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Um japonês especialista em cachaça – Caítulo VI

 

Estádio do Pacaembu, fachada.

 

Vista aérea do Pacaembu.

 

Panorâmica do Pacaembu.

 

6. Operário orgulhoso.
Na sexta feira Manoel estava no laboratório pegando os resultados e foi até o consultório do médico. Passou por um exame geral, não sendo constatada nenhuma enfermidade que se pudesse detectar com o exame feito. O exames de sangue e raio-X atestavam que não sofria de deficiência nos components do sangue, não era anêmico, não tinha tuberculose ou outra doença do pulmão. Por isso o médico lhe escreveu um atestado com o qual teria garantido o acesso ao emprego que tanto se empenhara em conquistar. Ainda não havia decidido se iria mesmo mudar-se para São José dos Campos, próximo à indústria. Isso ficaria para a semana seguinte.
No final de semana foi assistir a um jogo de Palmeiras e Coríntians no estádio do Pacaembu. Havia ido no sábado pela manhã até uma agência onde adquirira o ingresso. Achou por bem evitar usar uma camisa de qualquer um dos times, uma vez que poderia ocorrer de acabar no meio da torcida contrária e isso seria uma temeridade. Ouvira falar da grande rivalidade entre as torcidas desses clubes. Os irmãos perguntavam sobre os estádios e times do Brasil. Ele prometera assistir a um jogo e relatar a experiência na próxima carta. No sábado depois do almoço foi até a oficina onde encontrou seu Chico a sua espera. Acertaram as contas relativas aos últimos serviços que fizera antes de ser chamado para o novo emprego.
Saiu dali com o saldo de suas comissões e ainda uma pequena gratificação, dada por Chico. Além disso era sempre bem-vindo, se por acaso precisasse fazer um bico num dia de folga ou algo assim. Bons mecânicos eram sempre bem aceitos em toda parte. Não existiam ainda cursos que ensinassem o serviço. Era no dia a dia das oficinas que os profissionais eram formados e aqueles que tinham interesse, eram atentos aos detalhes, logo se destacavam. Chico lhe desejou sucesso no novo trabalho.
No domingo à tarde, munido de uma camera fotográfica portátil, extravagância que cometera em nome da sua nova condição de metalúrgico, foi para o Pacaembu. As torcidas entravam separadas, para evitar tumultos já antes do ingresso no estádio. Entrou pelo lado da torcida alvi-negra, indo sentar-se em um lugar bem retirado, o mais no alto da arquibancada. Seu desejo era ficar o mais possível afastado de qualquer confusão. A cantoria das massas torcedoras, separadas por um alambrado além de um espaço deixado vazio, não paravam de cantar, rufar tambores, tocar cornetas e agitar bandeiras.
Não perdeu tempo, pondo-se a registrar da maneira que sabia as imagens que conseguia captar em sua camera. Estava preparado com filme sobressalente para o caso de querer bater mais chapas, ou alguma não ficar bem focalizada. Deixou a maior parte das chapas de que dispunha para serer usadas durante o jogo. Mandaria revelar tudo, separando as melhores imagens para enviar aos irmãos em Ancede, Portugal.
Pacaembu em dia de jogo.
 
