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Um pouco de história do Brasil – Cerco da Lapa e Guerra do Conterstado, parte I.

Um pouco de 

história do Brasil!


I
            Durante anos ouvi falar, vi notícias na televisão e jornais sobre o Cerco da Lapa, Guerra do Contestado. Por algum tempo cheguei mesmo a ligar as duas coisas como parte de um mesmo acontecimento bélico.

            Há alguns meses uma amiga, em conversa no bate-papo do facebook, falou que é professora na Universidade do Contestado, no Estado de Santa Catarina. Lembro que indaguei sobre detalhes dessa tal guerra e ela prometeu me enviar algum material sobre o assunto. Me adiantei e pesquisei na internet, encontrando material até bem farto sobre o assunto. O mais completo é, em minha opinião, uma tese de doutorado, apresentada por Paulo Pinheiro Machado e aprovada pela comissão julgadora em 17/12/2001. Isso aconteceu no Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, sob orientação do Prof. Dr. Cláudio Henrique de Moraes Batalha.

Local de repouso dos restos mortais dos mortos no cerco da Lapa.

Tratado jurídico sobre o litígio de limites entre Paraná e Santa Catarina.

            O texto foi escrito tomando por base uma extensa bibliografia existente, um grande número de entrevistas de pessoas que viveram na época, sendo então crianças ou adolescentes, um imenso acervo do processos jurídicos, registros civis e toda sorte de fontes de informações. Outras entrevistas com pessoas, nascidas em data posterior, porém filhos de quem vivenciou aqueles dias. Em suas investigações para determinar a origem de todos os fatos, retrocedeu à meados do século XIX. Aliás a área de litígio entre os estados do Paraná e Santa Catarina, coincidentemente fazia parte da região que foi dominada pelos rebeldes “pelados” (usavam cabeças raspadas). Desde a criação da então Província do Paraná em 1853, havia divergências sobre os limites. Uma longa disputa, ora de forma amigável, ora nos tribunais, acabou por conceder ganho de causa ao governo de Santa Catarina.
Degola de prisioneiros, hábito comum na revolução federalista.

Pintura representando proclamação da república. 

            O que não aconteceu foi a implementação da sentença do STF. As autoridades catarinenses tentaram por todas as maneiras obter a execução da sentença, o que as paranaenses se empenhavam em impedir. Tal estado de coisas persistiu até 1916, quando do encerramento das hostilidades entre tropas do governo e os rebeldes caboclos. Antes da delimitação definitiva, grande parte do atual território de Santa Catarina era reivindicado pelas autoridades do Paraná. Além disso uma extensa região na parte oeste era pretendida pela Argentina. Essa ficava entre os rios Uruguai e Iguaçu, alcançando a região de Palmas.
Canhões usados no cêrco da Lapa.
Canhão usado na realização do filme sobre Cerco da Lapa.

            Nas últimas décadas do século XIX a região foi percorrida, em épocas distintas, por dois indivíduos que se intitulavam João Maria. O primeiro deixou de ser visto no final dos anos 70. Há ecos de que seria originário de países de língua espanhola. Vivia uma vida de “monge”, sempre afastado de aglomerações humanas. Vez ou outra se aproximava para pregar sobre religiosidade, costumes, uma forma de governo monárquico e convivência fraterna entre a população. A falta absoluta de padres disponíveis, levou alguns deles a autorizar em determinadas ocasiões que ele pregasse aos seus fiéis em sua ausência. Ensinava o uso de ervas medicinais e dava conselhos diversos. É hoje lembrado como São João Maria de Agostinho.  
Monge João Maria ou São João Maria de Agostinho.

