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Progresso traz problemas.
Seria utópico esperar que a aglomeração de um grande contingente humano, de deferentes procedências, trouxesse em seu âmago apenas pessoas de boa índole. Há sempre alguns indivíduos de menor qualificação moral no meio de grandes grupos. Dessa forma resultou que, concomitantemente com o desenvolvimento acelerado da cidade, também ocorreu um aumento de algumas formas de transgressão das normas de civilidade. A administração se viu na contingência de formar um corpo de segurança. Por sugestão popular, os integrantes desse grupo, foram selecionados entre os discípulos da escola de luta com as mãos. Iagushi Tomishi havia feito um trabalho maravilhoso. Formado uma imensa legião de adeptos da arte de lutar, usando apenas as mãos. Os mais destacados discípulos tornaram-se por sua vez instrutores de novas turmas.
De tal modo até os homens de mais idade estavam minimamente preparados para enfrentar situações de emergência, sem grandes dificuldades. Somente um pequeno grupo, além dos mais idosos, deixou de tomar parte nos treinamentos. Quando o legislativo aprovou a constituição do corpo de segurança, foi fácil preencher as vagas abertas. A finalidade era manter a ordem e segurança. Teriam permissão para uso de uma pequena espada, porém esta deveria ser empregada apenas em casos extremos. A ordem era não ferir; apenas impedir comportamentos inadequados e proibidos. Um contingente inicial de 200 homens foi colocado à serviço. Eles iriam encarregar-se de patrulhar as ruas, atender a chamados em situações de emergências, além de garantir a ordem e segurança no âmbito da cidade.
Um grupo de jovens mulheres solteiras e algumas casadas, solicitou permissão para organizar uma turma para aprender a luta com as mãos. Com aprovação do conselho legislativo e a chancela do executivo, foi dada autorização a mestre Iagushi Tomishi para desenvolver as lições. No princípio as senhoras mais idosas ficaram um pouco escandalizadas com a iniciativa. Com o passar dos meses, o fato foi aceito e mais integrantes do sexo feminino passaram a tomar parte das sessões. Foi preciso criar mais uma turma, depois outra, até que um grande número de moças e senhoras estivesse em condições de cuidar de sua defesa, sem presença obrigatória de homens. Nesse ponto alguém cogitou da hipótese de ampliar o corpo de segurança, integrando nele também um grupo feminino. Nesse momento houve uma oposição mais intensa e o assunto ficou para uma ocasião futura, sem, no entanto, ser descartada completamente.
A criação do corpo de segurança, trouxe maior tranquilidade às famílias e população em geral. A forma civilizada com que os membros do corpo se portavam, serviu de exemplo a outras cidades, de onde antes havia vindo parte dos modelos de leis que serviram de base para a organização local. No primeiro encontro de Mink com o anjo Arki, quando do início da atividade de segurança, o assunto foi objeto de conversa entre os dois. Isso ocorreu logo após a aprovação da estrutura de organização do corpo de segurança. Na véspera do dia de descanso logo a seguir, os dois se encontraram no algo do penhasco. A noite estava escura como breu. A lua estava na fase nova, enquanto o céu cintilava de estrelas rutilantes.
Minck notou pela primeira vez que, depois de anos de encontros, Arki decidira sentar-se ao seu lado. Ambos perscrutavam o firmamento, enquanto conversavam sobre vários assuntos. Logo ao chegar, o anjo perguntou:
– Quais são as novidades que você tem para me contar?
– Para começar acho que devo contar da criação de uma organização na cidade de um grupo de pessoas encarregadas da ordem e segurança. Estavam ocorrendo algumas perturbações por parte de gente pouco civilizada que veio de longe. Os governantes criaram uma força, composta de lutadores capazes de enfrentar os arruaceiros e malfeitores.
– E eles irão portar armas?
– Vai ser permitido portar uma espada curta, mas seu uso só será permitido em situações extremas.