A partida ia começar e a entrada dos times foi saudada com uma gritaria ensurdecedora das torcidas. Uma aplaudindo e apoiando, enquanto a adversária vaiava o time que entrava. Depois a cena se repetia, ao entrar o time adversário. Nessa época era comum os times entrarem separadamente em campo. O jogo começou e era bem disputado. Teve que reconhecer que era bem disputado. Não fora sem motivo que recentemente o Brasil se sagrara campeão da Copa do Mundo na Suécia. Os craques brasileiros jogavam de uma maneira de encher os olhos. Era uma opção para ocupar os domingos a tarde, quando não estivesse empenhado em outra atividade. Valia a pena assistir um belo jogo de futebol.
Os lances de ataque e defesa se sucediam de lado a lado. Os dribles, as roubadas de bola, algumas trombadas mais rudes que eram apontadas como faltas a serem cobradas pelo time que sofrera o lance. Os goleiros se empenhavam em evitar que a bola entrasse nas metas sob sua responsabilidade. Quase ao final do primeiro tempo ocorreu um lance de falta a favor do Coríntians nas proximidades da área do Palmeiras. A barreira foi formada, os restantes jogadores se dispuseram em posições estratégicas e por fim o juiz autorizou a cobrança. O jogador encarregado do lance, foi de uma felicidade tal que fez a bola descrever uma caprichosa curva por cima da barreira, indo encontrar a rede de proteção no canto oposto ao que o goleiro se preocupara em guarnecer pessoalmente.
A cobrança da falta fora perfeita. A trajetória da pelota foi tal que se transformou em um lance indefensável. Nesse momento o juiz apontou o centro do gramado e a torcida alvi-negra estrugiu em delírio. Do lado de verde reinou silêncio, onde pouco antes eram ouvidos gritos de vaia ao cobrador e aos adversários. Pouco depois a primeira etapa foi encerrada, seguindo-se um período de pessoas se movimentando para irem ao banheiro, tentativas de lançamento de objetos de um lado a outro entre as torcidas nos pontos em que ficavam mais próximas. Manoel nunca havia ido assistir a um jogo de futebol em um grande estádio. Imaginou por que razão os torcedores queriam se agredir mutuamente. Não havia liberdade de escolha? Cada um torcia pelo time que mais lhe agradasse. Não fazia sentido querer negar aos outros a livre escolha.
Ficou consigo a pensar na incongruência da situação. O que seria do time que sempre fosse vencedor, que tivesse todos os torcedores? Não tendo torcedores, o time deixaria de existir. Deixando de existir, o outro não teria mais adversário e também perderia o sentido de existência. Na sua concepção imaginava que depois do jogo deveriam se reunir e comemorar a vitória ou lamentar a derrota, mas sem maiores consequências. O bom do esporte era exatamente o fato de que, ora um ora outro poderia ser vencedor. Bastava por vezes um lance de sorte para definir o resultado de uma partida. Os treinamentos, a busca por jogadores mais talentosos, tinham como objetivo melhorar o desempenho do time de um clube. Era esse o motivo dos torcedores pagarem o ingresso para assistir às partidas. Prover recursos aos dirigentes para pagar pelos direitos dos clubes detentores de contrato com os jogadores. Assim poderiam ter os mesmos em seus plantéis.
Quando o jogo terminou, haviam acontecido mais dois gols, sendo um segundo do Coríntians, dessa vez em jogada vinda da esquerda para o meio da área. Ali um jogador habilidoso dera um único toque na bola que for a parar no fundo das redes. Novamente a torcida alvi-negra foia o delírio enquanto a de verde iniciou algumas vaias ao próprio time. O treinador palmeirense fez duas substituições em sua zaga, além de uma outra no ataque. O time ficou mais consistente, conseguindo evitar as sucessivas investidas alvi-negras e organizar por suas vezes alguns ataques. Por diversas vezes o goleiro corintiano foi obrigado a realizar defesas espetaculares.
