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Política. O que é esquerda? Direita? Centro?

Questão semântica ou dialética?

Para introduzir o assunto, vou lembrar que eu tinha exatamente 15 (quinze) anos de idade, quando ocorreu o Golpe Militar de 1964 (por muito tempo denominado Revolução). Em 1967 prestei serviço militar, passando para reserva como cabo reservista de primeira categoria. Isso tudo ocorreu no Rio Grande do Sul, onde nasci e vivi até aos 19 (dezenove) anos.

Vale lembrar que sou filho de pais, nascidos de imigrantes, ou netos de imigrantes alemães. Nasci em 1948, logo depois do fim da segunda Guerra Mundial. Durante a Guerra, era proibido aos alemães terem rádios, pois permitiam sintonizar estações da Alemanha, ouvindo os discursos de Hitler. Isso criou um clima de medo e a consequência foi que, as famílias mais preocupadas com a segurança de seus membros, orientavam desde cedo que era preferível ficar de boca fechada, obedecer sem discutir e não dar motivos de aborrecimento. Cair nas mãos das autoridades, era algo considerado terrível, quase fatal. Assim começava a vida da gente naquele tempo. Aprendia-se desde cedo a por em prática os cuidados da preservação da própria vida. O resto, bem o resto se veria depois. Primeiro era importante estar vivo, depois pensar em outras coisas. Os mortos não tem mais vontades, nem necessidades.

Tão logo passei para a reserva, vim para Foz do Iguaçu, Paraná. Minha família havia se mudado para o interior do município, onde atuavam na agricultura. Tendo antes estudado no internato, até o começo da quarta série do ginásio, eu quis continuar os estudos e consegui trabalho na agência local do extinto Banco Comercial do Paraná S.A. Do ponto de vista político, eu estava completamente obliterado. Vindo de lugar remoto, com pouca comunicação com o mundo, aprendi cedo a classificar os políticos em de esquerda e direita, aparecendo também os de centro. Na minha visão limitada da época, os da esquerda eram os que promoviam anarquia, buscavam subverter a ordem, implantar o comunismo e coisas assim. Foi fácil associar a palavra esquerda com o latim, onde sinistra é esquerda e na literatura, a qual eu já tivera relativo acesso, tinha conotação negativa. Tanto que um personagem sinistro, era alguém com características a serem temidas. Era capaz de ações cruéis, desumanas e portanto um malvado. Como consequência associei os políticos de esquerda, todos eles, sem exceção com essa característica. Eram pois pessoas que não mereciam confiança. Já os de direita, eram associados à bondade, à ações honestas e todo um corolário de loas à sua propalada bonomia. O que os tornava incondicionalmente merecedores de confiança.

Eu na época era, literalmente alienado, por mera ignorância. Porém, ser ignorante não é o mesmo que ser burro, incapaz de perceber as coisas. No princípio, minha preocupação principal era estudar, me formar, cursar faculdade e ter minha profissão e isso eu alcancei no final do ano de 1975, quando conquistei o título de Licenciatura em Matemática, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava, Paraná. Já nessa altura eu contava com 27 anos, a Ditadura existia há 11 anos e eu convivera, numa cidade de fronteira, com uma série de características que lhe são próprias. Uma delas é a corrupção indiscriminada. Por força de circunstâncias, participei como integrante da comunidade, de atos que hoje sei que são gravemente ilícitos. Mas era o que rolava e meu objetivo maior era formar família e ter minha profissão. Tão logo eu pequei meu diploma, mudei-me para Curitiba, onde ingressei como professor de Física, na então ETFPr (Escola Técnica Federal do Paraná), que atualmente é UTFPR, com campus espalhados pelo estado inteiro.

Acompanhei o desenrolar dos Atos Institucionais, especialmente o AI-5, que impôs o exílio a muita gente, provocou uma série de reações rebeldes, prisões em quantidades alarmantes, notícias de tortura, mortes de presos, desaparecimento de pessoas de que nunca mais se teve notícias, mas tudo vinha, nas revistas, jornais e notícias de rádio e televisão, apresentado como algo inevitável, para a manutenção da ordem e da paz social. O Brasil vivera o Milagre Econômico, implodido pela disparada dos preços do petróleo, orquestrado pela OPEP e éramos na época, dependentes de importação maciça do produto. Nossa Petrobrás ainda estava engatinhando, embora já tivesse feito avanços gigantescos, contra todas as previsões iniciais.