– Isso é positivo. Tropas para manter a ordem, devem começar por impor respeito pela atitude e não pelo uso de armas.
– Eu sugeri ao meu irmão, que é do corpo legislativo, para que não fosse permitido uso de armas, mas não foi possível aprovar essa ideia. Pelo menos todos os integrantes do corpo serão especialistas no uso das mãos. Para isso serviu a vinda de mestre Iagushi. Ele preparou uma boa reserva de gente capaz de fazer esse trabalho.
– Certamente. Isso desestimula o povo de fazer uso de armas. Como resultado haverá mais respeito à autoridade pela moralidade do que pela força.
– Estou com esperança que isso dê certo. Pelo menos nas demonstrações feitas em competições, pode-se perceber que há gente capaz de imobilizar e mesmo desarmar gente armada, apenas com o uso das mãos. Oxalá isso funcione na pratica.
– Funciona sim. Basta ter vontade e ser firme no propósito.
– O que ainda falta na nossa cidade, para chegarmos ao ponto de ficarmos em condições de viajar para o planeta de destino e começar o repovoamento?
– Primeiro há necessidade de mais diversidade de pessoas. Em alguns anos, com os casamentos entre jovens de famílias vindas dos diferentes pontos, teremos um contingente de filhos bem diversos. Isso nos permite levar exemplares de todas as raças e seus cruzamentos.
– Não seria melhor que fossem todos da mesma raça?
– Quanto mais misturadas estiverem, melhor. Os moradores locais já são descendentes de diferentes raças. Essa mistura fortalece a herança genética, tornando os indivíduos mais fortes e saudáveis.
– Eu havia pensado o contrário. Quer dizer que misturar as raças, resulta em pessoas melhores fisicamente?
– Isso mesmo. A raça pura, acentua as falhas herdadas dos antepassados. A mistura permite que essas falhas sejam sanadas pelos genes melhores.
– Eu logo vou chegar na idade de casar também. Quer dizer que seria conveniente encontrar uma esposa que fosse de família vinda de fora?
– Não é essencial, mas desejável, se você se apaixonar por uma jovem nessas condições.
– Eu gosto de uma menina, filha de uma família que veio do ocidente. Parece que ela nasceu nas proximidades de um mar chamado Cáspio.
– Eles vieram de bem longe. Se ela também gostar de você, não é má ideia, amigo. Não tenha pressa. Há tempo para isso.
– Outra coisa que está acontecendo de novidade é a formação de um grupo de moças e mulheres jovens que irão aprender também a luta com as mãos. Isso não é um pouco estranho?
– Estranho por que? Só por serem mulheres?
– Sempre pensei que os homens são feitos para a luta. Nunca imaginei as mulheres lutando, umas com as outras ou mesmo com os homens.
– As mulheres são seres humanos da mesma forma que os homens. Cabe-lhes o direito de se defender, sem depender da presença de um homem para isso. Isso aumenta sua segurança e a da própria família. Deixe que elas aprendam a lutar. Iremos preferir no grupo de repovoamento as mulheres que saibam lutar para defesa pessoal e de seus filhos.
– Olhando por esse lado, fica diferente mesmo. Ver a mulher não como um combatente, mas como defensor é mais aceitável.
– Elas podem também combater, desde que isso seja essencial. A primeira função delas é serem mães e cuidarem do lar. Em muitos momentos, porém, pode ser importante saber lutar para segurança dos filhos.
– O mais engraçado foi que, quem mais se opôs a iniciativa, foram as senhoras mais idosas. Mas vão ter que se acostumar com a ideia, pois a autorização já foi dada.
– Os governantes deram um exemplo de bom senso. Se tivessem impedido, estariam criando um motivo de frustração na cabeça das mulheres. Assim, elas se sentirão mais fortes e confiantes. Terão condições de desempenhar melhor sua missão no lar.
– E se elas resolverem partir para o ataque, participar de alguma batalha?