Diz o ditado que água mole, em pedra dura, tanto bate, até que fura. Foi o que aconteceu nessa partida. De tantas tentativas, finalmente, agora já aos 44 minutos da segunda etapa, um atacante palmeirense deu um drible fenomenal no zagueiro corintiano e chutou da entrada da área, no canto contrário ao daquele em que o goleiro estava mais perto. A bola sacudiu a rede e agora foi a vez da torcida verde levantar e vibrar. Mas o tempo estava se esgotando rapidamente. Havia mais três minutos de acréscimo devido às interrupções do jogo em várias ocasiões. O time verde se empenhou ao máximo para conseguir a igualdade no placar, mas o alvi-negro se manteve intrépido na defesa. Chutavam a bola para o lado que o nariz estivesse apontado. Seguiam uma expressão segundo a qual nessa hora: “Chuta para o mato, que o jogo é de campeonato”.
Quando soou o apito final, houve um princípio de tumulto no qual alguns torcedores tentaram atingir os adversários, mas um contingente de policiais estava ali para impedir a briga. Houve muitos que sairam resmungando e gritando ameaças, outros fazendo gestos relativos à vitória por 2 x 1 do time corintiano. Enquanto isso Manoel esperou pacientemente até que o clima amainasse e só então iniciou o deslocamento na direção da saída. Do lado de fora, o policiamento estava empenhado em manter os torcedores o mais separados que fosse possível. Mesmo assim seria impossível manter a distância entre eles, na medida em que se afastassem do estádio.
Geralmente ocorriam alguns incidentes de agressões após as partidas, pois havia quem não se satisfazia em caçoar dos adversários derrotados. Tinha necessidade de manifestar de modo físico sua superioridade e isso sempre descambava em violência, não raramente até ferimentos com armas. Um fato extremamente lamentável. Por maior que fosse o empenho das autoridades, não se conseguia evitar esses fatos. Tendo esperado o tempo adequado Manoel finalmente embarcou em paz no ônibus e foi para a pensão. Levava consigo a camera e o cartucho com o filme todo exposto que havia trocado pelo outro. Aproveitaria para tirar algumas poses no dia seguinte no novo emprego e depois mandaria revelar os dois de uma vez.
Chegou à pensão e ali havia entre os hóspedes tanto corintianos quanto palmeirenses. Mas esses não eram exaltados e sequer haviam ido ao estádio. Tinham ouvido o jogo pelo radio de dona Marinês, instalado na sala de refeições. Ao verem Manoel, trazendo a camera na mão, quiseram saber de onde vinha e ele lhes contou do jogo que for a assistir. Logo choveram perguntas diversas que ficaram na maioria sem respostas. Ele não sendo torcedor de nenhum dos times, apenas um espectador interessado em apreciar o espetáculo, não reparara em determinados detalhes.
Expressou sua estranheza com as agressões entre as torcidas, as atitudes literalmente beligerantes demosntradas por muitos dos presentes. Isso tornava a presença de pessoas com filhos ou familiares, idosos um ato temeroso. Havia o risco de sofrer agressões, ser pisoteado em caso de tumulto ou correria.
– É por isso que a gente não vai ao estádio, Manoel.
– Eu fui hoje por ter prometido aos meus irmãos em Portugal umas fotografias de um jogo aqui no Brasil. Depois do campeonato mundial na Suécia, o povo de lá está muito interessado em saber como é o futebol do Brasil.
– Conseguiu tirar boas fotos?
– Creio que sim. Não tenho prática com essas máquinas. Vamos ver o que vai sair. Quero mandar umas para meus irmãos e contar sobre o jogo.
– O jogo como foi na sua opinião?
– Gostei. Os dois times jogaram bem. Apenas o primeiro gol do coríntians foi de falta e uma cobrança perfeita. O goleiro não tinha nada a fazer. O segundo gol foi o mais bonito, pois foi uma jogada rápida e bem feita.
– E o gol do Palmeiras, como foi?
– Uma jogada de craque do palmeirense. Nem deu para ver direito como ele passou por aquele adversário. Sei apenas que passou e chutou de maneira indefensável no canto esquerdo do goleiro, longe das mãos deste.
– Se tem mais uns minutos de jogo, o verdão arrancava o empate.
– Acordaram tarde demais, – falou um corintiano.
– Se houvessem empatado, não seria um resultado injusto. Mas jogo é jogo e não tem muita lógica, – falou Manoel.
 