Eu disse acima que era ignorante, mas não burro. Aos poucos a noção de esquerda mádireita boa (santa), começou a não mais fazer sentido. Havia os de centro, uma espécie de gente que ficava sobre o muro, remando para o lado que a correnteza ia. Ou em outras palavras, que acendiam uma vela a Deus e outra ao diabo. Eu já estava há algum tempo em Curitiba, tinha adquirido minha casa (onde moro até hoje), durante o governo do General João Batista de Figueiredo, quando surgiu o movimento das Diretas Já. Confesso que assisti àquilo um pouco cético, mas disposto a ver onde iria parar. Afinal, a Ditadura já mostrara que havia falhado vergonhosamente em superar alguns problemas que se propusera erradicar. A principal delas a corrupção. Não lembro de cabeça muitos dos eventos, mas houve alguns exemplos bem notáveis, como o chamado Escândalo da Mandioca. Parece brincadeira, mas foi isso mesmo. O governo criou um programa de incentivos fiscais para quem plantasse mandioca na região norte/nordeste, para prover alimento em quantidade suficiente para o povo nordestino, cuja dieta se baseia em grande parte nesse produto. Pois é.

Qual não foi a surpresa depois de algum tempo, quando apareceram notícias de que empresários da área agrícola, outros também de outras áreas, haviam obtido vultosos financiamentos para plantar mandioca no nordeste e nenhum pé havia sido plantado. Todo o dinheiro fora investido em empreendimentos imobiliários e coisas do gênero, em algum lugar de grande potencial dessa natureza. Investigou-se, falou-se muito e no final, pelo que me consta, tudo acabou numa gigantesca “pizza”, como estamos acostumados a ver.

Nessa altura, eu já contava com quase 40 anos de idade, tinha três filhos e minhas convicções estavam “encima do muro”. Não sabia bem o que pensar. Por um lado os políticos de esquerda ainda me inspiravam certo temor, mas já bem menos. Por outro, os de direita também não mereciam minha confiança. Em quem depositar minhas esperanças? Nos do centro? Poderiam, a qualquer momento, guinar para um lado ou para o outro e me decepcionar. Nesse meio tempo, fiz concurso para professor no Estado de Mato Grosso, onde meu pai havia me dado uma pequena gleba de terras e resolvi levar minha família para lá em 1987. Me exonerei do então CEFET-PR e também do Estado do Paraná, onde era efetivo. Fiquei lá até 1993, voltando por conta de um problema de saúde de um filho.

Nesse ínterim, vivemos os vários planos que sucederam ao malfadado plano cruzado, adveio a eleição de Fernando Collor (desgraçadamente com meu voto), seu posterior processo de impeachment e assumiu Itamar Franco. Porém, quem pensou que as maracutaias, ou seja a corrupção havia terminado, enganou-se. Não tardou e estourou o escândalo dos anões do orçamento. Muitos dedos sujos que apontaram Collor como o pior corrupto do país, estavam lá, agora acusados de um ato de improbidade, de dimensões mais escandalosas ainda. Alguns foram condenados e cassados (inclusive um inocente: Ibsen Pinheiro).

Nessa época o Muro de Berlim já havia caído, a URSS, antes tão temida se esfacelara em um turbilhão de pequenas republiquetas, onde aconteceram os mais violentos e cruéis atos de agressão à liberdade das pessoas; limpeza étnica, genocídios e tal. Esse estado de coisas, tudo misturado e coado, me mostrou que os tais partidos dos malvados (esquerda), nem de longe eram os demônios que me haviam sido apresentados muitos anos antes. Tampouco os bonzinhos (direita), eram os santos com suas auréolas luminosas que me tinham feito acreditar. Isso me convenceu que a classificação de partidos políticos em: esquerda, direita, centro, centro-esquerda, centro-direita, é uma forma incorreta, inadequada e mesmo preconceituosa de fazer essa classificação.

Vejamos. Os conservadores, via de regra integrantes das elites, detentores do poder econômico e dos meios de produção, habitualmente são da direita, acobertando-se sob diferentes siglas partidárias, até mesmo com viés de esquerda, apenas para disfarçar. O que buscam é sempre manter seus privilégios, suas facilidades, pouco lhes importando o que acontece ao pobre, ao trabalhador que labuta em suas fábricas, seus depósitos de comércio, suas lavouras e minas de extração de minerais. Se eles são os bonzinhos, por que motivo não dividem, em partes mais justas, o fruto do trabalho com aqueles que são fundamentais no processo? Usam e abusam do poder econômico para eleger aqueles que lhes serão favoráveis quando ocupantes dos cargos públicos.

Já os progressistas, os que se preocupam em levar aos menos favorecidos as benesses do progresso, permitir o acesso dos mesmos às escolas, universidades, mediante estabelecimento de cotas e financiamentos para que isso seja possível; antes disso ainda, dar a condição mínima para que possam ao menos ter dignidade humana para participar do processo educacional, garantindo uma renda mínima imprescindível para que isso possa ser realidade, estes são os esquerdistas, comunistas, socialistas e outras denominações menos honrosas. Quer dizer que, aqueles que põem em prática o que Jesus Cristo disse há dois mil anos: “Amai-vos uns aos outros, assim como Eu vos amei”, estes são os malvados?  Sinceramente, não posso concordar com esses rótulos. Se tudo que é esquerdo é ruim, por que motivo nascemos com um braço e uma perna de cada lado? Deveríamos nascer com duas pernas direitas e dois braços direitos, se assim fosse. Teríamos dois olhos, duas orelhas e mesmo faces, tudo do mesmo lado. Já imaginaram o que seria?  É necessário procurar chamar as coisas pelos nomes adequados e não por esses rótulos velhos e ultrapassados. Eu me nego a aceitar essa situação. Ser “de centro”, “de direita”, “de esquerda” não significa mais nada por esse motivo. Eu não tenho filiação partidária, nunca tive e nem pretendo ter, a essa altura dos acontecimentos.

