sentados nas praças, quando o tempo permitisse, quando não, ficariam se aquecendo junto à lareira. O que não iriam deixar de fazer, seriam boas caminhadas seguidas de intermináveis partidas de gamão, dominó, trilha e xadrez ou jogando conversa fora. Não queria terminar seus dias aqui, entre amigos, porém estranhos. Estava se sentindo cada vez mais solitário.
Manoel pensou um pouco, entrou e foi encontrar o patrício, de nome Joaquim José Lopes. Logo conversavam animadamente sobre negócios e ao final de duas horas haviam combinado o preço e o dia em que iriam a um cartório para formalizar o negócio. A vontade de voltar para a patria fez Joaquim pedir um preço razoável, dentro das possibilidades de Manoel. Isso facilitou a realização da comprá. Para comemorar, Joaquim foi buscar uma garrafa de vinho do Porto, guardada desde longa data. Não faria sentido transportar de volta para Portugal algo tão frágil. A ocasião merecia uma comemoração e nada melhor do que um bom vinho.
O excelente vinho acompanhou um prato de queijo e presunto picados, regados a azeite de oliva e orégano. Quando terminaram o vinho, se avizinhava a hora em que Joaquim devia, por enquanto, dar atenção aos seus fregueses. Estes, ao retornarem para casa vindo do trabalho, passavam por ali. Jogar um dedo de prosa fora com algum conhecido, saborear uma cerveja ou então uma branquinha. Depois seguiam seu caminho para casa. Tinham que descansar do dia de trabalho, pois na manhã seguinte a labuta recomeçava.
Avião decolando em Lisboa. |
Area de check in aeroporto Lisboa. |
Para Manoel, era imprescindível que os fregueses ficassem contentes, pois logo seria ele que estaria atrás do balcão. Já estava fazendo planos para algumas mudanças, mas isto ficaria para o dia em que estivesse no comando. Por ora apenas haviam acertado os detalhes do negócio. Faltava, no dia seguinte, logo pela manhã, irem ao cartório, formalizar o contrato e registrar os documentos de garantia de uma parte do valor a ser pago com algum prazo. Se fosse pagar o preço à vista, ficaria completamente sem capital de giro e não seria possível tocar o negócio. Era importante reservar um tanto de capital para as mudanças que iria fazer no bar e para garantir o estoque de bebidas e demais mercadorias que iria vender.
O representava uma grande vantagem era o fato de que adquirira não apenas o estabelecimento, mas o edifício, incluindo uma ampla moradia no andar superior. Com calma poderia fazer uma reforma em regra e teria onde residir com a future esposa. Voltou para casa assobiando alegremente, em outros momentos cantarolava canções que lhe vinham a memória, evocando os tempos de juventude e adolescência. Antes de ir para o quarto de pensão, passou pela casa de Eduarda e lhe contou as novidades. Queria partilhar com ela sua nova fase, uma vez que, ao que indicavam os acontecimentos, ela seria a companheira de seus dias no futuro.
Na manhã seguinte, quando as portas do cartório de registro civil abriram, lá estavam Joaquim e Manoel, ansiosos por terminar com as formalidades e concretizar o negócio. Joaquim estava radiante, pois tivera medo de que demorasse muito para encontrar um comprador para o bar. Manoel por outro lado, estava eufórico com a perspectiva de tornar-se dono de um estabelecimento que, conforme pudera verificar, era bem movimentado. Provavelmente não ficaria milionário, mas esta não era sua intenção. Queria sim ter seu canto para viver com sua “cabrocha”. Já poderia pedi-la em casamento. Tomou como exemplo o caso de Joaquim, que nunca se casara e levava hoje uma vida solitária e um tanto triste. Queria voltar para Portugal em busca de companhia, alguém com quem compartilhar a solidão.
Explicaram ao funcionário do cartório os detalhes do negócio e este, em pouco tempo redigira os termos do contrato, bem como os anexos como Notas Promissórias, integrantes do contrato, para garantir ao vendedor o recebimento dos valores que iriam ficar para trás. Quando tudo ficou pronto, antes de assinarem, dirigiram-se à agência da CEF que ficava perto e fizeram a transferência do dinheiro da conta de Manoel para Joaquim. Com o comprovante de pagamento em mãos, retornaram ao cartório e assinaram os documentos, que ficaram devidamente registrados nos livros do estabelecimento. Saíram dali, cada um com uma cópia do contrato nas mãos e voltaram para casa. Ao se despedirem, combinaram que na segunda feira seguinte iriam iniciar a transferência do estabelecimento.