Vista da Vila Belmiro em Santos.

 

Outra vista da Vila Belmiro.

 

Vista aérea da Vila Belmiro.
 
Continuaram a defender cada um o seu time, caçoando dos derrotados, estes lembrando de outras ocasiões em que a vitória sorrira ao time verde e assim passou o tempo. Não tardou e o jantar foi servido. Alguns hóspedes que tinham viajado para cidades vizinhas, voltaram e se juntaram aos que estavam presentes. Formaram-se grupos diversos, onde as conversas giravam ou em torno do jogo do Pacaembu, outros falavam de um encontro entre São Paulo e Santos na Vila Belmiro, resultando em empate. Manoel passou por todos os grupos, trocou algumas palavras e foi deitar cedo. Queria levantar cedo para não perder a hora de entrar.
O primeiro dia seria provavelmente de recepção, apresentação dos documentos, a identificação dos locais de trabalho, os chefes de setores, normas internas da empresa, equipamentos de segurança. Ainda não existiam muitas leis regulamentando os aspectos de segurança, mas as empresas por sua própria conta mantinham seus próprios sistemas internos. Estava em jogo o uso de máquinas de altíssimo custo e precisariam ser usadas de modo adequado. Qualquer descuido poderia significar danos ao equipamento, como também acidentes com os trabalhadores. Isso sempre representava uma série de transtornos.
Durante o sono teve sonhos agitados, misturando cenas do estádio com o que viria a ser seu local de trabalho a partir da manhã seguinte. Quando percebeu era hora de levantar e ainda estava um pouco sonolento. Teria que tomar uma xícara de café bem forte para ficar bem desperto. Pegou a pasta em que colocara todos os documentos que precisariam ser entregues e desceu para a sala de refeições. O café acabava de ser coado e exalava um odor característico. Pegou uma xícara e pediu um pouco de café para tomar sem açúcar mesmo.
Tomou pequenos goles da bebida escaldante até sorver a última gota. Sentiu que os sentidos ficavam mais alertas e logo estaria em forma para enfrentar seu primeiro dia de trabalho, no novo emprego. Sentou-se à mesa onde já estava colocado o pão ainda quentinho que o padeiro entregara. Um bule com leite, geléia, um pote com manteiga, e o açucareiro. Serviu o leite e depois que dona Marinês trouxe café, colocou um pouco misturado ao leite. Gostava, como ele dizia”, de leite com café, apenas o suficiente para dar uma ligeira cor. Tomava-o sem açúcar desde criança.
Passou manteiga no pão, um pouco de geléia e comeu, mastigando bem. Depois pegou outro pedaço de pão e repetiu a operação. Era aconselhavel reforçar o café, pois não sabia a que horas teria oportunidade de comer alguma coisa novamente. O primeiro dia era uma incognita. Antes de sair, relembrou se não esquecera nada e foi buscar a câmera para tirar algumas fotos do local e de seus colegas de setor. Estava orgulhoso de sua nova condição. Dava mais um passo no caminho da realizção de seu sonho. Disse adeus a dona Marinês e saiu. Em quinze minutos chegava ao local de embarque no transporte que o deixaria logo depois no ponto para seguir até a fábrica.
Como havia saido um pouco mais cedo, chegou faltando ainda vinte minutos para a hora da entrada em serviço. Foi dos primeiros a chegar. Havia colegas de trabalho no ônibus em que viera, outros vinham caminhando pois moravam nas proximidades, ou haviam descido de transportes coletivos em outros pontos. Em poucos minutos formou-se uma aglomeração razoável diante do portão de entrada. Do lado interno foi notada a movimentação dos encarregados de abrir e liberar o acesso ao recinto da indústria. Era uma entrada especial, diferente da de clientes, fornecedores ou outros visitantes. Formaram uma fila dupla, sendo orientados para terem em mãos os documentos solicitados anteriormente.
 
Sendo dos primeiros a chegar, Manoel era o terceiro de uma das filas e logo a entrada foi liberada. Caminharam por uma passagem e chegaram a um balcão onde havia quatro funcionáarios para receber e conferir os documentos. Depois de passar por essa etapa, foram dirigidos a uma sala maior onde eram separados em seus grupos. Aos poucos ia conhecendo quem seriam seus colegas de trabalho. Os outros grupos estariam trabalhando ali, apenas em setores diversos. Inicialmente as conversas foram poucas. Eram todos desconhecidos e era preciso se conhecerem para estabelecer conversações. Começaram a se apresentar enquanto esperavam e aos poucos um murmurio se fez ouvir no recinto que em pouco tempo se encheu de gente. Em dado momento um homem de seus quarenta anos, chegou junto ao grupo de Manoel e falou:
– Bom dia pessoal!
– Bom dia, – ouviu-se um pouco mais que um murúrio.
– Eu sou Paulo de Oliveira e vou levar vocês ao setor em que irão trabalhar. Parece que o grupo está complete. Vou fazer a chamada para verificar.
Começou nomeando um a um em ordem alfabética. Eles por sua vez respondiam com um “presente” decidido. Não queriam ser tidos como tímidos ou desinteressados. Não havia faltado nenhum dos chamados.
– Muito bem. Me acompanhem até a sala de uniformes para escolherem seus jalecos. Tomara que ninguém precise de tamanho especial, – disse correndo o olhar pelo grupo. – Parece que não vai acontecer isso. Devemos ter um par para cada um.
 