– Se isso acontecer, melhor é deixar sentir o peso da decisão. Quem não tiver estrutura para suportar, desistirá. As que estiverem preparadas, seguirão, até onde conseguirem.
– Acho que vou sentir-me mais confiante se estiver casado com uma mulher que saiba defender-se e aos filhos, no caso de eu estar ausente. Não havia pensado nisso antes. Via sempre as mulheres ficarem na dependência dos homens. Mas, agora vejo que na verdade elas assim ficam protegidas, além dos filhos estarem em segurança. – Logo iremos pensar em formar, primeiro um grupo, depois vários para desenvolver a ideia geral sobre a visão do Pai Universal, do Filho Criador, do Espírito Materno e do caminho evolutivo, rumo ao Paraíso. Comece a observar as pessoas, até mesmo conversar de modo discreto sobre o assunto. Assim irá encontrando quem pode ser convidado para fazer parte desses grupos.
– Eu me sinto inseguro demais para fazer isso, acho eu. Como vou saber quem é mais indicado?
– Vamos começar com um grupo de dez pessoas. Podem ser jovens, ou com um pouco mais idade. Metade homens e metade mulheres. Você saberá quem escolher. Confie na sua fagulha. Confie no seu Criador.
– Se eu ficar em dúvida, vou pedir ajuda.
– Você não irá precisar pedir ajuda. Basta confiar, ter fé. A fé irá suprir a sabedoria que você precisa para isso.
– Pelo que me falou antes, não devo escolher pessoas da mesma raça, nem da mesma família. Quanto mais diversos forem, melhor.
– Depois de prepararmos esse primeiro grupo, cada um deles irá escolher por sua vez, outros dez, formando agora dez grupos. Isso somará no total 111 pessoas, contando com você e seus primeiros dez amigos. Assim iremos multiplicando o grupo, até termos 10111 pessoas para levar daqui.
– Mas iremos precisar de muitos transportadores ou fazer muitas viagens.
– Isso você deixa por conta de quem sabe fazer esse transporte. Nem se preocupe.
– E esse povo todo vai saber guardar segredo?
– Cuidaremos disso na hora certa.
– Devo apenas confiar, ter fé. Os detalhes ficam por conta dos anjos.
– Isso mesmo. Os anjos cuidarão de tudo. Embora tenhamos denominações diferentes, ao final das contas, somos anjos ou quase isso.
– Quando formos para esse planeta, levaremos alguma coisa daqui? Utensílios, roupas, ferramentas, esse tipo de coisas?
– Lá haverá um abrigo e o básico para viver pelo tempo necessário, até poderem produzir a primeira colheita, fabricar os utensílios. Irão encontrar algumas coisas básicas, que pertenceram aos habitantes de lá e foram guardadas para esse momento.
– Iremos encontrar alguma máquina que foi usada antes?
– As máquinas todas se deterioraram. Nem seria bom encontrarem alguma delas, pois poderiam sofrer acidentes com elas e isso não seria nada conveniente. Muitas coisas estão cobertas de grossas camadas de detritos, alguns terremotos e vulcões em erupção deram conta de sumir com o que havia restado.
– Teremos que começar estritamente do começo. Agora estou entendendo o motivo de estarmos recebendo tantos imigrantes. Muitos deles trazem conhecimentos que são partilhados com os outros. Irão servir para serem usados na hora de recomeçar nesse planeta.
– Os mineradores, os metalurgistas, os agricultores e todas as demais profissões serão úteis. Assim poderão ter um começo aceitável. Não precisarão desenvolver tudo do começo.
– E lá existem os mesmos metais e plantas daqui?
– Não são exatamente iguais, mas é muito semelhante. Por isso foi escolhido o planeta de vocês para a missão. Se fosse muito diferente, com clima e atmosfera diferentes, não seria possível a transferência.
– Então não foi o acaso que determinou essa escolha. Há motivos para isso. Me esclareça uma dúvida. Existem lugares com vida, de tipos diferentes de nós aqui na Terra?