Me ocorre no momento uma coisa importante. Por conta da conotação negativa associada ao lado esquerdo (sinistro), durante muito tempo os pais, ao perceber um filho demonstrar tendência de usar a mão esquerda com mais desenvoltura que a direita, faziam de tudo, inclusive amarrar a mão esquerda, para obrigar a usar somente a direita. O que causava danos significativos ao desenvolvimento da criança e problemas comportamentais ao adulto dali resultante. Tenho uma prova disso vivendo ao meu lado, há 42 anos. Minha esposa, Rita del Carmen Rosário Conti Adams, nasceu com essa tendência. Meu sogro, seu pai, Angel Augusto Conti, bateu, amarrou a mão esquerda e a fez desenvolver o uso da direita. Ela de fato aprendeu tudo com a direita. Mas, para algumas ações, a esquerda predomina. Pior que isso, ela teve e ainda tem, porém, em menor grau, um problema de orientação. Se lhe for dito que deve virar a direita ou esquerda em determinado ponto de uma rua ou estrada, ela precisa pensar, antes de decidir para que lado ir. Isso é sério, mas provém da violência que foi praticada contra suas tendências naturais, tomando por base uma falsa ideia de “coisa do mal”, que existia no passado.

Somos formados por duas metades. O lado direito e o esquerdo. Juntos eles formam nosso corpo, imagem de nossa pessoa, nossa unidade. Por uma ironia da natureza, a parte do cérebro que controla as ações do lado direito, é o lado esquerdo dele. Já o lado esquerdo do corpo é comandado pelo lado direito do cérebro. Isso mostra que um lado não existe sem o outro. Os dois juntos, formam um ser humano.

Sei perfeitamente que desde os primórdios da humanidade, existiram pessoas mais abastadas, detentoras de maior volume de bens e que mantinham sob suas ordens determinado número de indivíduos que lhes obedeciam, mediante uma remuneração especificada, ou até mesmo a escravidão, que garantia a subsistência. Isso pressupõe que sempre existiam pessoas, menos aptas e que aceitavam viver à sombra desses donos do “capital”, do poder. Por outro lado, sempre houve quem, tendo oportunidade, usava sua capacidade, criatividade e mesmo genialidade, para abrir seu próprio caminho, não raro alcançando patamares até mais elevados do que outros que antes lhes eram superiores. Isso faz parte da natureza humana. O que vemos no mundo moderno, em grande parte, é um número limitado de pessoas, menos de 1%, que detém a esmagadora maioria dos bens e recursos disponíveis, quando os outros 99%, dividem o que sobra. Para a imensa e incontestável maioria cabe tão pouco, que sequer é suficiente para garantir vida digna de ser humano. Por isso, dar a eles o mínimo que precisam para sentir-se vivos e humanos; depois então lhes facilitar o acesso à escola e posteriormente o trabalho, não é nada demais. É apenas oportunizar que possam aspirar ao direito de desenvolver suas aptidões e galgar um degrau, usufruindo alguns raios de sol, que estão lhe sendo negados pelo sistema injusto e cruel de divisão dos bens que a natureza nos oferece, junto com tudo que produzimos a partir desses recursos. O Criador fez o mundo para todos, não apenas para alguns privilegiados.

Estamos assistindo a uma fração mínima da população mundial, detentora dos meios de produção em massa, das redes de comunicação, dominando tudo e procurando deixar cada vez menos espaço para quem quer sair de sua condição sub-humana. Não há, na grande maioria, o desejo de derrubar os que estão no topo. A ambição não alcança a tanto. Querem apenas o suficiente para viver decentemente, como diz Pe. Zezinho em uma de suas músicas.

Eis aí a minha transformação ao longo da vida. Nasci na roça, amassei barro, capinei, arrastei bezerro pela corda, cortei soja e trigo com a foice manual, arei a terra, plantei com a tal “matraca”, suei e também passei frio, pisei gelo do inverno com os pés descalços, estudei, tornei-me professor e hoje sou aposentado. Mas a transformação mais notável foi na área política. De um alienado, me tornei alguém capaz de questionar, argumentar e tomar posição. Ainda guardo alguns laivos de meu passado, coisa que não se consegue remover completamente. Mas hoje sei que nem tudo é o que parece ser, ou o que nos querem fazer crer.

Curitiba, 05 de abril de 2016

Décio Adams

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