Indústria metalúrgica moderna.

 

Outra visão de indústria metalúrgica.
 
Enquanto eles saiam os outros grupos também procediam à chamada para conferir a presença dos novos contratados. Ao chegarem à uma sala cheirando a tecido novo, havia vários roupeiros encarregados de trazer os jalecos. A experiência adquirida em empregos anteriores os habilitava a determinar a olho o número do candidato a sua frente. Em poucos minutos todos eles dispunham de um par de jalecos e um cadeado numerado com chave. O número correspondia ao armário que seria de uso pessoal de cada um. Ali ficariam guardados seus pertences pessoais, bem como o jaleco ao sair ao final do expediente.
Na sala contígua ao local em que iriam trabalhar, estavam os armários e ali vestiram os jalecos. Se algum não servisse, deveriam voltar ao local da distribuição para efetuar a troca. Manoel experimentou os seus, movimentou os braços e todos os sentidos percebendo que não havia problemas para fazê-lo. Haveria um tempo para se acostumar ao uniforme. Era ótimo, pois aprendera no curso do SENAI a necessidade do uso de vestuário apropriado, diferente do que costumavam usar na vida diária. O melhor seria usar por baixo uma camiseta ou outra roupa de malha, para não tolher os movimentos. Fechou os demais pertences no armário e foi para perto do senhor Paulo a espera do passo seguinte. Em poucos minutos o grupo todo estava ali, exceto um colega mais magro que trouxera os jalecos de tamanho maior que o seu número e fora fazer a troca. Logo voltou e se juntou a eles, quando foram levados para um amplo salão onde se encontravam enfileirados um grupo de máquinas de mesmo modelo.
Eram praticamente iguais a um que tivera oportunidade de manejar durante o curso no SENAI. Seria facílimo o início do trabalho, pois em minutos estaria senhor da máquina que lhe caberia usar. Receberam a chave para acionamento da respectiva máquina. Deveriam deixar tudo em ordem ao final do expediente, pronto para reiniciar o trabalho no horário seguinte. Essa chave ficaria em poder de cada um, até o dia em que deixasse a empresa. A máquina ficaria sob a responsabilidade do operador. Sua manutenção e eventual interrupção do uso, no caso de apresentar problemas de funcionamento. Feitas essas recomendações, cada um recebeu uma folha com as especificações técnicas graficas e escritas de uma peça. Eram pré moldadas na fundição e que precisavam ser usinadas para deixá-las nas especificações da montadora.
O ganho no final do mês seria influenciado pelo desempenho de cada um. Deveriam se preocupar com a perda de tempo, mas também com a percisão na execução do serviço. Cada peça refugada pelo controle de qualidade representaria perdas para o responsável. Significava que deveriam trabalhar diligentemente para render o máximo, mas igualmente estar atentos às medidas. Alguns do grupo fizeram perguntas que o senhor Paulo respondeu atenciosamente. Depois foram liberados para iniciarem o trabalho. O almoço seria ali mesmo na indústria. Saberiam depois a localização do refeitório. Talvez o primeiro dia não trouxesse um almoço primoroso, pois a equipe também estava iniciando naquele momento, embora tivessem recebido treinamento na semana anterior.
Em poucos segundos os enormes tornos começaram a ronronar e foram verificados todos seus comandos antes de iniciarem a execução do serviço. As ferramentas de corte foram conferidas uma a uma. Depois começou-se a ouvir o ruido das ferramentas cortando o aço. Uma pequena pilha de finas ritas metálicas enroladas foi se formando aos pés de cada máquina. As máquinas eram novas e facilitavam o trabalho. A fundição era de boa qualidade, não exigindo habilidades especiais. Sempre existia o risco de haver rebarbas de metal restantes de defeitos de fundição, o que representava um atraso na execução do serviço de torno. Cada peça pronta, era colocada em uma bancada existente a retaguarda do operador.