– Há viários tipos de vida. A principal diferença é o tipo de atmosfera. Existem planetas com vida e cuja atmosfera é bem rala. Outros a atmosfera é mais densa. Também há vida em planetas com outras diferenças, mas você não vale a pena enumerar todas as variações.
– E depois da morte, todos seguem o mesmo caminho?
– No mesmo sistema os estágios após a morte material, são realizados no chamado Mundo das Mansões. Ali todos os seres humanos, vindos dos diferentes mundos mortais, vivem juntos as viárias etapas.
– Tem hora que fico morrendo de curiosidade para saber como isso pode ser. Mas acho que preciso esperar a minha hora de ir para lá.
– Adivinhou, amigo. Novamente digo. Não tenha pressa, confie, tenha fé, espere sua hora.
– Estou entendendo. A paciência é algo muito importante. Não adianta ter pressa em chegar no Paraíso.
– Você dispõe da eternidade para fazer isso. Por que a pressa?
– Esqueci que para Deus, o Pai Universal, não existe o tempo. Ele não tem pressa para nada.
– Sem dúvida. Ele sempre existiu e sempre existirá. No Paraíso não existe o tempo e lá é a moradia do Pai.
– Essa escolha dos dez amigos eu devo completar até quando?
– Comece escolhendo alguns e daqui a quatro semanas conversamos sobre eles. Iremos trocar impressões sobre o assunto e tirar as dúvidas. Depois você completa sua escolha.
– Vou contar com alguma ajuda para fazer esses amigos entender a missão? Ou terei que fazer isso sozinho, por minha conta?
– Vamos dizer que você receberá ajuda indireta. Não poderemos aparecer para eles. É melhor que seja alguém igual a eles que lhes leve as informações. Apenas poderemos fornecer apoio, sem aparecer diretamente.
– Alguém vai cochichar no meu ouvido, mas sem aparecer?
– Mais ou menos isso. Vamos nos encarregar de soltar sua língua. Aliás, você irá usar a habilidade adquirida nas aulas de escrita e leitura. A inspiração fará o resto.
– Então foi para isso que me prepararam desde cedo. Aos poucos tudo começa a ficar mais claro.
– Nós, do mundo espiritual, agimos sempre de maneira indireta. Usamos os fatos naturais para alcançar nossos objetivos. Só quando é preciso que interferimos mais diretamente.
– E nós humanos pensamos que temos o controle de nossos atos, fazemos o que queremos. Puro engano. Quando vocês querem, induzem as coisas a acontecer como desejam.
– Quando é possível, usamos os acontecimentos como eles ocorrem. Às vezes damos um pequeno auxílio para que eles se ajustem ao desejo do Pai.
– Não vai ser fácil convencer as pessoas dessas coisas. A maior parte das pessoas teme coisas relativas ao espírito, fazem promessas em troca de vantagens pessoais, sacrifícios para aplacar os deuses. Pode-se encontrar de tudo no meio da população que hoje vive na nossa cidade.
– Confie, comece da base. Não adianta querer avançar muito no começo. É preciso tempo para isso. Nós sabemos que não é fácil transformar a cabeça de um ser supersticioso, cheio de medos e angústias. Tem que dar um passo de cada vez. Repetir muitas vezes as mesmas coisas, insistir, insistir e tornar a insistir. Mesmo assim ainda há o risco de alguém depois recair nos velhos hábitos. O retrocesso na evolução, não havendo reforço dos ensinamentos novos, é parte do jogo. Prepare-se para uma batalha demorada e cansativa. Mesmo depois de fazer o seu trabalho com os dez amigos, terá que reforçar os ensinamentos constantemente. Eles por sua vez irão repassar aos amigos escolhidos o que aprenderam. Não espere que os do final da linha estejam no mesmo nível dos primeiros. A cada transmissão, há uma pequena perda. Os ouvintes absorvem os ensinamentos e os juntam às suas convicções antigas, formando uma nova informação. Mas não se preocupe, que é assim mesmo. A perfeição só ocorre, ao atingir o Paraíso. Nunca antes disso.