Enquanto isto Manoel iria conversar com o contador, para se inteirar dos aspectos fiscais que o bar envolvia. Tinha necessidade de estar a par de todos os detalhes para não ser tomado de surpresa por alguma coisa de que não tinha conhecimento. Era necessário encaminhar a mudança da razão social para o seu nome. Isto demoraria algum tempo, pois envolvia órgãos públicos, onde geralmente é preciso ter muita paciência, voltar várias vezes para levar mais algum documento que ficara faltando e por aí a fora. Em se tratando de estabelecimento que vendia bebidas e alimentos, bem como a sua intenção de instalar numa área em desuso na parte do fundo mesas de sinuca, futebol de botão, pebolim, havia alguns requisitos que precisariam ser preenchidos para que fosse autorizado o funcionamento. Não queria arrumar confusões com as autoridades. Sua intenção era trabalhar com tudo nos devidos lugares. Licenças, autorizações, atestados e qualquer coisa exigida por lei.
Tratou logo de encontrar um empreiteiro para realizar a reforma. Iria demolir uma parede, para anexar ao salão do bar a área em desuso. Tudo combinado como era de seu gosto, foi dado início à reforma. Quando os trabalhos estavam encaminhados, foi em busca de um fornecedor dos equipamentos que precisava. Não demorou a encontrar uma empresa que lhe alugaria as duas mesas de sinuca, uma de futebol de botão e perolem. Providenciou cadeiras novas, mesinhas para servir bebidas, conseguidas como propaganda da distribuidora de bebidas.
Vista aérea do aeroporto de Lisboa. |
Em questão de duas semanas o senhor Joaquim se despediu de Manoel e lhe desejou sucesso com as modificações que estava realizando. Depois tomou um ônibus até o porto de Santos, onde embarcou em um navio de passageiros com destino à Europa. Bem que Manoel lhe havia sugerido viajar de avião. Tinha medo deste bicho que voava. Ele é que não iria arriscar a sua vida naquilo. Era preferível demorar mais alguns dias para chegar, mas não iria por os pés em um avião. Nem amarrado, posto em uma camisa de forças ele iria entrar num troço daqueles. Voasse quem quisesse. Ele iria com o bom e velho navio que era bem mais seguro.
Quando as obras ficassem prontas, Manoel estaria voltando de Portugal. Estavam em meados de julho e em dois dias embarcaria para Lisboa. Dali seguiria de trem ou ônibus, o que se apresentasse mais vantajoso. Avisara antes de partir aos familiares de sua próxima chegada. Aqui ficou tudo encaminhado para ficar pronto quando voltasse. O funcionário herdado entrou em férias e voltaria ao trabalho na reinauguração do estabelecimento. Uma cozinheira havia sido contatada para preparar as refeições a serem servidas aos freguêses. Todos eles lamentaram o período em que teriam necessidade de procurar outro lugar para fazer suas refeições. Quem gostou da ideia, foram os fregueses vespertinos e noturnos. Passariam uma temporada sem lugar para ir, mas no retorno haveria à sua disposição os jogos para se entreter.
Havia entre os fregueses e vizinhos apreciadores desse tipo de divertimento e antegozavam as horas passadas ali, disputando acaloradas partidas com os companheiros e amigos. Havia quem se preparasse para organizar campeonatos tanto de sinuca como de pebolim. Era ótimo o fato de a venda ter ocorrido entre dois patrícios portuguêses. Assim manteria boa parte das suas características, apreciadas pelos frequentadores.
A viagem foi rápida. Quando menos esperava descia no aeropoerto de Lisboa, indo depois buscar sua bagagem. Em pouco tempo estava embarcando em um ônibus que o levou para o Porto. Dali tomou um trem que o deixou em Ancede. Ao chegar, caminhou alegremente para a casa de seus irmãos, onde estava também a mãe. Morava em casas pouco distantes entre si. Em mais de trinta anos, essa era a segunda vez que voltava ali. A última for a poucos anos antes. A mãe ficou preocupada com o fato de ele estar mutilado. Pensou que teria dificuldades no futuro, mas ele lhe afiançou que não tinha com que se preocupar. Estava aposentado e deixara para trás um estabelecimento em reformas, junto com uma ampla moradia. Na volta pediria a namorada Eduarda em casamento e ficariam noivos.