 Depois do primeiro, algum tempo se passou e outro, com a mesma alcunha, começou a percorrer a mesma área. Não é sabida sua origem exata. Há suspeitas de que seja de descendência síria. O que ambos tinham em comum eram os hábitos de vida, desapego ao material, pregando o retorno aos velhos usos e costumes da religião. Tinha, ninguém sabe de onde vinha, conhecimentos de botânica que lhe permitiam poderes de curar algumas doenças que afetavam a população planaltina usando para isso as plantas da natureza. Costumavam indicar o uso de ervas para os males do corpo que afligiam a população. Malgrado a inexistência de informações sobre os seus conhecimentos botânicos, obtinham alguns resultados considerados “milagrosos”. Isso lhes rendeu muito prestígio.

            A mesma região era cortada de um extremo a outro e em diversas direções por trilhas usadas pelos tropeiros em suas viagens do Rio Grande do Sul para São Paulo, levando especialmente mulas para o trabalho de tração e carga no destino. O resultado foi uma extensa rede de parentela que se estendia desde o pampa gaucho até o interior do Paraná e mesmo parte de São Paulo. Foi por essas trilhas que vieram ter às portas da cidade da Lapa, não longe da capital paranaense, os combatentes maragatos de Gumercindo Saraiva em 1893/95, durante a revolução federalista. Tentavam expandir para os territórios vizinhos as ideias de mudanças na forma de governo republicano, recentemente implantado, após o XV de Novembro de 1889. Ali o General Carneiro, resistiu heroicamente, com pouco mais de 600 homens ao cerco promovido por uma tropa superior aos 3000 combatentes de Gumercindo Saraiva.

            Com a resistência da Lapa, celebrada até os dias de hoje no Paraná como um momento heroico, perdeu a vida o comandante do feito General Carneiro e mais um pequeno grupo de 12 homens. Com a derrota para os “legalistas”, Gumercindo retrocedeu para o Rio Grande do Sul, onde acabou assassinado na véspera de uma batalha planejada. Muitos dos homens de suas tropas permaneceram na região, estabelecendo-se em diversos lugares.
Pátio de serraria cheia de toras(Brazil Lumber).

            No início do século XX, a Brazil Railway, encarregada de construir a ferrovia São Paulo/Rio Grande do Sul. Por coincidência o traçado atingia exatamente a mesma região antes usada pelos tropeiros. No contrato, a empresa recebeu em concessão uma faixa de 15 km ao longo dos dois lados da linha ferroviária. Surgiu assim a Brazil Lumber and Colonization, encarregada de explorar as terras, madeiras e por à venda as terras. Isso acabou desalojando os ocupantes dessa região, estabelecidos ali há muito tempo.
Ferrovia chegando ao estado de SC

Guindaste carregando toras em vagão ferroviário.

            A conclusão dos trabalhos de construção, deixou por sua vez desempregados um grande número de residentes e agregados dos fazendeiros que, durante a construção, tinham encontrado uma forma de ganhar dinheiro ajudando na subsistência familiar. O coronelismo reinante sobreviveu ao fim do império e se perpetuou na república. Isso gerara um clima de submissão forçada de grande parte da população, ao domínio dos detentores do poder político nos municípios do interior.

            Cabe aqui um esclarecimento. Durante boa parte de minha vida convivi com uma dúvida. Sempre encontrei os termos Coronel e Capitão em obras literárias, referindo-se a figuras de destaque no cenário político do interior do Brasil de norte à sul. O que eu desconhecia era a origem dessas “patentes” militares atribuídas a indivíduos ocupados principalmente em criar gado, plantar café, ou cacau, conforme as características regionais em que estavam inseridos. Na leitura da tese citada, tive o esclarecimento. Eles adquiriam essas mesmas, tanto no império como na república, pelo fato de disporem a seu serviço ou domínio um vasto contingente de homens possíveis de mobilização em caso de necessidade. Além disso tinham recursos financeiros para manutenção desses efetivos em períodos de campanha bélica. Eram integrantes da Guarda Nacional e não aceitariam nada menos que uma patente de nível mais alto. Não se encontram majores, tenentes coronéis, muito menos tenentes nesse cenário.