– Chego à conclusão de que o Pai Universal tem uma paciência sem limites. Não fosse isso, creio que há muito teria deixado tudo de lado e cuidado da própria existência. Mas isso significaria Ele não ser Deus, o Pai Universal, o Supremo.
– Ele só consegue experienciar o que é a vida, através dos seres humanos evolutivos, quando eles finalmente alcançam o Paraíso. Sem isso ele não completaria sua manifestação. Pelo menos é isso que podemos concluir, pois não sabemos tudo. Há muito de mistério na Trindade do Paraíso.
– Pois é, amigo. Ele, como é todo poderoso, faz acontecer o que é de seu agrado.
– Lembre que lhe falei sobra a misericórdia do Pai Universal? Ele é infinitamente misericordioso, o que significa ter amor sem fim para dar. Tudo que criou, é expressão última de seu amor, da sua misericórdia.
– Realmente precisa ter essas qualidades em quantidade ilimitada, para suportar todas as impertinências das criaturas.
Nisso Mink bocejou. Sinal de que estava com sono, levando Arki a dizer:
– Vai dormir amigo. Você está com sono e precisa descansar. Vejo você daqui a quatro semanas.
– Até a próxima vez, – falou Mink.
O raio azul riscou o céu, levando o anjo para de volta ao seu lugar no firmamento. O agora adolescente Mink desceu depressa do penhasco. Caminhou rapidamente até a casa dos pais, indo sem demora para seu aposento. Foi dormir e no dia seguinte, levantou-se um pouco mais tarde que o normal. Havia demorado algum tempo para adormecer, pensando na questão da escolha dos amigos para começar a seleção das pessoas que iriam ser levadas para o planeta do repovoamento. Era uma questão delicada, pois teria que haver a concordância dos candidatos. Separar quem era conveniente e quem não, significava fazer opções entre uns e outros. Tinha muitos amigos e conhecidos, mas deveria selecionar não pela simpatia ou amizade, mas pelas qualidades de cada um. Por fim havia decidido colocar nas mãos do Pai e confiar em sua providência. Era confiar, ter fé. Precisava exercitar sua habilidade nesse aspecto.
Começou a manhã novamente caminhando pela praia, naquele mesmo lugar em que encontrara o menino transferindo o oceano para uma pequena cova, usando uma concha. Mais pessoas haviam decidido fazer o mesmo. Deparou-se com várias pessoas, algumas conhecidas de vista, outras não. Cumprimentou aqui, ali e encontrou dois rapazes que palestravam animadamente. Alguma coisa chamou sua atenção e, ao cumprimenta-los, decidiu fazer-lhes uma pergunta qualquer. Imediatamente estabeleceu-se uma conversação entre os três. Eram imigrantes vindos há algum tempo. Ao saberem ser ele nativo da cidade, puseram-se a perguntar sobre vários fatos que desconheciam e ele jovialmente lhes informou o que queriam saber.
Logo ficou sabendo onde trabalhavam, onde moravam e ele os convidou para visitar sua casa, convite retribuído por eles. Despediu-se deles e seguiu caminho. Mais à frente encontrou duas jovens, sendo uma delas nascida na cidade e a outra vinda de fora. Ao vê-lo fizeram-lhe uma pergunta que ele gentilmente respondeu. Logo estavam conversando e caminhando pela praia. Ele simpatizou com elas e imaginou que poderiam perfeitamente fazer parte de seu grupo de dez amigos. Era preciso conhece-las com mais detalhes. Ao retornarem, depois de chegarem à extremidade da praia, encontraram novamente os dois rapazes, ainda conversando. Estando próximo da hora da refeição do meio dia, eles se juntaram e continuaram caminhando, voltando para a cidade.