Com essas notícias a velha senhora ficou mais serena. Seu estado de saúde era deveras preocupante. Fizera bem em vir visitá-la nesse momento, pois correria o risco de não ter outra ocasião para fazê-lo. Passou um mês visitando todos os lugares de sua infância, conhecidos ainda vivos, antigos colegas, sobrinhos já casados, formados em cursos universitários. Exerciam suas profissões ali mesmo em Ancede ou lugares próximos. A família se encaminhara para uma perspectiva de vida melhor do que nos tempos de sua infância e adolescência. Infelizmente quando se está a passeio, o tempo transcorre mais depressa do que em outras condições.
O dia do seu embarque de retorno se avizinhava. Passou dois dias inteiros junto à mãe, como querendo compensar os longos anos de separação. Sabia que, provavelmente essa seria a última vez que se viam. O momento da partida chegou e dos olhos da senhora lágrimas rolaram. Ela também sabia que ali estava se despedindo definitivamente do filho. Era o curso da vida e não poderia ser alterado. Desejou-lhe boa viagem e sucesso em seu empreendimento. Queria ter tido ocasião de lhe conhecer os filhos, mas isso estaria fora das possibilidades. Um sobriho, levou Manoel até Lisboa, aproveitando a necessidade de se deslocar para a capital. Iria participar de um curso de aperfeiçoamento em odontologia e assim poderia dar carona ao tio.
Foi uma viagem diferente. O veículo era usado e de menor potência que o seu Opala, deixado no Brasil. Ficou tentando comparer o desempenho do modelo europeu com o seu, de fabricação brasileira. O que ficava evidente era o menor consume de combustível, coisa que na Europa começava a ser levado em alta conta. A necessidade de importação de petróleo, aliada à alta do produto no mercado internacional, exigia o uso comedido do produto. Pensou consigo mesmo que, graças a Deus, o Brasil caminhava a passos largos em busca da autosuficiência na produção. O preço dos combustíveis ainda estava em nível razoável.
Foi deixado no aeroporto pelo sobrinho que logo depois foi para o local da realização do curso de que iria participar. Manoel procurou o balcão da Varig e ali fez os procedimentos necessários ao embarque para o Brasil. Teria que fazer uma baldeação em Marraquesh, até onde iria em uma aeronave menor. Estaria embarecando pouco antes do anoitecer e seria obrigado a uma espera de três a quatro horas antes de continuar para Recife, depois Rio de Janeiro, a seguir São Paulo.
Chegando a Congonhas. |
Decolagem em Congonhas. |
Patio de embarque em Congonhas. |
Área de check in em Congonhas. |
Ao chegar aqui, encontrou os trabalhos da reforma praticamente concluidos. Faltavam apenas detalhes de acabamento, a colocação da nova placa de identificação. Procurou pelo responsável para verificar a necessidade de algum material faltante. Este lhe informou que adquiria os materiais e os incluiria no valor final do serviço, junto com os comprovantes. Adiantou os valores e Manoel considerou que não havia exagero. Já previra a ororrência dessa situação. O automóvel estava a sua espera e para matar a vontade, deu um longo passeio com Eduarda por diversos bairros. Pararam em um restaurante para almoçar e depois foram ao cinema.
Ao sairem da sessão da tarde, anoitecia e foram até a casa da moça. Jantou ali, contando as novidades encontradas em Portugal. O novo governo estava se empenhando em melhorar as condições gerais da economia, o que se refletia na evolução positiva da qualidade de vida da população. O objetivo dos novos governantes era inserir o país no Mercado Comum Europeu. Isso facilitaria uma porção de coisas. Havia porém alguns requisitos a serem preenchidos para ser aceito nessa organização. Tanto a Espanha como Portugal estavam nessa busca. Era possível que o ingress na comunidade aconteceria quase simultaneamente. Eram por assim dizer o mesmo território.
