Vizinhos sovinas!
Nos idos dos anos 60 do século passado, havia numa localidade do Rio Grande do Sul, dois vizinhos muito sovinas. Eram o Gustav Möhler e Francesco Simeoni. Conviviam há muitos anos e com o avançar da idade, a sovinice aumentava proporcionalmente. E faziam questão de contar um ao outro, falando português atrapalhado, suas ações que visavam economizar ao máximo em tudo. Cada vantagem contada por Gustav, era sem demora rebatida com outra narrada por Francesco. Economizavam em tudo e sempre visando sobrepujar um ao outro em detalhes inimagináveis para as pessoas comuns. Cada encontro entre eles era um longo debate sobre quem havia sido mais econômico em suas ações dos últimos dias. Até os familiares acabaram se afastando um pouco dos dois, especialmente nos momentos em que começavam a contar as vantagens e debatiam entre si quem havia sido mais pão duro.
Quando qualquer um dos dois entrava em uma casa de comércio, o dono ou atendente logo sabia que teria pela frente um longo tempo de propostas e contrapropostas até ajustar o preço final a ser pago. Cada centavo era discutido, pois sempre buscavam pagar o menor valor possível. Era comum o outro aparecer logo depois, comprar o mesmo artigo e não sossegava antes de conseguir um preço um pouco menor.
Alguns membros da comunidade apostavam entre si sobre quem seria o mais regateiro em determinada situação. Serviam como motivo de diversão entre alguns vizinhos. Eles faziam questão de se mostrarem ainda mais empenhados na sovinice, quando sabiam de alguma aposta feita a respeito deles.
Certo dia, Gustav chegou no bolicho e pediu uma peça de mortadela. Depois da costumeira sessão de pechincha, finalmente pagou e foi embora. Pouco depois entrou Francesco e também pediu uma peça do mesmo tipo. Nova sessão de pechincha, enquanto os demais presentes apostavam entre si quem no final pagaria menos pela mercadoria. Dessa vez ganhou quem apostou em Gustav. O atendente soubera resistir e dar a entender que estava vendendo por menos que cobrara do vizinho.
Alguns dias depois, ocorreu o encontro entre os dois. Estavam ansiosos por mostrar um ao outro a nova ação para economizar. Sentaram-se e pediram cada um uma pinga. Era o dia de bater papo e debater suas economias. Começaram por falar de banalidades, até que em dado momento Francesco falou:
– Sabe mio caro amico tedesco, Gustav! Outro dia, depois que você comprou una mortadela, io também comprei uma igual e paguei mais barato!
– Isso é verdade, Franz? – Perguntou Gustav ao balconista, pronto para exigir a devolução do valor pago a mais.
– O Francesco está mentindo! Cobrei dele o mesmo preço que você pagou, Gustav.
– Se cobrou mais de mim, quero meu dinheiro de volta.
– Não precisa se preocupar. Não cobrei nada mais de nenhum de vocês. – Disse o balconista.
– Mas io estou economizando mais que você com a mortadela, – falou Francesco.
– Duvido. Pode contar o que você está fazendo.
– Io pendurei ela por um prego no teto, bem no meio da mesa. Cortei uma fatia na ponta e cada vez que nói sentamos para tomar café, comer pão, nói esfregamo o pão na ponta cortada para dar gosto. Assim ela vai durar mais de um ano penso io.
– O quê? Você cortou a ponta e esfrega o pão para dar gosto? Assim logo a sua mortadela acaba. A minha vai durar muito mais que a sua.
– E come você está usando a sua, Gustav, tedesco maledeto, para economizar mais que io?
– Eu? Eu também pendurei a minha num prego lá no teto, mas acima do canto da mesa. Assim a luz do lampião pega nela e faz sombra na mesa, sabe? Nós esfregamos o pão na sombra e assim a mortadela continua inteira. Já faz uma semana que comemos pão com mortadela e ela continua inteira, sem cortar um pedaço. Quero ver quem tem mortadela por mais tempo! – Desafiou, Gustav.
– Io penso que essa vez perdi o jogo. Mas vai ter volta, pode contar que vai.
– Vamos ver quem é o mais pão-duro aqui.
Entre os assistentes rolou uma sonora gargalhada geral. Teriam em breve outras ocasiões para rir da eterna pendenga entre a dupla de sovinas.
Curitiba, 19 de julho de 2015.
Decio Adams, IWA
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