Quando faltava pouco para chegar em sua casa, Mink se despediu dos novos amigos e estes seguiram para suas casas. Lembrou que Zósteles o havia convidado para almoçar em sua casa. Passou em casa para avisar à mãe e foi ao encontro do amigo. Depois de almoçar, passaram a tarde conversando, sendo que o amigo serviu de confidente para suas dúvidas. Ele ouviu com atenção e quando foi informado dos nomes dos dois casais encontrados pela manhã, lembrou que os conhecia. Logo disse ao amigo que se tratava de jovens de boa índole. Eram sim de personalidade forte. Tinham bem claro o objetivo de suas vidas. Pareciam ser boa opção diante da missão que lhes estava destinada. Falou disso ao jovem amigo.
Ao anoitecer se despediram e prometeram encontrar-se na manhã seguinte, para iniciar mais uma semana de trabalho. Zósteles estava agora ocupado principalmente com a gestão do sistema de ensino da cidade e região. Tudo havia evoluído de modo ciclópico. O que no começo não passava de um pequeno grupo de pessoas envolvidas no processo, agora era uma equipe considerável. Isso exigia dedicação quase exclusiva do idoso mestre. Ele dedicava toda sua energia à tarefa, supervisionando, sempre que possível, todas as tarefas pessoalmente. Mink, apesar de ter apenas 15 anos, tinha sobre os ombros a tarefa de ministrar lições de leitura e escrita para um grupo bem avançado de discípulos. Compartilhava com outros mestres, especializados em vários assuntos, a tarefa de levar cultura às novas gerações. Para complicar, havia a questão de muitos falarem línguas estranhas. Estavam simultaneamente aprendendo a língua local e as demais disciplinas.
Durante a semana ocorreu o encontro entre Mink e os novos amigos. Iniciaram uma amizade que se estreitava gradualmente. Nesse ínterim, mais um jovem juntou-se ao grupo. Era igualmente nativo da cidade. No começo Mink não falou nada do seu objetivo. Queria primeiro ter maior conhecimento das pessoas, antes de entabular uma relação mais estreita, que terminaria com o convite a ser feito. Durante as conversações daquela semana, foi revelando gradualmente algumas coisas de suas vivências dos últimos anos. Não tardou a despertar o interesse dos amigos. Depois de mais algumas palavras, percebeu que eles estavam fascinados com suas revelações. Chegou à conclusão de que poderia lhes dizer mais algumas coisas.
Falou do Pai Universal, da Ilha do Paraíso e mais alguns detalhes. A cada frase que pronunciava, percebia que os mesmos ficavam mais cativos do que dizia. Pareciam estar à espera das palavras do novo amigo. A metade da escolha estava praticamente feita. Faltaria apenas fazer o convite. Restavam outros cinco a ser escolhidos. Ficou mais confiante diante da aparente facilidade com que tudo caminhara até ali. Esperava que não fosse mais difícil completar a tarefa. Ficou momentaneamente em dúvida se deveria continuar na seleção ou completar a escolha, antes da data prevista. Não esperava que viesse a ter tanta dificuldade. As semanas passaram, eles continuaram a se encontrar e as revelações foram sendo feitas aos poucos. Porém nada de sentir aquele impulso que o induzira a estabelecer contato com os primeiros cinco. Chegou a ficar apreensivo, mas no fim lembro que Arki lhe dissera para confiar, ter fé. Deveria ir ao seu encontro após escolher os primeiros cinco e depois completar a tarefa. Isso o tranquilizou.
Na noite em que iria ocorrer o próximo encontro com o anjo, ele sentiu o impulso de levar os cinco com ele. No último instante, mudou de ideia. Isso seria quebrar o que fora combinado. Não estaria seguindo as regras do jogo. Decidiu subir ao penhasco sozinho. Ao alcançar o lugar de sempre, demorou apenas alguns instantes para ver a estrela piscar. Alguns segundos depois o raio azul cortou o céu, parando ao seu lado. A voz do anjo se fez ouvir:
– Salve, amigo. Desculpe a demora.