Ao ir levara fotografias de seu carro, da namorada e também do estabelecimento adquirido. Haviam ficado com a mãe e os irmãos. De lá trouxera uma porção de rolos de filme para revelar aqui. Teria o que mostrar da terra natal. O interessante era que, mesmo tendo nascido lá, sentire-se estrangeiro ao chegar. Havia se abrasileirado de tal modo que até seu sotaque característico havia se modificado sensivelmente. Era agora quase imperceptível. Sua mãe percebera a diferença tão logo lhe pusera os olhos ao chegar. No final estava novamente falando igual aos familiares, coisa que demoraria poucos dias e teria perdido novamente.
Aproveitou e pediu naquele dia mesmo a mão de Eduarda ao pai, Isidoro. Fez o pedido sem delongas, prometendo levar a moça no dia seguinte a uma joalheria para comprar as alianças e um anel de noivado condizente. Ela ficou encantada com o pedido e aceitou prontamente. O pai não se opôs por ver que a filha estaria em boa companhia, apesar de o noivo já ter alguma idade. O que importante era se amarem e terem garantidas as condições de uma vida material minima para não sofrerem privações. Ele mesmo trabalhara a vida inteira e teria ainda alguns anos pela frente para se aposentar. Nunca tivera sobras, mas também não faltara o suficiente para alimentar, vestir e educar os filhos.
A mãe sempre trabalhara, ficando inativa somente nos períodos de gestação avançada. Mesmo com os filhos pequenos, deixara-os aos cuidados da avó e retomara o trabalho em uma pequena indústria. Em mais algum tempo poderia também se aposentar, de forma que teriam uma velhice sem grandes sobressaltos. Bastaria que não os atingisse nenhuma doença grave e poderiam aproveitar os anos da velhice para gozar um pouco a vida. Isso era algo bem próximo de um ideal, nem sempre ao alcance de todas as pessoas. Para comemorar o fato de a filha caçula ser pedida em casamento, foi aberta uma garrafa de vinho. Era produção brasileira, mas de boa qualidade.
Eduarda perguntou se haveria quem prepararia as refeições no estabelecimento ao ser reaberto. Manoel falou que havia mantido contato com uma senhora para ocupar essa vaga, mas que poderia dispensar seus serviços se ela assim o desejasse. Ela lhe disse:
– Pensei em trabalhar junto com ela para aprender mais sobre cozinha. Depois eu assumiria o comando, quando nos casassemos.
– Tu sabes que nem havia pensado nisso. Mas é um excelente arranjá. Melhor não poderia ser, minhã querida.
– Vou pedir para sair da loja. Estou mesmo cansada de atender aqueles fregueses nada gentís que aparecem.
– Acho que freguêses chatos vamos ter também no restaurante/bar. Mas tu vais ficar na cozinha e não terás contato tão direto com os mesmos.
– Sempre gostei de cozinhar e vou me sentir melhor nesse trabalho que vendendo sapatos a filhinhos de papai, metidos a besta.
– Acho que esses não irão aparecer no nosso estabelecimento. Ali a maioria é trabalhador que mora na região e alguns amigos que vou chamar para a inauguração. Assim eles se encarregam de fazer propaganda.
– Tu não vais te arrepender das mesas de sinuca e pebolim? O pessoal começa a beber e pode se tornar inconveniente.
– Deixa comigo e com o Francisco. Ele sabe lidar com esse povo. Está no ramo faz muito tempo. Vai ser importante como auxiliar.
– Sorte ele ter ficado para trabalhar contigo.
– Eu não iria deixar ele sair. Fiz questão de pagar seu salário pelas férias que está tirando para garantir que fique comigo.
Era hora de voltar para seu lugar de hospedagem. Poderia providenciar nos próximos dias uma cama, colchão e guarda roupa para poder se mudar. Tinha agora onde morar, não precisaria mais pagar hospedagem. Em poucos dias inauguraria o estabelecimento e teria onde fazer as refeições. Planejava fazer a inauguração por ocasião do feriado de sete de setembro, data da independência. Haveria um clima festivo para receber os clientes no retorno. As comemorações se restringiriam ao primeiro dia, depois começariam a pagar por tudo que fosse consumido. Não era nenhum perdulário capaz de rasgar dinheiro. Queria dar as boas vindas aos antigos e novos fregueses, nada mais.