O grupo começou a operar quase no mesmo rítmo. Apenas dois colegas tiveram alguma dificuldade com as máquinas, pois haviam aprendido a operar máquinas ligeiramente diferentes o que exigia algum tempo para se adaptar. Haviam iniciado o trabalho em torno de 9 h e às 10 h 15 min, sou uma sirene, avisando que era hora de um pequeno interval de quinze minutos. Suficiente para irem ao banheiro e tomar um copo de café com biscoitos servidos na sala ao lado. Nas bancadas estavam empilhadas algumas peças usinadas. No momento da interrupção para o almoço seriam removidas, anotadas na ficha de cada operador e etiquetadas.
Dali seguiriam para o controle de qualidade, para depois seguirem até a expedição. Manoel foi ao banheiro e tomou seu café, sentindo-se aliviado da tensão anterior. O batismo de fogo havia passado. Sentia-se agora dono do lugar. Estava senhor da sua máquina. Ele a operava com perfeição. Ao seu lado os companheiros, quase todos oriundos dos diversos cursos do SENAI, estavam em igualdade condições com ele. Os seus movimentos pareciam quase sincronizados, diferindo por frações de segundos. Quando um se virava para colocar uma peça na bancada, logo os outros também faziam o mesmo.
No momento em que soou novamente a sirene cada um tinha em sua bancada um bom número de peças prontas. Foram levados ao refeitório onde o cheiro de comida despertou o apetite de todos. O cheiro percebido quando ainda estavam a uma distância de 50 metros do lugar, deixava saber que a refeição seria de boa qualidade. Um almoço excelente foi servido. Carne com molho, arroz, feijão e saladas diversas, completadas com sobremesa. Sem esquecer o refresco à escolha de cada um.
Manoel num primeiro momento ficara pensando em ir almoçar na rua e na visita durante a semana anterior indagara nas redondezas da existência de restaurantes populares. Agora via que o almoço era servido na própria empresa e isso o deixava mais tranquilo. Nenhuma empresa quereria ter seus operários doentes por conta de alimentação inadequada ou com problemas. Almoçaram e depois foram espairecer por pouco mais de meia hora, antes do reinício do trabalho. O total do às 12 horas, sendo que cinco minutos antes soara a sirene. Era o tempo para que cada um juntasse em um recipiente as aparas metálicas acumuladas sob a máquina. Elas seriam prensadas e enviadas novamente para a fundição. Não havia como desperdiçar o metal.
Quando deu 13 h 20 soou a sirene chamando para se apresentarem às dali a dez minutos nos postos de trabalho. Alguns projetos de amizades, conversas haviam sido iniciadas. Era uma convivência, projetada para ser prolongada, que se iniciava. Sem demora cada um se encaminhou para seu lugar de trabalho, passando pelos banheiros antes. Às 13 h 30 soou a sirene para início do turno de trabalho. Cada um acionou sua máquina e deu início ao turno de trabalho. As peças a serem usinadas eram as mesmas e continuariam sendo por aquele e mais dois dias pelo visto. Aos poucos os operários se habituaram e dominaram melhor as suas máquinas, conseguindo acelerar sua produção, sem descuidar dos detalhes.
Às 15 h soou a sirene novamente para os quinze minutos de intervalo, o cafezinho e uma ida ao banheiro, se necessário. Havia é claro um grande filtro com água para matar a sede. O ambiente era levemente climatizado para evitar a transpiração excessiva dos operários. As bancadas já apresentavam um bom número de peças usinadas e e a pilha de peças a trabalhar existente ao lado de cada máquina parecia não diminuir sensivelmente. Era um trabalho aparentemente monótono, porém exigia atenção constante para evitar falhas. Nisso residia a necessidade de boa preparação técnica dos operadores. O controle emocional e capacidade de manter a concentração eram fundamentais.
E quando menos esperavam, soou o sinal de encerramento do expediente. Tinham os dez minutos para proceder à limpeza do local e deixare a máquina em condições de uso na manhã seguinte. As ferramentas usadas eram devolvidas para passarem pela equipe de afiação. Na manhã seguinte teriam à disposição novo kit para usar naquele dia. O que se viu nos rostos daquele grupo de operadores ao deixare o lugar de trabalho. Antes de saírem ouviram uma rápida preleção de seu Paulo sobre o primeiro dia de trabalho. Em sua maioria haviam tido um ótimo desempenho. As dificuldades iniciais de alguns estavam superadas e tudo prometia fluir sem problemas dali por diante. Desejou-lhes bom descanso e os liberou.