– Não demorou. Eu é que estou adiantado.
– Está me parecendo que você está ansioso. O que houve?
– Eu escolhi os primeiros cinco amigos e estive perto de trazê-los comigo. No último momento mudei de ideia.
– Não é conveniente que eles me vejam. Poderiam se decepcionar, ou mesmo assustar.
– E nós não combinamos isso. Eu estaria violando nosso acordo.
– Nem sempre poderá cumprir tudo que está combinado. Mas é ótimo saber que faz questão de ser fiel. Pode contar-me quem são seus escolhidos?
– Acho que você já sabe quem são eles. Sempre sabe tudo antes que eu fale.
– Mas é diferente ouvir de sua boca, qual foi o motivo de sua escolha recair sobre eles. Fale, amigo.
Mink descreveu todos os passos que havia dado desde o último encontro e ao longo das semanas. Contou tudo que havia revelado, a reação dos escolhidos. A cada frase sua, Arki aprovava, confirmando o acerto de a escolha. Isso lhe trouxe um grande alívio. Havia temido haver-se enganado, mas via que estava certo. O amigo anjo concordava com o que ele dizia e aprovava a indicação dos cinco. Assim sentia-se apto a continuar, sem temer errar. Precisaria sim, pedir sempre a luz do Pai, o apoio da fagulha do Todo Poderoso. Assim poderia desincumbir-se a contento da missão. Arki percebeu a mudança na fisionomia de Mink. A serenidade de seus traços mostrou que estava adquirindo o domínio de suas emoções e com isso, tornava-se capaz de seguir em frente.
Depois de concluir a narrativa, o anjo finalmente falou:
– Você escolheu com sabedoria, amigo. Deve ser igualmente criterioso para completar a lista.
– Está dizendo que eles estão aprovados? Posso fazer o convite a eles?
– Você deve fazer o convite e desejar a eles as boas-vindas ao grupo. Está começando bem sua missão. O primeiro passo foi dado com segurança.
– Cheguei a tremer de medo. Imaginei mil e um motivos para sua desaprovação. Fico muito satisfeito com sua aprovação.
Enquanto narrava cada etapa, Mink esqueceu o tempo e logo era hora de voltar ao lar. O anjo despediu-se e voltou para seu lugar. O menino caminhou, sentindo o coração leve como uma pluma, rumo ao seu lar. Dormiu e teve sonhos maravilhosos. Estava no comando de um pequeno exército de mais de dez mil pessoas, chegando a um planeta distante, onde iriam iniciar um processo de repovoamento. A população local fora extinta por uma guerra com armas de grande poder de destruição, há mais de um milênio. A natureza do planeta se refizera em grande parte, mas a vida humana levaria milhões de anos para ressurgir, se houvesse tempo para isso.
As semanas que seguiram, lhe apontaram um a um os outros integrantes do grupo, que também foram apresentados ao anjo em mais quatro semanas. Depois disso começaria a preparar o grupo lentamente para a finalidade que se destinava. Precisariam de um bom período de instrução, antes de serem eles mesmos instrutores de outros tantos. Tinham em torno de quinze anos antes da partida para o cumprimento da missão. Seriam etapas longas e cansativas. No final chegariam ao dia de partir. Era primordial que todos chegassem a esse ponto plenamente conscientes da empreitada final e definitiva de suas vidas.
Ninguém seria coagido a partir contra sua vontade. Aos que viessem a apresentar alguma dúvida seria oferecida a opção de desistir, porém passariam por um processo de remoção das informações que tinham recebido. Aqui não ficaria lembrança do grupo que iria partir. Não convinha que alguém ficasse fazendo referência a um grupo de pessoas, que ali haviam vivido e depois partido para o espaço, em busca de um lugar remoto. O resultado mais provável seria o surgimento de uma lenda sobre o assunto. Um grande contingente de pessoas levados ao céu, de corpo e alma, por alguma forma de transporte. A imaginação popular era fértil e não tardaria em engendrar histórias mirabolantes.