Ninguém vai para frente em um negócio, pondo-se a distribuir presentes, comida e bebida de graça. Estava jogando uma isca, para depois puxar o anzol e fisgar todos eles. Que eles fossem, além de fregueses, seus amigos, não havia problema nenhum. Apenas não iria misturar negócios com amizade. Faria valer o ditato: Amigos, amigos! Negócios a parte.
Com a aproximação da inauguração começou a receber perguntas do tipo:
– Quando vamos poder nos divertir no seu estabelecimento, Manoel?
– Estou louco para jogar umas partidas de sinuca aqui perto de casa. Não vou mais ter que andar longe para isso.
– Vou inaugurar no dia sete de setembro, na hora depois do almoço. Vou aproveitar para ter mais gente aqui, pois no dia seguinte é sábado e domingo. Assim posso ter três dias de bom movimento.
– Bem esparto você, Manoel. Estou torcendo para que o dia sete chegue depressa.
– Calma que ele chegá logo. Ainda preciso terminar algumas coisas.
Seguiam seu caminho e ele trabalhava na arrumação de tudo para o dia sete. Havia instalado sua residência no andar superior e estranhava o enorme espaço vazio. Ficou preocupado com a situação, pois a vida toda vivere sempre próximo de uma porção de gente. Houvera ocasião em que dividira o mesmo quarto com colegas nas pensões em que ficara hospedado. Precisava se acostumar à solidão. Em alguns meses estaria casando com Eduarda e iria dividir aquele espaço com ela. Aproveitaria a presença dela na cozinha para decidirem sobre as reformas e móbilia para o espaço que seria o lar deles. Esperava ter vários filhos, se Deus lhe concedesse essa alegria. Apenas lamentava não ter tido tempo de dar essa alegria à mãe.
O tempo correu célere e logo estava na véspera da inauguração. Todas as providências haviam sido tomadas. O estoque de bebidas, os ingredientes para a preparação dos salgados e comida estavam armazenados no depósito, ou na geladeira. Dormiu um sono agitado naquela noite, sonhando que havia esquecido alguma coisa imperdoável e se recriminava. Ao acordar percebia que tudo não passava de sonho. Na dúvida chegou a descer para conferir se estava tudo em ordem. Constatou pela enésima vez que nada faltava. Voltou para cama e dormiu. Algum tempo depois novamente o sonho do esquecimento, agora de um outro ítem. Acordou e percebeu que havia tido novo sonho. Esteve a ponto de voltar para conferir tudo novamente, mas desistiu. Estaria cansado ao extreme logo no dia da inauguração.
Máquina de fliperama. |
Máquina de fliperama. |
Receber os fregueses com festa, mas a fisionomia cansada e aparentando um estado de ânimo incompatível com o clima, não condizia com o que esperava que fosse. Decidiu tomar um copo de água com açúcar e dormir. Dessa vez conseguiu e dormiu até ser acordado pela campainha da porta de entrada. Era a cozinheira, Francisco e logo se juntou a eles Eduarda. Desceu rapidamente depois de se vestir, mesmo antes de lavar o rosto. Daria uma desculpa e depois tornaria a subir para terminar sua preparação matinal. Em minutos os três assumiram seus lugares e começaram a trabalhar. Havia uma porção de coisas a providenciar antes que chegasse a hora de abrir.
Fizeram sem demora um bule de café bem forte e aqueceram também leite. Eduarda foi até uma padaria nas proximidades e comprou alguns pães para acompanhar. Assim ao descer o aroma do café recém coado veio ao encontro de Manoel. Era isso mesmo que estava precisando para terminar de acordar, depois da noite mal dormida que tivera. Sentou-se e tomou uma xícara de café e passou manteiga em um pão, pondo-se a comer incontinenti. Francisco por sua vez estava arrumando as mesas, limpando tudo com esmero. Queria que tudo estivesse impecável no momento de abrir o estabelecimento. Manoel observou o vai vem do empregado e se congratulou pela ideia de mantê-lo a qualquer custo. Não saberia o que seria dele sem sua ajuda, pelo menos nos primeiros tempos. Era uma atividade completamente diferente em sua vida.