A maioria saiu dali orgulhosa. Esse emprego representava o começo de uma vida de trabalho ou o reinício de uma carreira interrompida por um motive qualquer. Os colegas mais próximos se despediram entre si e Manoel foi até a pousada para combinar sua mudança para ali no final de semana. Queria fazer isso com calma, sem atropelos. Seria perfeitamente viável percorrer a distância até à capital nos dias dessa primeira semana. Depois veria a possibilidade de adquirir uma bicicleta e percorrer a distância da pousada até a indústria pedalando. Demorou cerca de meia hora para chegar ao estabelecimento e não teve dificuldades em deixar combinado o aluguel de um quarto com café da manhã e jantar.
Estava orgulhoso de seu trabalho e fez questão de apresentar o crachá que lhe haviam entregue ao sair. Era agora operário da indústria de peças que iniciara suas operações naquele dia. Depois de combinar tudo, voltou até perto da indústria e tomou o ônibus para voltar à capital. Chegaria um pouco atrasado na pensão. Teria que comer alguma coisa que tivesse sobrado do jantar, salvo o caso de dona Marinês ter guardado um prato para ele. Isso não tinha importância. Comeria o que houvesse ou iria até um bar e comeria um salgado. Um dia não fazia mal algum. Os outros seriam diferentes.
A semana transcorreu sem novidades. Cada dia a camaradagem entre os colegas aumentava, encontravam-se ao chegarem pela manhã, sorriam e se davam palmadinhas nos ombros. Depois ficavam por horas sem trocar palavra praticamente enquanto prestavam atenção máxima nas ferramentas que cortavam o aço, transformando peças brutas fundidas em aço, em algo bem acabado. Sentiam satisfação em ver as aparas de metal caindo e formando aquela pilha característica no chão. Eram o resultado que sobrava do seu trabalho. Em outra ocasião esse mesmo metal poderia estar novamente em suas mãos na forma de outras peças, de outras formas sendo trabalhadas para uso posterior.
A primeira semana chegou ao fim e todos se despediram para o descanso merecido. No sábado Manoel fez sua mudança para a nova moradia. Um colega de pensão foi com ele ajudando a carregar parte de suas bagagens. Assim ficaria sabendo onde o amigo estaria morando a partir daquele dia. Manoel despediu-se de dona Marinês. Já fizera o acerto com a dona do estabelecimento e agradecera o grande carinho que lhe dispensara. Depois de se instalar na nova moradia, levou o colega para almoçarem juntos. Depois procurou e encontrou uma loja que estava aberta e adquiriu uma bicicleta. Aprendera a andar anos antes, mas fazia tempo que não pedalava. Aproveitaria o resto da tarde e o domingo para lembrar como se fazia e não ter problemas na segunda feira.
Não precisou de muito tempo para sentir-se dono da situação e o resto do dia, bem como o domingo para passear por todos os lados, explorando os bairros de São José dos Campos, sua nova cidade. Encontrou um laboratório fotográfico e lá deixou os filmes que estavam totalmente utilizados. Ficariam prontas na semana seguinte. Quando fosse retirar poderia escolher as fotografias de que quisesse cópias e elas seriam providenciadas. Haveria tempo para fazer isso após a saída do trabalho que ocorria às 17 h 30. Indo de bicicleta chegaria antes de fechar o estabelecimento. Então poderia mandar aos irmãos as fotos do jogo de futebol e também de seu novo local de trabalho.

Pedira ao chefe para bater uma pose mostrando ele em ação no torno, outra no refeitório, no patio de recreio e diante da fachada da indústria. Queria que a família sentisse orgulho de seu sucesso na nova patria. 

Indústria metalúrgida nos primórdios.

 

Peças diversas feitas em cobre.

 

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