Enquanto tais fatos ocorriam, a cidade crescia, tornando-se cada vez mais bonita e próspera. Muitas crianças nasciam, iam para escolas que melhoravam a cada dia. O casamento entre jovens de diferentes procedências fez surgir uma população bastante diversa do original. As diferentes características raciais se misturaram, dando criando diversas linhagens dessa miscigenação. Dessa forma passou a ser possível encontrar pessoas com aspectos físicos variados. Tais variações eram visíveis na cor da pele, dos cabelos, formato do rosto, estatura e compleição em geral. O resultado geral foi positivo.
O porto estava com sua capacidade ampliada e ainda havia em andamento obras de implantação de novas áreas de atracação, armazéns para estocagem de mercadorias, especialmente as perecíveis sob ação das intempéries. O canal de acesso havia sido limpo e com isso era possível acessar ao cais com navios de maior porte. Com essa medida, o movimento geral cresceu significativamente. O afluxo de pessoas de lugares distantes era constante. De todos os lugares conhecidos e mesmo alguns que recentemente haviam se integrado ao mercado, vinham navios, trazendo viajantes. Eles buscavam novos mercados para seus produtos, além de pesquisar a disponibilidade de matérias primas ou produtos diversos para levar aos demais portos.
O administrador do porto, senhor Agik estava agora no comando de uma numerosa equipe de trabalho. Sock fora promovido a executar tarefas apenas de controle de fluxos de carga e descarga. Longos anos de trabalho pesado no cais haviam deixado em seu corpo as marcas do desgaste. Os filhos, exceto Sumock, estavam no comando de equipes de trabalho. Cada equipe se encarregava de uma determinada tarefa, permitindo dessa forma executar vários processos ao mesmo tempo, sem causar transtornos. A otimização do sistema de trabalho permitia um aproveitamento máximo da força dos braços disponíveis. Alguns procedimentos haviam recebido instalação de equipamentos para facilitar o transporte das cargas do cais para os navios e vice-versa.
Periodicamente o navio transportando minério atracava, descarregando um bom suprimento do produto. A manufatura de metal estava sempre cheia de encomendas. Constantemente novos produtos eram desenvolvidos, mais profissionais iam sendo preparados para atender a demanda crescente. O resultado eram o crescimento da receita, com um incremento proporcional da receita pública. A cada objeto vendido, uma fração pequena ia para o erário público. Assim o tesouro dispunha sempre de recursos para prover os gastos que se faziam necessários. Os imigrantes iniciais estavam totalmente integrados à população. Poucos se lembravam do tempo de antes. Embora fossem apenas alguns anos, mas as mudanças gerais haviam sido tão grandes que lembrar como era tudo antes, ficava um pouco difícil, especialmente para a geração mais jovem. Os adolescentes e jovens adultos, haviam vivido boa parte da vida em meio às transformações intensas que estavam em curso nos últimos anos.
A escola de técnicas agrícolas estava em pleno funcionamento e a cada dia crescia seu nível de atividades. As propriedades da região eram constantemente usadas, em benefício dos donos, pelos alunos em suas experiências. O resultado era um nível de produção sempre melhor. A qualidade dos produtos tendia a ficar sempre melhor.
Os construtores não tardaram a lançar a ideia de criar uma escola para o ensino de técnicas construtivas. Engenheiros e urbanistas se empenharam na preparação do programa de ensino. Os candidatos às vagas foram inicialmente selecionados entre a população local. Posteriormente foi aberto acesso a postulantes vindos de cidades vizinhas. Os mestres de alvenaria, os especialistas em acabamento, carpinteiros mais experientes, tornaram-se mestres nessa escola. O resultado foi haver em alguns anos um bom contingente de gente especializada no setor. O resultado foi sua migração, dessa vez em direção às outras comunidades, para aumentar as opções de vagas para trabalhar.
Décio Adams
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