Ao terminar, perguntou à dona Arminda e Eduarda se havia alguma coisa faltando na cozinha e foi informado de que estava tudo perfeito. Se constatassem alguma coisa em falta, daria tempo de avisá-lo para providenciar. Deu um beijo na noiva, depois foi se juntar à Francisco no serviço de limpeza e arrumação do salão de jogos e refeições. Conferiu as bebidas colocadas no refrigerador para gelar. Seria imperdoável faltar cerveja gelada, gêlo para uma caipirinha, um uísque ou qualquer outro destilado que algum freguês decidisse pedir.
Depois de revisar tudo, com ajuda de Francisco que era mais experiente no assunto, sentou-se por um momento e olhou para as mesas, do restaurante, caminhou depois até a entrada do salão de jogos. Ali correu o olhar por sobre as mesas de sinuca, o pebolim, a um canto uma máquina de fliperama. Testou o funcionamento, colocando uma ficha na ranhura destinada a isso. Realizou uma jogada, coisa que fazia pela primeira vez e viu a bolinha ser lançada na região superior, tocar nos diversos sensores, produzindo um ruido característico. Enquanto a bolinha era lançada de um sensor contra o outro e ameaçava chegar à base, onde seria sua função usar os controles existentes na lateral para impedir a passagem. Se conseguisse lançar a bolinha de retorno à região superior, ela poderia repetir o processo, enquanto os pontos seriam acumulados no visor.
Na primeira tentativa conseguiu leva-la até uma lateral, de onde ela foi lançada para um ponto mais acima e dali retornou como um risco para a base. Tentou em vão evitar a passagem. Ela vinha com muita velocidade e foi cair no local apropriado. Dali seria transportada ao reiniciar o jogo colocando nova ficha. Tinha ao todo cinco bolinhas. Gastara por enquanto apenas a primeira e acabou se entretendo por alguns minutos até concluir que conseguira, para uma primeira tentativa, acumular uma soma de pontos considerável. Deixou a máquina e foi conferir as mesas de sinuca. As bolas estavam em seus lugares, os tacos colocados nos suportes e giz disponível em quantidade suficiente para muitas partidas que provavelmente seria jogadas ali, dentro de algumas horas.
O preço por partida no dia da inauguração estava pela metade do preço, para cativar os fregueses. Um antigo fregues lhe falara que estava tratando de organizar um campeonato e queria saber se Manoel lhe daria apoio na iniciativa. Ele concordara, apenas queria saber o que isso implicaria em seus compromissos financeiros. Precisaria apenas adquirir os troféus para os vencedores, segundos e terceiros colocados. Ele passara em uma loja especializada, fazendo um levantamento para saber quanto isso iria lhe custar. Observou que, se a quantidade de partidas jogadas alcançasse determinado número, poderia arcar com a despesa adicional, sem haver prejuízo. Havia que levar em consideração também o consume de bebidas.
Era hora de almoçarem para estarem prontos no momento de abrir. Isso ocorreria exatamente às 14 horas. Uma dupla de tocador de violão e sanfona haviam sido contratados para animar o ambiente nesse primeiro dia. Eles haviam chegado pouco antes e estavam a postos, os instrumentos afinados e em condições de uso. Também foram convidados a almoçar e eles não recusaram. Sabiam que depois teriam uma tarde inteira para tocar e alegrar os fregueses de Manoel. Em toda redondeza não se falava nada além da inauguração do bar/restaurante reformado. Do lado de for a começou a se formar uma aglomeração, uns conversando com os outros, olhando para os relógios à espera domomento de serem abertas as portas.
Manoel não seria condescendente. Faria como prometido. Abriria exatamente no momento em que o relógio estivesse indicando 14 horas, do dia sete de setembro de 1983. Era algo que seria uma característica de seu estabelecimento a pontualidade no abrir. Não poderia garantir nada sobre a hora de fechar, pois dependeria da disposição dos freguêses em jogar e gastar seu dinheiro. Ele não seria bobo em dispensar alguém disposto a deixar seu dinheiro em sua caixa registradora. Esperava apenas que lhe deixassem algum tempo para dormir, pois precisaria estar em pé no dia seguinte pela manhã. A sorte era o ajudante Francisco que poderia ir dormir mais cedo e vir em seu auxílio pela manhã.
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