            Usando de seu prestígio, manipulavam politicamente para ocupar as posições administrativas, legislativas nos seus municípios e congressos legislativos das províncias (depois estados). Indicavam seus apaniguados para cargos menores como chefes de polícia, juízes, oficiais de justiça, cartórios e o que mais houvesse. A quem não aceitasse esse estado de coisas restava migrar para lugares mais distantes, outros municípios ou entrar para o serviço de opositores de quem estava na posição de mando.

            O  interior do Paraná e também Santa Catarina apresentava áreas de pastagens naturais, outras de mata fechada com pinheirais e à sua sombra se desenvolviam os arbustos de Ilex Paraguariensis. É a planta que fornece a matéria prima da erva mate. Grande parte da população tirava a subsistência da coleta das folhas e galhos mais finos, que eram processados produzindo a erva mate. Produto cujo consumo se espalhou por toda região sul e largamente exportado. As áreas de pastagens foram ocupadas pelos fazendeiros, ficando os denominados faxinais ou áreas de transição entre a floresta e as pastagens naturais. Ali os menos favorecidos desenvolviam a abertura de posses, implantando cultivo de sobrevivência e pequenas criações de animais. Depois de limpas e cultivadas, passavam a ser alvo da cobiça dos fazendeiros e não raro as plantações eram atacadas pelo gado destes, em especial nos períodos de escassez de pastagens.
Casa feita de rachão de pinheiro.

Sertanejos derruband
o pinheiros.

            Não raro aconteciam atritos severos entre os pequenos proprietários e os donos das fazendas. Muitos foram vítimas de açambarcamento de suas posses por parte dos grandes. Na região somou-se uma série de fatores geradores de insatisfação da população menos favorecida. Os desmandos dos coronéis, a expropriação de extensa área por parte da Brazil Railway e sua subsidiária Brazil Lumber and Colonization, a substituição dos tropeiros pelo transporte ferroviário, além da superposição de jurisdição dos dois estados em litígio por uma extensa área. Tudo isso criou um clima propício ao surgimento do movimento de rebeldia da população dessa região.

            O rio do peixe, timbó, canoas, negro e outros cortam a região. Ali existiam grandes áreas de pinheirais, explorados pelas serrarias da Brazil Lumber. O uso de guindastes para arrastar os troncos destruía grande parte dos arbustos de erva mate. As toras eram transportadas sobre trilhos e até a entrada das mesmas até o local da serragem, era automatizada. Restava para os trabalhadores não qualificados apenas algumas tarefas meramente sem importância. As rivalidades políticas entre grupos diversos contribuíram também com sua parcela para as insatisfações populares.

            Nesse caldo de efervescência surgiu um indivíduo, sob o nome José Maria, dizendo-se seguidor ou enviado de João Maria, começando a aglutinar ao seu redor o povo descontente. Estavam em busca de alguém que os acolhesse e protegesse.

Máquina escavadeira da ferrovia.

(Essa parte vou tratar em outro capítulo, pois ficaria muito extenso para um único artigo. Até outro dia. Feliz Natal.)

Quem desejar mais imagens, basta digitar no espaço de buscas do google a expressão “Cerco da Lapa”, “Guerra do Contestado”.  Ali encontrará os links para páginas de imagens de ambos os eventos. As que aqui estão reproduzidas eu baixei de um desses dois endereços. 

Comments (3)

  • Cris19/10/2016 at 6:47 AM

    Uma consideração: é comum atribuir a imagem da foto do segundo monge João Maria, ao primeiro. A imagem do monge sentado, com as pernas cruzadas não corresponde ao João Maria d’Agostini – primeiro monge, italiano; mas sim do segundo.

    • Décio Adams19/10/2016 at 8:25 PM

      Essa dúvida é sanada no livro O Heremita das Américas. Eu em outro post e lá aparece a foto verdadeira de João Maria d’Agoostini. Ele faleceu em 1869, no sul do Novo México, assassinado. Tem inclusive a foto do túmulo dele.

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